Aquela imagem é uma disquete


Hoje o computador é visto maioritariamente como uma ferramenta de entretenimento para consumo de conteúdos.


Por Leonardo Azevedo

Ser professor numa instituição de ensino superior é exigente. A nossa atividade profissional requer uma desmultiplicação em várias dimensões, planeamento e alguma criatividade para cumprir simultaneamente aquilo que são os nossos objetivos e os desejos das nossas alunas, alunos e investigadores. Objetivos de dimensões e complexidade variáveis e nem todas necessariamente complementares. 

Quando há sensivelmente dez anos iniciei a minha carreira como docente acreditava que o passar dos anos facilitaria todo o processo associado à preparação e lecionação de aulas. A verdade é que de ano para ano este processo tem-se tornado cada vez mais complexo, com novos desafios e com a necessidade de adaptação das metodologias de ensino para que estas melhor se ajustem aos estudantes que recebemos a cada novo ano letivo. 

Este texto não é sobre diferenças especulativas entre a qualidade ou a preparação dos novos estudantes, ou das gerações mais novas, à entrada no ensino superior ou sobre o impacto dos dois anos de pandemia nos estudantes que estão agora em fases iniciais do seu percurso académico universitário. É uma opinião, construída exclusivamente com dados empíricos provenientes da minha experiência, que é pessoal e previsivelmente enviesada. É sobre a forma como o aumento da distância geracional entre mim, o docente, e os estudantes, e a forma como estes se relacionam com as ferramentas computacionais que temos hoje à nossa disposição influenciam os processos de ensino e aprendizagem e criam simultaneamente barreiras e oportunidades. 

Nas disciplinas que leciono, e que estão essencialmente relacionadas com geofísica, ou o estudo e a modelação computacional do interior da Terra de forma indireta com recursos a métodos físicos, tento introduzir os novos conceitos com recurso a analogias a temas da atualidade ou acontecimentos daquilo que são para mim o nosso património cultural, social e científico. Acontece que não tendo familiares diretos, ou filhos de amigos, com idades semelhantes aos estudantes de licenciatura é para mim cada vez mais difícil perceber por onde começar ou o que é hoje esse património. É o conhecido exemplo de poucos serem os estudantes mais jovens que reconhecem o icon para guardar um ficheiro como sendo uma disquete. Este distanciamento, que é real, obriga a uma preparação das aulas de modo diferente. Não são só os conteúdos científicos que necessitam de revisão para que o processo de ensino e de aprendizagem aconteça de forma eficaz. Também o canal de comunicação com os estudantes necessita de trabalho. Muitas vezes obtenho as referências necessárias a partir da observação e da partilha com estudantes mais próximos de Doutoramento e/ou bolseiros, permitindo quebrar barreiras na orientação dos alunos mais velhos ao mesmo tempo que me aproximo de uma cultura que me é difícil acompanhar. 

Se, enquanto jovem, o meu fascínio por computadores estava essencialmente relacionado com o modo como as máquinas eram construídas, e como estas se podiam programar para que efetuassem uma determinada operação, hoje o computador é visto maioritariamente como uma ferramenta de entretenimento para consumo de conteúdos. É um modo diferente de percecionar a máquina, mas que permite explorar a tecnologia de forma alternativa durante as aulas. A capacidade de computação disponível possibilita a solução de problemas reais em engenharia, e geociências, promovendo a interação e a cooperação entre os estudantes de forma a atingirem um objetivo comum, utilizando por exemplo técnicas de gamificação (traduzido livremente do inglês gamification). Este tipo de abordagem admite o aumento do grau de dificuldade a cada novo problema, ou nível, aproximando cada vez mais a solução dos novos problemas da linguagem máquina nativa. 

Este texto foi construído à boleia do espetáculo ‘C., Celeste e a Primeira Virtude’ de Beatriz Batarda que esteve em cena há uns meses no Teatro S. Luiz em Lisboa (1). Uma peça que levanta questões semelhantes num outro contexto de ensino. A criação de um espaço comum para a transferência de conhecimento, não sendo fácil, é essencial para o sucesso do processo de ensino e aprendizagem. 

 1 https://www.teatrosaoluiz.pt/espetaculo/c-celeste-e-a-primeira-virtude/

Professor do Instituto Superior Técnico

Aquela imagem é uma disquete


Hoje o computador é visto maioritariamente como uma ferramenta de entretenimento para consumo de conteúdos.


Por Leonardo Azevedo

Ser professor numa instituição de ensino superior é exigente. A nossa atividade profissional requer uma desmultiplicação em várias dimensões, planeamento e alguma criatividade para cumprir simultaneamente aquilo que são os nossos objetivos e os desejos das nossas alunas, alunos e investigadores. Objetivos de dimensões e complexidade variáveis e nem todas necessariamente complementares. 

Quando há sensivelmente dez anos iniciei a minha carreira como docente acreditava que o passar dos anos facilitaria todo o processo associado à preparação e lecionação de aulas. A verdade é que de ano para ano este processo tem-se tornado cada vez mais complexo, com novos desafios e com a necessidade de adaptação das metodologias de ensino para que estas melhor se ajustem aos estudantes que recebemos a cada novo ano letivo. 

Este texto não é sobre diferenças especulativas entre a qualidade ou a preparação dos novos estudantes, ou das gerações mais novas, à entrada no ensino superior ou sobre o impacto dos dois anos de pandemia nos estudantes que estão agora em fases iniciais do seu percurso académico universitário. É uma opinião, construída exclusivamente com dados empíricos provenientes da minha experiência, que é pessoal e previsivelmente enviesada. É sobre a forma como o aumento da distância geracional entre mim, o docente, e os estudantes, e a forma como estes se relacionam com as ferramentas computacionais que temos hoje à nossa disposição influenciam os processos de ensino e aprendizagem e criam simultaneamente barreiras e oportunidades. 

Nas disciplinas que leciono, e que estão essencialmente relacionadas com geofísica, ou o estudo e a modelação computacional do interior da Terra de forma indireta com recursos a métodos físicos, tento introduzir os novos conceitos com recurso a analogias a temas da atualidade ou acontecimentos daquilo que são para mim o nosso património cultural, social e científico. Acontece que não tendo familiares diretos, ou filhos de amigos, com idades semelhantes aos estudantes de licenciatura é para mim cada vez mais difícil perceber por onde começar ou o que é hoje esse património. É o conhecido exemplo de poucos serem os estudantes mais jovens que reconhecem o icon para guardar um ficheiro como sendo uma disquete. Este distanciamento, que é real, obriga a uma preparação das aulas de modo diferente. Não são só os conteúdos científicos que necessitam de revisão para que o processo de ensino e de aprendizagem aconteça de forma eficaz. Também o canal de comunicação com os estudantes necessita de trabalho. Muitas vezes obtenho as referências necessárias a partir da observação e da partilha com estudantes mais próximos de Doutoramento e/ou bolseiros, permitindo quebrar barreiras na orientação dos alunos mais velhos ao mesmo tempo que me aproximo de uma cultura que me é difícil acompanhar. 

Se, enquanto jovem, o meu fascínio por computadores estava essencialmente relacionado com o modo como as máquinas eram construídas, e como estas se podiam programar para que efetuassem uma determinada operação, hoje o computador é visto maioritariamente como uma ferramenta de entretenimento para consumo de conteúdos. É um modo diferente de percecionar a máquina, mas que permite explorar a tecnologia de forma alternativa durante as aulas. A capacidade de computação disponível possibilita a solução de problemas reais em engenharia, e geociências, promovendo a interação e a cooperação entre os estudantes de forma a atingirem um objetivo comum, utilizando por exemplo técnicas de gamificação (traduzido livremente do inglês gamification). Este tipo de abordagem admite o aumento do grau de dificuldade a cada novo problema, ou nível, aproximando cada vez mais a solução dos novos problemas da linguagem máquina nativa. 

Este texto foi construído à boleia do espetáculo ‘C., Celeste e a Primeira Virtude’ de Beatriz Batarda que esteve em cena há uns meses no Teatro S. Luiz em Lisboa (1). Uma peça que levanta questões semelhantes num outro contexto de ensino. A criação de um espaço comum para a transferência de conhecimento, não sendo fácil, é essencial para o sucesso do processo de ensino e aprendizagem. 

 1 https://www.teatrosaoluiz.pt/espetaculo/c-celeste-e-a-primeira-virtude/

Professor do Instituto Superior Técnico