Há um Super Baile no Musicbox que não podemos perder

Há um Super Baile no Musicbox que não podemos perder


A LUZ foi assistir a um ensaio do novo supergrupo residente do Musicbox. Os Super Baile querem trazer sonoridades mais contemporâneas para este estilo musical popular. A estreia está agendada para 12 de maio.


Com o calor do verão a aproximar-se, parece que já conseguimos ouvir as primeiras melodias dos bailes de verão que vão animar as várias regiões de Portugal. Em Lisboa, isto é sinónimo das festas dos santos populares, com o cheiro a sardinhas assadas a invadir zonas como Alfama ou a Graça. Mas, agora, também a Rua Cor de Rosa se irá intrometer nesta tradição, com o Musicbox a promover os seus próprios bailes… aliás, os seus Super Bailes.

Super Baile é um novo projeto musical, uma superbanda formada por Lila Fadista (Fado Bicha) e João Sala (Ganso, Zarco) nas vozes, e Raquel Pimpão (Fumo Ninja, Femme Falafel), Edvânio Vunge (Força Suprema, Nayr Faquirá) e Gui Tomé Ribeiro (Salto, GPU Panic) nos teclados. A estreia está marcada para o dia 12 de maio na sala lisboeta, que promoveu a formação do grupo, e que irá receber mais quatro das suas atuações.

A LUZ esteve a assistir ao ensaio dos Super Baile para perceber como será a música criada por estes artistas e falou com o grupo sobre vários temas, desde a sua relação com a cultura de música de baile até às preocupações em atualizar um estilo musical que muitas vezes é acusado de ser homofóbico ou machista.

De onde surgiu a ideia para formar este novo projeto, Super Baile?

Gui Tomé Ribeiro: Na verdade, isto foi um convite do Musicbox. Eles é que montaram este conjunto musical e propuseram a ideia de fazermos uma reinterpretação e um revivalismo da música de baile.

Como chegou o convite a cada membro da banda?

João Sala: Foi tudo via email (risos).

GTR: Partiu tudo do Pedro Azevedo e da Inês Henriques, os programadores do Musicbox. Eles tiveram esta ideia de criar uma banda e escolheram-nos. Nós não escolhemos nada, nós só aceitámos a ideia (risos).

JS: E aceitámos logo todos, pelo menos quando recebi o convite eram estes os nomes que surgiam no comunicado.

Vocês têm backgrounds bastante diferentes. Tem sido fácil conciliar essas diferenças e desenvolver a química dentro do grupo?

JS: Como já havia uma ideia bem definida para criar este ‘super baile’ e levar para a frente este revivalismo foi mais simples. Apesar de cada um ter a sua interpretação daquilo que é a música de baile foi fácil depois chegarmos todos a um consenso. Outra coisa que ajudou imenso foi também já ter sido predefinida a instrumentação da banda, que são três teclados e uma drum machine. Isso acabou por influenciar todo o som deste grupo, mas também ajudou a guiar-nos naquilo que pretendíamos fazer.

Lila Fadista: Em relação a este grupo, sempre existiu uma espécie de guião bem estabelecido à partida, com várias referências a música de baile. O Pedro fez logo uma lista de várias canções de forma a percebermos qual era a ideia que ele tinha na cabeça em relação ao que era para ele este estilo musical. Não é, por exemplo, fazermos música pimba. É uma ideia de música de baile bastante abrangente, que engloba, nomeadamente, músicas de outros países e outras línguas. Não é só música portuguesa ou música em português. Ele tinha esta ideia do que, para ele, significava ‘baile’, por isso, juntámo-nos para dar também as nossas influências.

Que ideias trouxeram para este projeto?

LF: Eu trouxe uma série de músicas, o João trouxe outras, assim como o Edvânio. Temos todas experiências e visões diferentes daquilo que é a música de baile. A parte mais interessante foi fazer isto tudo funcionar em conjunto. O Gui, o Edvânio e a Raquel são os teclistas, são eles que têm a responsabilidade de coser todas as melodias e construí-las de forma que soem bem e façam sentido para este nosso objetivo, que é levar o baile à cultura clubbing.

Como foi conciliar as vossas diferenças enquanto artistas?

LF: Foi engraçado, no início dividimos as primeiras canções que tínhamos de uma forma que seria expectável. Por exemplo, havia uma música da Amália que era suposto ser eu a cantar, mas, a certa altura, achámos que podia ser mais engraçado trocar as voltas e misturar tudo. Por isso, trocámos músicas, também para podermos fazer coisas diferentes, que é bom para nós e acaba por ser bom também para o projeto.

Há pouco falavam de algumas músicas e referências que foram sugeridas como esqueleto deste projeto. Podem falar um pouco sobre elas?

GTR: Existem algumas músicas romenas, como a Polina, que vão estar na setlist.

LF: Mas havia mais estilos, como rumbas, algumas músicas de baile eletrónico, música cigana…

GTR: Havia uma grande miscelânea de música portuguesa e referências de outros países. Nós pegámos em todas estas canções e tentámos criar um reportório que deixasse cada um à vontade para cantar, especialmente a Lila e o João. Fomos um bocado atrás e montámos vários instrumentais. O ponto de partida era este, música de baile, mas sem fronteiras, existindo influências de música romena, portuguesa e italiana…

Estou a perceber que existe aqui um espólio mesmo muito grande de influências, mas em relação aos projetos com que costumam trabalhar mais regularmente, o que trouxeram dos vossos grupos para o Super Baile?

JS: Pouco ou nada (risos).

GTR: Na verdade o que trouxe foram os instrumentos (risos), de resto é muito diferente.

Edvânio Vunge: É um contexto muito diferente daquilo que estamos habituados a fazer, mas essa e também a piada, porque estamos a descobrir coisas novas. 

Foi um exercício de deixar o ego em casa e chegar à sala de ensaio como uma tela branca?

GTR: Completamente, foi essa a abordagem que adotámos.

Raquel Pimpão: Este projeto também nos permitiu explorar outras abordagens e expandirmos o nosso vocabulário musical. Por exemplo, eu consegui utilizar muitos sons do meu teclado que, normalmente, nas minhas outras bandas, não teriam lugar, mas aqui sou encorajada a usar.

GTR: Diria que vale tudo desde que encaixe no tema.

Os Super Baile chegam numa altura em que vários projetos de música de baile e dançável estão a ter muito sucesso em Portugal. Porque é que este estilo musical está tão em voga em Portugal?

LF: Acho que isto segue uma tendência, que já existe em Portugal desde a última década, que é a valorização da música escrita em português, mas também do facto de uma série de tradições do nosso país terem vindo a ser mescladas com outras sonoridades. Isto é algo que se ouve com o fado, mas também com outros estilos, como é o caso da música de baile. É uma grande mudança porque, de repente, olhamos e vemos que existe uma tradição musical que nós, de certa forma, historicamente, menosprezámos, que são estas músicas que ouvimos tradicionalmente nos bailaricos da aldeia, que não era considerada, coletivamente, como uma música de qualidade ou que tinha um potencial criativo interessante. Agora começamos a achar que sim. Começamos a descobrir maneiras de a apropriar de outra forma e misturá-la com outras influências e percebemos que isso funciona. Isto tem um ar identitário muito importante e também funciona do ponto de vista musical e cénico. Tem sido uma experiência fixe e divertida.

JS: Já passou tempo suficiente para isto ser considerado fixe. Hoje, estava a mostrar esta música ao meu pai e ele disse-me muito confuso e admirado: ‘Mas isto é pimba?’ (risos). Se calhar é isso, a geração dos nossos pais ainda tem essa visão e perspetiva, enquanto nós já estamos distantes o suficiente para achar isto mais interessante. Se calhar se tivéssemos nascido nos anos 1960 também não íamos achar tão fixe e íamos querer ouvir outras coisas. Acho que existe também uma valorização que só é possível com o envelhecimento deste estilo de arte.

Mas não sei se, por exemplo, há dez anos, este projeto tinha sido tão aceite, por exemplo, pela comunidade mais alternativa. Isto é algo que está muito mais enraizado na cultura hipster.

GTR: Sim, é verdade. É por ter acontecido esta valorização. As pessoas começam a reconhecer um passado histórico, mesmo não sendo assim tão distante, que está a ser validado apesar de não depender de nenhum fenómeno internacional. Normalmente, existe este fator, estarmos a ser uma réplica de coisas que acontecem lá fora. Como acontecem lá fora já é visto como música de qualidade. Isto é o contrário: é um fenómeno que está apenas a ser validado cá. No fundo, somos nós a validar a nossa cultura, assim como a de outros países, e a dizer que ela é boa para dançar, cantar e para ouvir num concerto, não tendo de ser guardada só para ouvir nas festas de verão das nossas terrinhas.

EV: E para ser validada fora e nos outros países é algo que tem de partir sempre do seu próprio país. Se as pessoas que fazem este estilo de música não a valorizam, vão perder o gosto em criá-la e não a vão fazer com amor.

LF: Isto segue também uma dinâmica internacional, pelo menos no mundo ocidental, de valorização de uma série de músicas locais que, de repente, ganham todo um novo estatuto. E claro, cuja estética está a ser mais valorizada, como é o caso do reggaeton.

Isso é algo que está a acontecer muito em Espanha, com artistas como a Rosalía ou o C. Tangana.

JS: Agora, em Espanha, só se ouve reggaeton. Qualquer sítio em Barcelona só passa esse estilo.

GTR: Na América Latina é igual. Apesar de achar que é espalhada de uma forma um bocado microscópica. Mesmo sendo um fenómeno grande, é disseminada em culturas muito específicas. É algo que é por modas, pode colar num país, as pessoas gostam e começa a ser exportado para outro lado e também faz sucesso. Sinto que são fenómenos que não têm grande explicação, é uma conjugação de fatores que engloba também a valorização da própria cultura. 

Qual é a vossa relação pessoal com os bailes? Costumavam ir a bailes quando eram mais novos?

RP: Sim, mas sinto que não dei o devido valor porque não gostava nada (risos). Gostava de poder voltar atrás porque tenho a certeza que me ia divertir imenso.

JS: Agora, vais ter de ser tu a tocar nos bailes e a divertir as pessoas.

GTR: Lembro-me dos Santos Populares no Porto, que é a minha terra natal. Festas como o São João, que funcionavam muito na ordem de nos deslocarmos de um lado para o outro para conseguir ver todos os concertos de cada freguesia. Existia quase uma batalha para ver quem é que fazia o melhor concerto. Era divertido porque misturava muita música popular portuguesa e brasileira. Tenho muitas boas memórias destes tempos. 

LF: E em Angola, Edvânio? Como era esta realidade?

EV: Também existe, mas num contexto muito diferente. Normalmente, é em focos mais pequenos, como em discotecas ou bares, e acontecem com mais regularidade. Mais parecido com as festas que estão a descrever, diria que é o Carnaval, que é um foco anual de baile e dança.

GTR: E se quisesses ir ouvir música de baile? Para onde é que ias?

EV: Isso existe em todo o lado (risos).

Algumas músicas de festas populares ou pimba têm conotações homofóbicas ou machistas. No ano passado houve uma polémica com o cantor Marco Morgado, durante os Santos em Lisboa, porque cantou uma canção considerada homofóbica. Existiu uma preocupação em desmontar este estereótipo?

RP: Cada um pensou individualmente nos assuntos que queria trazer para o projeto e esse assunto não foi levantado, mas estava um bocado implícito que não seria algo que queríamos incluir no nosso reportório.

GTR: Existe uma sensibilidade comum.

JS: As ideias que demos são coisas que achamos que não vão chatear ninguém e que são coerentes com aquilo que defendemos.

GTR: Existe uma atenção à evolução da música, como esta é comunicada para as outras pessoas e de que forma é que pode envolver e incluir diferentes pessoas e as suas diferentes características, não procurando não usar nunca a música como uma arma contra ninguém, até pelas suas próprias características. Sim, algumas músicas pimba podem ter uma conotação machista, com um grande espólio de letras que apontam para esse sentido, mas não incluímos nenhuma nas canções que estamos a trabalhar.

LF: Mas também não temos nenhuma música pimba.

JS: No máximo, o único registo que foge mais das canções de baile é quando eu canto uma música da Amália.

JS: Se calhar a música mais pimba que temos foi uma marcha que criámos. O meu pai ouviu e identificou logo esse som. 

LF: A música pimba tem sempre essa conotação sexual, é a essência do pimba.

RP: Até está na própria palavra (risos).

GTR: Não falando do nome de artistas porque pode criar alguma confusão, mas, por exemplo, algumas artistas de música pimba têm uma vertente mais romântica.

JS: Mas também tens o caso de cantoras como a Rosinha, que joga muito com o trocadilho sexual.

GTR: O pimba acabou por se transformar um bocado na nossa música tradicional de baile. Ela foge da música tradicional, como os viras, que também era música de dança, mas é a sua modernização. Foram buscar elementos do passado e transformaram-na, especialmente graças à piada fácil, em algo mais elétrico e quadrado. Mas sim, diria que muitas das músicas desse estilo vivem de trocadilhos, como é o caso do Quim Barreiros.

LF: Apesar de nem ser sempre muito explícito. Por exemplo: ‘Eles olham para a direita e pisca, pisca’. Não tem nada de sexual, é mais maroto. 

JS: Mas já ouviram uma das últimas músicas do Quim Barreiros, ‘A Vida de Pároco’? O refrão é: ‘Eu vou para pároco dela’ (risos).

Esse trocadilho é bem literal.

JS: A música fala sobre um jovem que quer ser padre e tem uma letra longa a explicar o seu percurso, mas no final tem este trocadilho genial.

LF: É uma letra tensa tendo em conta o contexto atual (risos).

JS: E a música saiu mais ou menos nessa altura, não é uma coincidência, ele sabe o que está a fazer! Mas, voltando à tua pergunta, não temos nenhuma música pimba, nem muito sexual.

GTR: Sempre mais numa onda romântica.

LF: Infelizmente, agora que penso nisso…

GTR: Estamos a falhar (risos).
Para além dos concertos que vão dar no Musicbox, vai haver mais paragens para os Super Baile?

RP: Para já, ainda não temos mais nada marcado. 

GTR: Por enquanto, a ideia também é fazer estes concertos no Musicbox e perceber como é que correm.

JS: Ainda para mais, nós somos a banda residente desta sala.

GTR: É um bocado isso, porque as bandas de baile também estão sempre residentes num espaço, como é algo que vemos nos Santos, onde costumamos ver grupos ou artistas sempre a tocar no mesmo palco. Por isso, para já, somos a banda residente do Musicbox.

Mas não tem vontade de ir a outras paragens? Um local que me lembrei logo foi o Paredes de Coura porque no ano passado recebeu José Pinhal Post Mortem Experience com grande euforia. 

GTR: Ainda não pensámos muito nisso, na verdade pensámos em fazer uma grande festa nesta sala e fazer um belo baile, sabendo também que vai ser um trabalho em construção. Obviamente, o primeiro concerto vai ser uma coisa, mas vai haver mudanças para o segundo e, provavelmente, a última data que formos fazer vai ser uma compilação dos melhores momentos que tivémos. 

JS: Já com músicas com trocadilhos sexuais e com o Quim Barreiros como convidado (risos).