Poluição. “Em termos de construção, os carros elétricos são sempre mais poluentes”

Poluição. “Em termos de construção, os carros elétricos são sempre mais poluentes”


Ao contrário do que muita gente pensa, os carros elétricos não são assim tão “amigos do ambiente”, pelo menos no que toca ao seu fabrico. Um estudo sueco concluiu que a produção das suas baterias liberta tanto CO2 como um carro a gasolina durante oito anos de utilização. Já na sua utilização, a história é…


Vemos cada vez mais veículos elétricos na estrada. Há quem ainda não conheça as verdadeiras diferenças entre estes e os veículos a gasóleo ou gasolina. Há mesmo quem nunca tenha viajado num carro assim. No entanto, é comum que pensemos que estes veículos, em qualquer circunstância, são menos poluentes, já que são conhecidos como “carros ecológicos e sustentáveis”. Mas será realmente verdade? 

Em maio de 2022, um estudo encomendado pela Administração dos Transportes da Suécia e pela Agência Energética do mesmo país, que teve como objetivo “investigar a poluição libertada pela produção das baterias de iões de lítio e os impactos das mesmas no seu ciclo de vida”, concluiu que quando falamos de mobilidade sustentável e dizemos que os carros elétricos emitem zero gramas de CO2, “não podemos esquecer que a produção das suas baterias liberta tanto CO2 como um carro a gasolina durante oito anos de utilização”. 

Um fabrico mais poluente O texto tem como título “A energia do ciclo de vida. Consumo e emissão de gases com efeito de estufa de baterias de iões de lítio” e consiste numa “revisão das avaliações de ciclo de vida disponíveis em baterias de iões de lítio para veículos leves”. Este alega que “o fabrico de baterias origina um elevado valor de emissões” e que “cada kWh de capacidade da bateria (medida da energia elétrica consumida por um aparelho durante um determinado período de funcionamento) gera entre 150 a 200 quilogramas de CO2 apenas na fábrica”. “Quer isto dizer que uma bateria de 30 kWh emite, na produção, 4500 quilos de CO2. Mas se estivermos a falar de uma bateria de 100 kWh esse valor é quase ofensivo: 15 toneladas de CO2”, explica o artigo. “Metade das emissões vem da produção de matérias primas e da produção de baterias, enquanto a mineração representa entre 10 a 20%”, partindo do pressuposto que a energia utilizada no fabrico das baterias utiliza mais de 50% de combustíveis fósseis”, acrescenta.

“Em termos de construção, os carros elétricos são sempre mais poluentes”, garante Paulo Jorge, engenheiro mecânico. “Aliás, existe um lago artificial na China, tipo Alqueva, que está completamente contaminado por minerais devido à sua extração a céu aberto. A extração do níquel ou lítio é feita a céu aberto”, denuncia. “Agora, existe é uma questão política, uma questão de influências económicas a nível internacional e fala-se tanto na sustentabilidade…”, lamenta lembrando, contudo, que no fim – quando temos realmente o produto feito e terminado -, logicamente que é “menos poluente”, já que não tem a parte da carbonização. Por isso, de acordo com o especialista, é possível que o estudo sueco esteja correto. “Depende sempre da forma como são feitas as baterias”, reforça. “Se no futuro as baterias forem produzidas com eletricidade 100% renovável, acredito que não haja praticamente qualquer tipo de emissões de CO2”, afirma. 

“Basicamente o fabrico de baterias de lítio, sobretudo nos últimos anos, tem sido centrado em fábricas na China. Convenhamos que as preocupações ambientais na alta indústria chinesa não são propriamente as mesmas que as nossas. Claro que, em termos de fabrico, em qualquer país, tem impacto. É global”, explica, por sua vez, Miguel Ferreira, engenheiro eletrotécnico. Segundo o engenheiro, a forma como as baterias de lítio são fabricadas continua a ter algumas componentes de chumbo. “O lítio tem de ser sobreposto a vários processos químicos para que seja possível passar pelo processo de eletrização e tudo isso liberta gases”, continua, acrescentando que “há sempre formas de capturar estes gases nocivos”. 

Segundo Miguel Ferreira, tal como referiu Paulo Jorge, há outra questão associada à produção das baterias: a própria exploração das minas de lítio. “Aí passamos o mesmo que com os outros tipos de mina. São minas idênticas àquelas que já existem no nosso país. Ainda que os mineiros sejam diferentes… Aí também depende como é feito o tratamento do próprio lítio. Quando se fala em minas de lítio a primeira imagem que nos vem à cabeça são aquelas minas no norte de África, ou no sudeste asiático, que são buracos a céu aberto”, lamenta. “Em quase todos os países mais desenvolvidos, isso não acontece. As minas são sempre subterrâneas e a extração é feita de forma menos agressiva, ainda que exista sempre algum impacto, mais não seja as poeiras”, conta.

Além disso, interroga o engenheiro mecânico: “O que é que se vai fazer às baterias?”. “Neste momento já existem estudos feitos que tentam perceber se estas vão servir para acumuladores de energia doméstica… Até acontecer há aqui um cem número de situações prejudiciais”, alerta. 

 

Mais sustentável na circulação A Volvo – considerada uma das marcas mais empenhadas na transição completa para veículos elétricos – divulgou, em novembro de 2021, um relatório onde indica que o fabrico do seu modelo C40 Recharge gera mais 70% de emissões de gases de efeito de estufa do que a produção de um equivalente XC40, a gasolina. Claro que a notícia causou polémica, já que parecia uma contradição tendo em conta aquilo que a construtora sueca defende. No entanto, era precisamente o contrário. Na verdade, o estudo mostra que esse modelo elétrico fica com as emissões abaixo do XC40, no máximo ao fim de 110 mil quilómetros, passando a partir daí a ter uma “pegada ecológica sempre melhor”. “Isto usando como referência a produção de eletricidade convencional a nível global, com uma grande componente de origem fóssil”, explica a EDP que, num artigo publicado em fevereiro do ano passado, cita o mesmo estudo da Volvo. 

Além disso, a Volvo também calculou as emissões poluentes para um ciclo de vida completo (estimado em 200 mil quilómetros). A marca concluiu que a versão a gasolina produz 59 toneladas de CO2 para percorrer essa distância, mais do dobro do que um C40 elétrico a usar energia renovável (27 toneladas de CO2). Ou seja, de acordo com a fabricante sueca “a pegada ecológica só não é favorável no início de vida de um carro e, quanto maior for o investimento em produção de eletricidade a partir de fontes renováveis, menor será o impacto dos veículos elétricos no ambiente”.

“Eles aqui fazem a comparação entre o processo produtivo da viatura com aquilo que depois é a sua produção em andamento. É claro que neste campo há vantagens”, assegura Miguel Ferreira. Ou seja, de acordo com o engenheiro eletrotécnico, há um incremento dos níveis de poluição durante a fase de fabrico, mas que depois acaba por ser compensado a longo prazo com a utilização do veículo. Porém, “acaba sempre por ser um bocadinho subjetivo”. “Neste estudo, eles acabam por ser um bocadinho inteligentes. Ao contrário do sueco, não fazem as coisas por anos, vão aos quilómetros. Depende da utilização de cada um. Ao falar dos dados em anos, depois a expectativa fica distante da realidade, porque tudo depende da utilização que se dá ao veículo. Se temos uma viatura elétrica, mas está a ser carregada por fontes não renováveis, acaba pode dar um bocado ao mesmo”, explica. Estamos a reduzir de um lado – não estamos a usar os combustíveis fósseis na mobilidade da viatura – , mas estamos a usá-los para produzir a energia que carrega a viatura. “Acaba por ser uma pescadinha de rabo na boca. Andamos todos um bocado extremistas nesta questão. De um lado os defensores dos carros elétricos e do outro os da combustão”, acredita, admitindo estar expectante para perceber o que é que vai acontecer, “porque efetivamente ainda há muitas informações contraditórias”. “Ainda não se sabe muito bem o que é fidedigno ou não. Não sabemos quais são os lóbis a trabalhar atrás da opinião pública. Estaremos cá para ver”, remata.

Um outro estudo da Federação Europeia dos Transportes e Ambiente, publicado em abril de 2020, demonstra que uma bateria elétrica “paga a sua dívida de CO2”, ou seja, os gases emitidos durante a produção, no período de um ano ou menos. O mesmo estudo sublinha que, em média, os automóveis elétricos em circulação na União Europeia emitem quase três vezes menos dióxido de carbono (CO2) do que os carros a gasolina e gasóleo, ou seja, emitem menos 66% de CO2 comparativamente aos carros a gasóleo, e menos 68% no que diz respeito às versões a gasolina.