Não é uma réplica exata da Guerra Fria, mas com a invasão da Ucrânia temos visto desenharem-se nitidamente dois blocos que fazem lembrar, e muito, o mundo bipolar das décadas pós-II Guerra Mundial. De um lado, a Federação Russa e os outros BRICS (China, Brasil, Índia, África do Sul, a que em breve poderão juntar-se novos membros), além de países como o Irão, a Venezuela, a Coreia do Norte e outros regimes pouco recomendáveis; do outro lado, as democracias europeias, e mais umas quantas de tipo ocidental, alinhadas com os EUA. Neste campo, a NATO, uma aliança formada precisamente para contrariar a então União Soviética, volta a ganhar preponderância.
No meio de tudo isto, o Brasil desempenha um papel curioso. Com Jair Bolsonaro, Brasília e Washington eram unha com carne, e os respetivos Presidentes os melhores amigos – embora Bolsonaro também tivesse boas relações com Putin. Mas com a eleição de Lula da Silva, e o início da guerra com a Ucrânia, o Brasil alinhou-se por completo com a Rússia. Ao ponto de o Presidente brasileiro ter anunciado por estes dias que o seu homólogo russo, sobre quem impende um mandado de detenção internacional, poderia ir ao Brasil à cimeira do G20 que não seria detido. Como assim? O Brasil passou a ser um Estado à margem da lei? Uma espécie de república das bananas onde é o poder político – e não o direito, ou a justiça – que dita quem é inocente e quem é culpado?
Este terceiro mandato de Lula começou mal e está com dificuldade em endireitar-se. O superavit deixado por Bolsonaro em finais de 2022 esfumou-se num semestre e deu lugar a um pesado deficit. Depois, há o ajuste de contas com os militares (tendencialmente apoiantes do seu antecessor), que Lula quer impedir de se candidatarem ao Planalto. E por fim esta tremenda gafe diplomática. É bom que se diga: Lula já veio emendar a mão e reconhecer que não depende dele. “Eu não sei se a justiça brasileira vai prender. Isso quem decide é a justiça e não é Governo, nem o Parlamento”, admitiu. Mas julgo que o velho ditado se aplica como uma luva a esta estranha cumplicidade entre Lula e Putin: “Diz-me com quem andas e dir-te-ei quem és”.