As negociações bem sucedidas são sempre úteis para aliviar tensões, re-adquirir confiança na contraparte e proclamar o sucesso do resultado. Putin está esfuziante, recuperou o papel de interlocutor, em pé de igualdade, com os EUA, como nos bons velhos tempos. Bom funcionário, aproveitou para, por via do exemplo, lembrar a todos os funcionários leais que a Mãe Rússia não se esquece deles. Em campanha eleitoral, Biden e Kamala fizeram-se fotografar junto dos “libertos” sem que ninguém lhes recordasse que quase todos eram presos políticos abusivamente detidos por Moscovo com o propósito de amealhar “moeda” para troca por verdadeiros espiões e criminosos de delito comum, condenados por tribunais ocidentais em julgamentos públicos, “fair and impartial”. O cabeça de cartaz da “wish list” de Washington, Alexei Navalny, morreu na prisão e retirou peso às concessões russas.
Bom seria assistir ao retomar das negociações noutras áreas clássicas dos tempos da guerra fria: controlo de armamentos, em particular de mísseis de curto e médio alcance e de armamento nuclear. Há nestas negociações a grande dificuldade de as alargar ao necessário ménage à trois: a China não está obrigada pela maioria dos acordos internacionais de controlo de armamento (em particular os que em anos recentes têm sido denunciados por Moscovo e por Washington) e não tem qualquer interesse em limitar pela via jurídica as suas capacidades de defesa.
Vistos de Washington os conflitos na Ucrânia e o no Médio Oriente são distracções em relação ao principal objectivo: a contenção militar, económica e política da China. A distracção médio-oriental diminuirá de importância depois das eleições presidenciais de 5 de Novembro. A distração ucraniana já está a diminuir de importância, o que levou Zelensky a referir, pela primeira vez, a possibilidade de um acordo de paz com perda de território, sujeito a referendo pelos ucranianos. Este método negocial tem riscos próprios, como o processo do Brexit demonstrou: oferecidas ao Reino Unido algumas concessões importantes tal não foi suficiente para garantir no referendo um resultado favorável à permanência na UE.
As negociações entre russos e ucranianos começaram, convém recordar, pouco tempo depois da invasão iniciada a 24 de Fevereiro de 2022, e podem não terminar num acordo solene e formal, que tenha de ser aprovado pelos respectivos parlamentos, publicado e questionado (ou até referendado). A aceitação de um modus vivendi, com as actuais fronteiras de facto, poderá ser o suficiente para dar origem a mais um “conflito congelado”. Tal permitirá aos ucranianos salvar a face, continuando formalmente em guerra para defesa do território ocupado mas sem ter um conflito aberto com perdas humanas, materiais, económicas e políticas que são insustentáveis a prazo. A Federação Russa teria o mesmo benefício e o ganho de causa da ocupação dos territórios que considera como sendo etnicamente russos. A União Europeia e a NATO, não reconheceriam a bondade da ocupação mas deixariam de ter um conflito aberto na proximidade das fronteiras a Leste. A inexistência de um acordo formal permitiria igualmente contornar a grande dificuldade das “garantias de defesa” reivindicadas pelo Kiev, recusadas abertamente por Moscovo e, no que respeita à cláusula de legítima defesa colectiva, impossíveis de conceder pela NATO.