Terminadas as JMJ-Jornadas Mundiais da Juventude em Portugal com a presença do PAPA que mobilizou, e bem, uma enorme massa humana de fiéis, crentes e todos aqueles que gostam de Francisco e sentiram a sua clareza e simplicidade num evento muito bem organizado, a vida dos portugueses volta ao normal e às dificuldades que o país enfrenta todos os dias nos diversos setores. Temos incêndios de grande dimensão e os habituais problemas no Serviço Nacional de Saúde com relevo para a luta dos Médicos.
A crise do SNS que se traduz, entre outros aspetos, pelo fecho de algumas urgências em determinadas especialidades médicas, em dados períodos e em diversos hospitais públicos, trouxe de novo a discussão da falta de médicos no SNS. O Governo pensa agora contratar médicos em Cuba ou na Colômbia, algo que não é uma novidade, mas carece de ser resolvido.
Na verdade, tem sido recorrente o recurso à prestação de serviços de médicos “tarefeiros” para preencherem as escalas e as necessidades dos serviços de urgência, por falta de profissionais do “quadro”.
Neste contexto é forçoso afirmar que não existe falta de médicos em Portugal pois o país tem um dos mais elevados índices de médicos por 1.000 habitantes, ocupando o 8.º lugar no ranking mundial (World Factbook-Jan 2020). Também segundo o INE-Estatísticas de Saúde – 2019 o país tem 5,4 médicos por 1.000 habitantes tendo mais 2,3 médicos do que há 20 anos. Existe, sim, uma falta de médicos no SNS.
A formação de médicos em Portugal teve por objetivo, historicamente, responder às necessidades do SNS quanto a estes profissionais. O Estado era o principal empregador destes profissionais, estando assegurado o emprego no SNS para (praticamente) todos os recém licenciados em Medicina o que contrasta com a situação de outros licenciados.
Este contexto, foi compatível com a existência de um sector privado da saúde ainda pouco desenvolvido no início deste século e que se não configurava como um concorrente efetivo para o emprego destes profissionais, quer em termos de evolução futura na carreira profissional, no sentido de uma maior especialização, quer em termos de estabilidade e remuneração.
A situação, hoje, é muito diferente e o sector privado tem condições crescentes para ser atrativo para estes (e outros) profissionais de saúde.
Contudo a falta de médicos no SNS, agora, deve-se também a outras razões de responsabilidade exclusiva deste Governo:
– a deteção das necessidades de recursos humanos do SNS, em termos previsionais, não coloca uma especial dificuldade, podendo ser razoavelmente antecipada (é possível prever qual o número de novos médicos que serão necessários, no futuro, qual o ritmo e a dimensão das passagens à reforma). A falta de planeamento é uma das causas da presente situação.
– é também possível avaliar a falta de competitividade em termos salariais, face ao sector privado, e pôr em ação políticas públicas de atração/manutenção de profissionais de saúde (em especial dos jovens licenciados), o que não foi feito também por este Governo.
– a crise em que o SNS está mergulhado, com a desorganização existente, difíceis condições de trabalho e baixas remunerações, desmotiva e afasta muitos profissionais que procuram outras saídas profissionais no sector privado e no estrangeiro. O Governo incapaz de introduzir uma reforma estrutural do SNS (até toma decisões que agravam a crise, como a quase extinção das PPP-Parcerias Público-Privadas) cria as condições para o descontentamento e abandono do SNS por estes profissionais.
– paradoxalmente, é o próprio Governo que continua também a criar as condições para que o sector privado de saúde seja, cada vez mais, uma alternativa para os profissionais de saúde, dada a degradação da resposta do SNS às necessidades das pessoas, bem evidente nas crescentes e persistentes listas de espera para cirurgias e consultas e na enorme falta de médicos de família, pois uma grande parte da população (cerca de 3,5 milhões de pessoas que têm seguros de saúde privados ou acesso à ADSE) é impelida a procurar no sector privado a resposta aos seus problemas de saúde, criando uma procura robusta para este sector.
Com um crescimento económico quase estagnado nas duas últimas décadas e meia, Portugal está a ser sucessivamente ultrapassado por outros países da União Europeia (EU) na sua maioria do Leste Europeu, saídos da ex-União Soviética em condições de pobreza e atraso económico, estando, assim, numa trajetória que colocará o nosso país na cauda da Europa dentro de poucos anos. Portugal viveu na última década a maior saída de população, em proporção, desde a década de 1960, com a Guerra Colonial. São muitos os portugueses, sobretudo os mais qualificados, que escolherem deixar o país que tem estado estagnado há mais de 20 anos, com evidente falta de vontade reformista.
Esta situação tem consequências graves para a população, em especial para a mais vulnerável e desfavorecida, em termos de baixos salários, baixas pensões, elevados níveis de pobreza e emigração massiva.
Tudo isto não pode ser contestado, está evidenciado em dados e indicadores de entidades credíveis, internacionais (como o FMI, OCDE, Comissão Europeia, Eurostat) e nacionais (INE, Pordata).
Os dados e indicadores mais recentes não mostram apenas os graves problemas e dificuldades do país, nem têm em si mesmo, intuitos exclusivos de crítica ao Governo e de luta política. Eles são, antes de mais, os resultados que o país obteve ao longo de duas décadas e meia, tendo as ações dos Governos e das políticas públicas que adotaram, uma especial responsabilidade nesta situação.
A gravidade desta situação, que constitui o principal problema que o país defronta e o que determina o seu futuro, quanto ao nível de vida e de bem estar da população, não tem sido discutida na sociedade portuguesa, de forma constante e generalizada, como a importância fundamental deste tema o deveria impor. É a altura, de passado o período de férias, relançarmos este debate.
Sem dúvida que é necessário lançar esta discussão junto da população mais vulnerável e desfavorecida, e menos informada, explicitando que não é uma inevitabilidade a situação em que nos encontramos e que há uma causalidade entre as condições de baixos salários, baixas pensões, elevados níveis de pobreza e emigração massiva, de que sofrem, e o progressivo atraso do país.
Existem, no entanto, grandes barreiras, difíceis de superar, para a generalização desta discussão junto da enorme massa da população: o foco e o “ruído” na Comunicação Social de factos e casos diários afastam o grande público da compreensão dos verdadeiros problemas do país, e a ação do Governo que pretende fazer crer que, apesar de existirem problemas, o país está no bom caminho, o que é desmentido pelos indicadores acima indicados, são algumas dessas barreiras. O país vai de férias, mas a realidade confronta-nos todos os dias.
Gestor
Subscritor da MANIFESTO CÍVICO contra o ATRASO ECONÓMICO do PAÍS