As ondas de choque da comissão parlamentar de inquérito à tutela política da gestão da TAP têm abalado o Governo e a maioria absoluta socialista. Mas há um outro protagonista óbvio, cujas intenções políticas futuras saem comprometidas desta polémica. Depois de mais revelações nas primeiras audições destas últimas semanas, há quem já considere que as expectativas de Pedro Nuno Santos vir a concorrer à liderança do PS foram altamente prejudicadas.
O estilo de relacionamento entre o Ministério das Infraestruturas e a TAP, nomeadamente durante o processo de demissão de Alexandra Reis e o email do ex-secretário de Estado Hugo Mendes à CEO da TAP, por uma questão de conveniência política para agradar ao Presidente da República, voltaram a colocar o ex-ministro no centro do furacão. Nisto, o primeiro-ministro sentiu a necessidade de vir a público, antes de partir para uma visita à Coreia do Sul, para se distanciar desta forma de relacionamento entre o Governo com as empresas públicas, que classificou de «inadmissível».
Quando quebrou o silêncio, António Costa referiu que desconhecia o email de Hugo Mendes e deixou claro que, se tivesse conhecido, «teria obrigado o ministro [das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos] a demiti-lo, na hora», garantindo que a atuação do antigo secretário de Estado não corresponde «de forma alguma» ao padrão de relacionamento do seu Executivo com as empresas públicas.
A tentativa de demarcação de Costa em relação a Pedro Nuno não passou despercebida entre socialistas e é entendida como uma forma de salvaguardar não só o Governo, como também o partido e todos os outros nomes que se perfilam para o futuro do PS, nomeadamente Fernando Medina, que o primeiro-ministro fez questão de apontar como exemplo, elogiando «o relacionamento estratégico» do ministro das Finanças com outras empresas públicas.
Na opinião pública, já se aponta o antigo ministro das Infraestruturas como o «grande culpado» quando o assunto é a TAP, como acusou Luís Marques Mendes no seu espaço de comentário dominical na SIC.
No final de janeiro, o comentador e antigo líder social-democrata já tinha atestado em declarações ao Nascer do SOL que Pedro Nuno Santos tinha a sua credibilidade «minada». Agora, diz mesmo ter sérias dúvidas de que o ex-governante, que foi rosto da nacionalização da TAP, alguma vez consiga ser primeiro-ministro, mesmo que venha a ser eleito líder do PS.
As críticas à atuação do antecessor de João Galamba no dossiê da TAP também se fazem ouvir entre socialistas: «Comportou-se como uma espécie de líder sombra do PS. Agia como se estivesse ungido por uma legitimidade própria que advinha de ter uma ruidosa claque de apoio dentro do PS», resume Daniel Adrião.
Em declarações ao Nascer do SOL, o dirigente socialista, que é rosto de uma corrente interna de oposição à atual direção do PS (Ver págs. 10-13), considera que o comportamento de Pedro Nuno Santos em várias ocasiões revelou «um excesso de confiança, uma autoconfiança muitíssimo grande». «Aliás, aquele episódio do despacho do novo aeroporto é revelador de que ele achava que tinha legitimidade própria para além do próprio primeiro-ministro», recorda.
Daniel Adrião acredita que o ex-governante sai «muito prejudicado» deste episódio. Sobre as ambições políticas de Pedro Nuno Santos não hesita: «A análise é sempre dos militantes do PS, que são pessoas conscientes que conseguem analisar o que se tem passado. Eu confio na avaliação e no juízo dos militantes do PS».
O líder da minoria interna do PS não esconde as suas reservas relativamente a Pedro Nuno Santos, a quem não reconhece o perfil para para ser líder do partido. «Não é pessoa que tenha o perfil para de facto desempenhar essas funções. Há muita gente no PS com competência, com qualificações, para poder aspirar à liderança do partido. Há muitos nomes dos quais nem sequer se fala», defende, alegando que se o partido realizasse primárias abertas «outros candidatos que não estes de que agora se falam que haviam de surgir».
«O processo tem é de ser transparente, aberto, por isso, é que defendo primárias abertas. Essa decisão não deve ser só tomada pelos militantes do PS, é uma decisão que tem de ser aberta à cidadania e aos eleitores do PS, tal como aconteceu em setembro de 2014 na disputa entre António José Seguro e António Costa. O PS só ganha em abrir essa decisão à sua base social de apoio», argumenta Daniel Adrião.
Opinião diferente tem António Galamba, que não deposita tanta confiança nos militantes do PS: «É sabido que as cartas da sucessão no PS estão muito marcadas e essa marcação de cartas é, de algum modo, em muitas matérias insensível às circunstâncias. Quaisquer que sejam as circunstâncias, Pedro Nuno Santos tem cartas que já estão marcadas e, portanto, tem um posicionamento interno que lhe dá muita vantagem», reconhece, em declarações ao Nascer do SOL.
Para o antigo dirigente socialista, no atual quadro e perfil da militância do PS, a polémica em torno da companhia aérea «não afetará muito as aspirações de Pedro Nuno Santos a secretário-geral do partido». Embora conceba que há outro fator que pode deitar por terra as ambições políticas futuras do ex-ministro.
«O PS e a militância do partido transformou-se substancialmente, afastando-se da ideologia e tendo uma posição mais pragmática. Nessa perspetiva, tudo o que possa colocar em causa o poder, pode perturbar as cartas que já estão marcadas», imagina.
Contudo, o ex-braço direito de Seguro não esquece também que nestas contas da sucessão «há gerações que têm compromissos sucessivos entre elas e, portanto, há um peso muito grande em termos da militância». «Agora, se isso conjugado com estes casos todos é suficiente para inverter o peso que Pedro Nuno Santos tem internamente é uma questão que terá de se avaliar no futuro».
Também o deputado socialista Sérgio Sousa Pinto relembrou, em declarações à Rádio Observador, que o ex-ministro das Infraestruturas tem um «grande crédito junto dos militantes do PS» e que, ainda que este episódio o «fragilize enormemente» e saia «muito desgastado», há a «capacidade de figuras políticas ressuscitarem e renascerem como fénix».
António Galamba levanta ainda outra dúvida: «A grande questão é mesmo saber se Pedro Nuno chega a líder com o PS na oposição ou a um PS que está no poder ou na órbita do poder».
Nesta equação sinaliza que tem havido um «esforço coletivo» da direção socialista, imputando responsabilidades também a Pedro Nuno Santos, para que o PS no próximo ciclo político esteja na oposição.
«Ele tem a ambição de ser primeiro-ministro, não esconde isso de ninguém e posicionou as cartas. Agora, as circunstâncias podem mudar e em vez de ser líder do PSno Governo, pode ser líder do PS na oposição», acrescenta.
Tal como refere Daniel Adrião em entrevista a este jornal, também António Galamba lamenta que o Governo se tenha tornado palco das tensões internas do PS, criticando a «falta de ética, falta de responsabilidade, falta de sentido de Estado e falta de visão para o país» do Executivo de António Costa.
«A sobrevivência política é o bem máximo pelo qual estão na política. É triste que por questões de habilidade política e questões internas tenham transformado a agenda do país e a agenda da governação numa soma de agendas pessoais que têm muitas vezes a ver com a perspetiva da sucessão. Acabam a contribuir não só para degradar a democracia, mas também para abrir caminho aos populismos e aos fenómenos da direita, como é o caso do Chega», condena .
Entre pedro nunistas já se anseia pelo momento em que o ex-ministro quebre o silêncio. Mas Pedro Nuno Santos só deverá regressar à esfera política quando chegar o momento de ser ouvido na comissão parlamentar de inquérito à TAP, antes de ocupar o espaço de comentário televisivo na SIC Notícias e um assento na bancada do PS no Parlamento em setembro.