Qual é o estado da nação política?
Eu sou da Comissão Política do PS. Eu tenho as minhas posições. Sou um social liberal e, portanto, sou mais liberal do ponto de vista económico do que a maior parte do Partido Socialista.
E isso é um problema?
Não há problema nenhum nisso. Pelo contrário, eu acho que o Governo do PS está a ir neste caminho e finalmente percebeu que a economia, para ser competitiva, vai ter que baixar a carga fiscal e que isso não é incompatível, pelo contrário, em manter o Estado social ou até melhorá-lo. Eu só tenho uma melhor saúde, com excelência, ou escola pública, ou justiça, ou defesa, se tiver crescimento económico, e só há crescimento económico com mais investimento privado e mais empresas privadas. As duas coisas não são incompatíveis. Acho que alguns sectores, mesmo do PS mais à esquerda, dos jovens românticos ligados ao Pedro Nuno Santos, começam a render-se e a perceberem isso. Com a idade, com o cabelo branco, isso também melhora. Portanto, fico contente com isso. Estão a perder os ímpetos de juventude e a ficar mais realistas. Nós fomos dos que mais crescemos no ano passado e este ano também deveremos estar bem. Mas a Irlanda cresce mais do que nós. E ainda há outros mais pequenos, como os Bálticos, que crescem mais do que nós. E o nosso crescimento deve-se a este motivo geopolítico, que não é de somenos: Portugal tem um benefício óbvio numa situação de guerra no centro e leste da Europa. Desta vez, por exemplo, a Alemanha, que está numa dificuldade grande, não está a contaminar Portugal, e espero que isso não venha a acontecer. Mas, com o fim da guerra, passamos a ter um contratempo com o capital, a economia tem vasos comunicantes. Passado o problema da guerra, o capital que veio para cá num mecanismo de refúgio, passando o perigo, vai para outro lado onde tenha melhores condições. A conclusão é que não podemos embandeirar em arco, porque isto pode acabar. Isto é conjuntural, não é estrutural. Eu queria que Portugal fosse um porto de abrigo estrutural, natural. Para ser estrutural, você tem de ter uma justiça melhor, tem de ter uma política fiscal mais atrativa. E, se nós tivermos essas duas coisas, qualquer que seja o Governo, mais casos ou casinhos, porque há sempre problemas lá em casa…
Mas não é isso que está a acontecer. Neste momento, o Governo está a viver dos rendimentos do bom desempenho económico conjuntural?
Mas o Governo pode melhorar. Ao contrário do que foi dito, o primeiro-ministro tem muito por onde escolher para melhorar. Portugal tem jovens qualificados, empresários.
Mas esses estão disponíveis para ir para o Governo?
Mas é uma questão de surpreender.
Acha que este é um Governo para chegar ao fim do mandato?
Acho, sempre achei. Só haverá eleições em 2024 se o primeiro-ministro for para a Europa.
E o país aguenta mais um ano igual a este?
Enquanto houver crescimento económico e o desemprego não aumentar… só haverá eleições se o primeiro–ministro sair do país como o Presidente da República disse. Portanto, depende do que vai acontecer na Europa, que nem ele sabe se vai acontecer, porque essas decisões às vezes são à 25.ª hora.
Mas acha que António Costa, neste momento, tem as portas todas abertas?
Eu acho que ele tem as portas abertas na Europa. É natural que peçam para ele ir para lá, ou não, saberemos…
E, se isso não acontecer, acha que se recandidata em 2026?
Acho. Aliás, eu acho que isso é o mais provável, porque ele é jovem. Eu, como médico, digo que agora nós estamos cada vez a viver mais anos e melhor, e uma pessoa com 60 anos era uma pessoa com 50 anos. Ele está em boa forma física, gosta do que faz, isto é muito importante. E na história da política, até em Portugal, um Governo em funções, com o crescimento económico, com o desemprego baixo…
Mas ao fim de 11 anos, acha que ele tem energia e vontade para mais?
O primeiro-ministro holandês está há 13 anos, a Merkel esteve 16 anos…
Mas não acha que um dos motivos para o desgaste deste último ano é o facto de ele estar cansado, por já ser primeiro-ministro há sete anos?
Cansado, estou eu. Acho que ele está bem, acho que ele está fisicamente ótimo. E acho, sinceramente, que ele não faz tudo como eu gostaria que fizesse, mas acho que ele está em boa forma física. Acho que ele gosta do que faz, que isso é muito importante. Acho que é inteligente e politicamente muito inteligente. E acho que, se não for para Bruxelas, tem todas as condições para voltar a ser candidato a primeiro-ministro e acho que à partida ganha. Não estou a ver, e agora estou a tentar pôr-me de fora, que, se tudo estiver bem na economia, as pessoas queiram mudar.
E a relação com o Presidente da República, que também foi outra coisa que se degradou nos últimos tempos?
Mas isso é como tudo, eu acho que, apesar de tudo, isto é uma relação de vários anos e, portanto, acho que é possível melhorar essa relação. Vai haver uma remodelação mais tarde ou mais cedo e, portanto, tem todas as condições. As pessoas criticam muito Rui Rio quando ele dizia que não são as oposições que ganham, são os governos que perdem. Mas ele tinha toda a razão. São os governos que perdem e depende muito da economia. A economia é fundamental aqui. Se a economia correr bem, se Portugal estiver daqui a dois anos como está agora, em termos económicos e de desemprego, que são os dados fundamentais, eu acho que há condições para o Partido Socialista ganhar. E acho que tem condições para continuar. E acho que é o que ele gosta, como ele tem dito: ser primeiro-ministro. Acho que ele é executivo. Ele gosta de ser executivo e, portanto, ou vai para a Europa, ou volta a candidatar-se em 2026.
E isso não deixa o PS fragilizado em termos de conseguir produzir alternativas?
Não, não. Aliás, eu acho que um dos problemas da democracia no nosso país é o risco da mexicanização da política portuguesa. Acho que o PS é banda larga. Acho que o PS tem pessoas que pensam como eu, como o Pedro Nuno, como o António Costa. Já tem várias sensibilidades. Não se matam uns aos outros e respeitam o PS. Tem essa tradição de respeitar as minorias. Isso é importante e, por isso, ainda agora houve um ministro (Pedro Adão e Silva) que disse uma coisa e o meu amigo (Lacerda) Sales, que aliás esteve muito bem a defender os deputados contra o ministro, disse outra. Às vezes, o problema é que há mais debate dentro do PS do que entre o PS e os partidos da oposição. Somos um partido de muitos anos no poder e isso, sim, é um risco do Partido Socialista se tornar o partido da situação. E como já vi isso em abril e não gosto, sou sincero, eu acho que não há verdadeira democracia sem alternativa.
O PSD vai continuar a queimar o líder?
O PSD tem um problema, ao contrário do PS, que dá espaço minimamente à oposição e tem essa cultura desde Mário Soares, tratar bem o adversário interno. O PSD não tem isso e é péssimo. Mas, para além disso, acho que o PSD foi grande quando foi audaz. Teve um líder que era o Sá-Carneiro, que era imponente, que era reformista, que era corajoso, que era audaz. E mesmo com Cavaco Silva foi audaz, foi reformista, foi reeleito presidente. Eu acho que o PSD tem de ter essa ambição reformista e sem medo e isso nem sempre tem acontecido. Eu gostava de ver o PSD mais arrojado na revisão constitucional, mais arrojado numa revisão da lei eleitoral. Um partido alternativo tem de ser mais ambicioso. O PSD, às vezes, é pouco.