Em busca de um país normal (II)


A ânsia crescente por uma certa normalidade pode mover aqueles que mais padecem com a crise constante em que vivemos e que nos dizem ser inevitável.


A ideia da busca de um país normal não será, em si própria, rigorosamente revolucionária.

E, todavia, nas atuais circunstâncias e até por comparação desta aspiração com a realidade de outros países, tal ideia pode fazer bulir a sociedade: resta saber em que sentido.

A ânsia crescente por uma certa normalidade pode, pois, mover aqueles que mais padecem com a crise persistente em que vivemos e que nos dizem ser inevitável: a crise permanente com que se justificam sempre todas as – mais e menos graves – injustiças sociais.

Num país normal, o salário de um cidadão, por mais modesto que seja, deve, em qualquer caso, chegar para lhe proporcionar uma habitação condigna, para lhe permitir alimentar-se saudavelmente e, ainda, para prover a outras necessidades essenciais à vida de uma pessoa do século XXI, quer viva só, ou em família.

Num país normal, quem trabalha, e aufere um salário por ele, não pode nunca ser pobre: isso viola todas as declarações de direitos humanos e constitui mesmo uma outra forma de escravatura.

Num país normal, não deve, pois, ser admitida a pobreza, qualquer que seja a sua causa: nesta parte rica do mundo em que vivemos, ela é mesmo insuportável.

Num país normal, os custos dos cuidados de saúde não devem preocupar uma pessoa que, assim, não deve ter de pagar seguros privados para compensar o mau e demorado funcionamento dos serviços que ao Estado incumbe, necessariamente, proporcionar-lhe.

Num país normal, os filhos não devem ter de despender do seu bolso uma parte significativa dos custos do apoio à velhice dos seus ascendentes, pois o sistema e montantes das reformas e pensões destes terão de, por si, ser capazes, sem mais, de assegurar tais serviços de apoio, quaisquer que eles sejam.

Num país normal, os pais não devem temer morrer, deixando, assim, de poder continuar a contribuir para as despesas de habitação, alimentação e saúde dos filhos – mesmo quando estes têm um emprego e um salário – e para a educação e sustento dos seus netos: e, todavia, isso é hoje uma preocupação comum a muitos pais de vários níveis sociais.

Num país normal, todos devem, por isso, ter direito e acesso a rendimentos justos, certos e previsíveis que, inevitavelmente, lhes proporcionem a si e aos seus uma vida decente e previsível.

 Num país normal, não devem, assim, os cidadãos, para poderem sobreviver, estar carentes de contribuições avulsas e ajudas irregulares e aleatórias do Estado, que, por o serem, não criam direitos, nem contribuem para a sua estabilidade e a sua segurança jurídica, económica e financeira: muitas delas são, até, vexatórias.

Num país normal, as instituições e órgãos do Estado e da administração pública devem estar ao serviço de todos e agir com objetividade e transparência, devendo os que neles trabalham, ser, por isso, especialmente respeitados e acarinhados pelos outros cidadãos.

 Num país normal, devem existir carreiras públicas devidamente reguladas e que assegurem aos que as integram um quadro de garantias que lhes permita, sem medo de represálias, exercerem as suas funções com eficácia, isenção e objetividade.

Num país normal, devem, além disso, existir regras que não favoreçam e impeçam mesmo a existência de «trepadores» que singram à custa da sua filiação partidária ou de conhecimentos familiares.

Num país normal, a administração pública deve poder ser capaz de controlar devidamente os contratos que o Estado faz com privados, tanto do ponto de vista financeiro, como técnico: isso exige quadros de qualidade, atualizados, bem pagos e acima de qualquer suspeita.

Num país normal, os estudantes devem poder progredir nos seus estudos até onde a sua capacidade os levar e nunca ter de parar de estudar porque, em casa, não há mais dinheiro para lhes assegurar tal possibilidade.

Num país normal, os professores devem ser respeitados e considerados por todos – poderes públicos e cidadãos – como os promotores do sucesso e progresso da sociedade.

 Num país normal, o seu recrutamento deve buscar os melhores, razão pela qual devem estes ser adequadamente remunerados e as suas condições de vida devem ser apoiadas para que possam, quando necessário, exercer as suas funções em qualquer parte do país, assim contribuindo para uma maior igualdade cidadã e solidariedade regional.

Num país normal, o mesmo respeito, consideração e apoio devem ser devidos a médicos e enfermeiros e a todos os profissionais que optaram por integrar o Serviço Nacional de Saúde: estes não devem ser alvo de agressões por causa das insuficiências dos serviços.

Num país normal, as leis do trabalho – e os que estão encarregados de as fazer respeitar – devem possibilitar não só o desempenho sereno de uma profissão que satisfaça quem a exerce, como também a sua segurança e estabilidade: a prepotência e chantagem praticadas e justificadas com a manutenção dos postos de trabalho devem ser sancionadas rigorosamente.

Num país normal, deve garantir-se a possibilidade de o trabalhador – qualquer que seja a sua condição – poder, todos os dias, nos fins-de-semana, feriados e durante as férias, viver bem a sua vida e a vida em família.

Num país normal, devem, portanto, assegurar-se regimes e horários laborais humanos, adequados aos novos tempos e promotores do desenvolvimento individual, social e cultural dos trabalhadores e das suas famílias.

Num país normal, os transportes públicos devem ser acessíveis, eficientes, regulares e minimamente cómodos, servindo, assim, para apoiar a economia, a vida laboral dos cidadãos, a vida familiar dos mesmos e precaver, também, mais danos ambientais.

Num país normal, deve apoiar-se e promover-se, sempre e em qualquer lugar, o respeito pelos outros, designadamente pelos mais velhos e pelas crianças, e a consideração desse apoio deve fazer sempre parte de um programa cívico difundido pelos media e ensinado, desde os primeiros passos, nas escolas.

Num país normal, não deve encarar-se a velhice como «a peste grisalha», que nada mais merece de bom do que uma morte digna.

Num país normal, deve cultivar-se, igualmente, um discurso de paz e nunca de guerra, promovendo-se, assim, os princípios e valores constitucionais que se lhes referem. 

Num país normal, deve, ainda, projetar-se um urbanismo racional e salutar, contrariando o uso e abuso dos solos públicos ou privados para manobras e operações especulativas.

Num país normal, deve, assim, impedir-se a concretização de urbanizações caóticas que, enriquecendo alguns, empobrecem a qualidade de vida dos cidadãos nelas residentes e que, além disso, destroem também o equilíbrio que deve existir entre a vida dos homens e a da natureza: isso só pode acontecer com uma programação e definição públicas dos espaços urbanizáveis.

Num país normal, a água e a energia devem ser considerados bens comuns e, por tal razão, a sua gestão deve ter como único objeto e preocupação satisfazer, de modo racional, a melhoria da vida de todos e a da natureza em que são captados ou produzidos tais recursos essenciais.

Num país normal, a fiscalidade deve ser justa, e por isso progressiva, e não deve admitir-se bónus fiscais especiais, e discretamente negociados, sem o conhecimento e a apreciação crítica dos órgãos do poder político e dos cidadãos que aqueles representam.

Num país normal, todos devem ter liberdade de opinião e de expressão, desde que esta sirva, necessariamente, para exprimir a liberdade da primeira e não para defender ideias que a agridem ou a queiram condicionar, por exemplo: ideias de ódio, racismo, supremacismo e de defesa de um injustificado tratamento desigual entre os cidadãos.

Num país normal, este conjunto de ideias, aspirações e direitos não devem, nem costumam já ser encaradas como revolucionárias, elas só nisso se podem tornar se enfrentarem a força dos que, mais ou menos declaradamente, a elas se opõem para preservar privilégios anacrónicos e injustos.

Num país normal, este texto nem deveria ter sentido.

 

Em busca de um país normal (II)


A ânsia crescente por uma certa normalidade pode mover aqueles que mais padecem com a crise constante em que vivemos e que nos dizem ser inevitável.


A ideia da busca de um país normal não será, em si própria, rigorosamente revolucionária.

E, todavia, nas atuais circunstâncias e até por comparação desta aspiração com a realidade de outros países, tal ideia pode fazer bulir a sociedade: resta saber em que sentido.

A ânsia crescente por uma certa normalidade pode, pois, mover aqueles que mais padecem com a crise persistente em que vivemos e que nos dizem ser inevitável: a crise permanente com que se justificam sempre todas as – mais e menos graves – injustiças sociais.

Num país normal, o salário de um cidadão, por mais modesto que seja, deve, em qualquer caso, chegar para lhe proporcionar uma habitação condigna, para lhe permitir alimentar-se saudavelmente e, ainda, para prover a outras necessidades essenciais à vida de uma pessoa do século XXI, quer viva só, ou em família.

Num país normal, quem trabalha, e aufere um salário por ele, não pode nunca ser pobre: isso viola todas as declarações de direitos humanos e constitui mesmo uma outra forma de escravatura.

Num país normal, não deve, pois, ser admitida a pobreza, qualquer que seja a sua causa: nesta parte rica do mundo em que vivemos, ela é mesmo insuportável.

Num país normal, os custos dos cuidados de saúde não devem preocupar uma pessoa que, assim, não deve ter de pagar seguros privados para compensar o mau e demorado funcionamento dos serviços que ao Estado incumbe, necessariamente, proporcionar-lhe.

Num país normal, os filhos não devem ter de despender do seu bolso uma parte significativa dos custos do apoio à velhice dos seus ascendentes, pois o sistema e montantes das reformas e pensões destes terão de, por si, ser capazes, sem mais, de assegurar tais serviços de apoio, quaisquer que eles sejam.

Num país normal, os pais não devem temer morrer, deixando, assim, de poder continuar a contribuir para as despesas de habitação, alimentação e saúde dos filhos – mesmo quando estes têm um emprego e um salário – e para a educação e sustento dos seus netos: e, todavia, isso é hoje uma preocupação comum a muitos pais de vários níveis sociais.

Num país normal, todos devem, por isso, ter direito e acesso a rendimentos justos, certos e previsíveis que, inevitavelmente, lhes proporcionem a si e aos seus uma vida decente e previsível.

 Num país normal, não devem, assim, os cidadãos, para poderem sobreviver, estar carentes de contribuições avulsas e ajudas irregulares e aleatórias do Estado, que, por o serem, não criam direitos, nem contribuem para a sua estabilidade e a sua segurança jurídica, económica e financeira: muitas delas são, até, vexatórias.

Num país normal, as instituições e órgãos do Estado e da administração pública devem estar ao serviço de todos e agir com objetividade e transparência, devendo os que neles trabalham, ser, por isso, especialmente respeitados e acarinhados pelos outros cidadãos.

 Num país normal, devem existir carreiras públicas devidamente reguladas e que assegurem aos que as integram um quadro de garantias que lhes permita, sem medo de represálias, exercerem as suas funções com eficácia, isenção e objetividade.

Num país normal, devem, além disso, existir regras que não favoreçam e impeçam mesmo a existência de «trepadores» que singram à custa da sua filiação partidária ou de conhecimentos familiares.

Num país normal, a administração pública deve poder ser capaz de controlar devidamente os contratos que o Estado faz com privados, tanto do ponto de vista financeiro, como técnico: isso exige quadros de qualidade, atualizados, bem pagos e acima de qualquer suspeita.

Num país normal, os estudantes devem poder progredir nos seus estudos até onde a sua capacidade os levar e nunca ter de parar de estudar porque, em casa, não há mais dinheiro para lhes assegurar tal possibilidade.

Num país normal, os professores devem ser respeitados e considerados por todos – poderes públicos e cidadãos – como os promotores do sucesso e progresso da sociedade.

 Num país normal, o seu recrutamento deve buscar os melhores, razão pela qual devem estes ser adequadamente remunerados e as suas condições de vida devem ser apoiadas para que possam, quando necessário, exercer as suas funções em qualquer parte do país, assim contribuindo para uma maior igualdade cidadã e solidariedade regional.

Num país normal, o mesmo respeito, consideração e apoio devem ser devidos a médicos e enfermeiros e a todos os profissionais que optaram por integrar o Serviço Nacional de Saúde: estes não devem ser alvo de agressões por causa das insuficiências dos serviços.

Num país normal, as leis do trabalho – e os que estão encarregados de as fazer respeitar – devem possibilitar não só o desempenho sereno de uma profissão que satisfaça quem a exerce, como também a sua segurança e estabilidade: a prepotência e chantagem praticadas e justificadas com a manutenção dos postos de trabalho devem ser sancionadas rigorosamente.

Num país normal, deve garantir-se a possibilidade de o trabalhador – qualquer que seja a sua condição – poder, todos os dias, nos fins-de-semana, feriados e durante as férias, viver bem a sua vida e a vida em família.

Num país normal, devem, portanto, assegurar-se regimes e horários laborais humanos, adequados aos novos tempos e promotores do desenvolvimento individual, social e cultural dos trabalhadores e das suas famílias.

Num país normal, os transportes públicos devem ser acessíveis, eficientes, regulares e minimamente cómodos, servindo, assim, para apoiar a economia, a vida laboral dos cidadãos, a vida familiar dos mesmos e precaver, também, mais danos ambientais.

Num país normal, deve apoiar-se e promover-se, sempre e em qualquer lugar, o respeito pelos outros, designadamente pelos mais velhos e pelas crianças, e a consideração desse apoio deve fazer sempre parte de um programa cívico difundido pelos media e ensinado, desde os primeiros passos, nas escolas.

Num país normal, não deve encarar-se a velhice como «a peste grisalha», que nada mais merece de bom do que uma morte digna.

Num país normal, deve cultivar-se, igualmente, um discurso de paz e nunca de guerra, promovendo-se, assim, os princípios e valores constitucionais que se lhes referem. 

Num país normal, deve, ainda, projetar-se um urbanismo racional e salutar, contrariando o uso e abuso dos solos públicos ou privados para manobras e operações especulativas.

Num país normal, deve, assim, impedir-se a concretização de urbanizações caóticas que, enriquecendo alguns, empobrecem a qualidade de vida dos cidadãos nelas residentes e que, além disso, destroem também o equilíbrio que deve existir entre a vida dos homens e a da natureza: isso só pode acontecer com uma programação e definição públicas dos espaços urbanizáveis.

Num país normal, a água e a energia devem ser considerados bens comuns e, por tal razão, a sua gestão deve ter como único objeto e preocupação satisfazer, de modo racional, a melhoria da vida de todos e a da natureza em que são captados ou produzidos tais recursos essenciais.

Num país normal, a fiscalidade deve ser justa, e por isso progressiva, e não deve admitir-se bónus fiscais especiais, e discretamente negociados, sem o conhecimento e a apreciação crítica dos órgãos do poder político e dos cidadãos que aqueles representam.

Num país normal, todos devem ter liberdade de opinião e de expressão, desde que esta sirva, necessariamente, para exprimir a liberdade da primeira e não para defender ideias que a agridem ou a queiram condicionar, por exemplo: ideias de ódio, racismo, supremacismo e de defesa de um injustificado tratamento desigual entre os cidadãos.

Num país normal, este conjunto de ideias, aspirações e direitos não devem, nem costumam já ser encaradas como revolucionárias, elas só nisso se podem tornar se enfrentarem a força dos que, mais ou menos declaradamente, a elas se opõem para preservar privilégios anacrónicos e injustos.

Num país normal, este texto nem deveria ter sentido.