A incompetência leva ao abismo


A situação em que estamos é tão grave que até Cavaco prefere estar calado, logo ele que nunca se eximiu de falar.


Nota prévia: Quem tem o mínimo de discernimento percebe que Portugal não vai por bom caminho. Cavaco Silva questionou há dias as opções de investimento do PRR, afirmando que têm baixa rentabilidade social e que. tratando-se de muitos milhões, fazem falta noutros domínios para minorar o sofrimento de muitos portugueses. E a isto acrescentou que a situação é muito perigosa e não quer deitar achas para a fogueira, pelo que não diz mais nada (supõe-se que por agora). Está feito um alerta grave. Mais do que os casos pitorescos que animam as redações com ministros/as incompetentes há as questões substanciais que demonstram estarmos a desperdiçar mais uma oportunidade única como o PRR. A incompetência e a desorganização trazem-nos regularmente para a beira do precipício. É nesse ponto que estamos. O Presidente Marcelo disse há dias que “às vezes há um vórtice para o abismo, uma coisa, um apelo da corrida para o abismo que não faz sentido”. Será que ainda se pode corrigir a trajetória?

1. Um ano depois da retumbante vitória de António Costa, só ele próprio e André Ventura se mantêm à frente dos seus partidos. Os abalos políticos sucederam-se. Atingiram primeiro o CDS e o PSD, depois os comunistas e agora os bloquistas. O caso dos liberais é diferente. Foram percecionados como vencedores, mas surgiram clivagens e dores de crescimento que levaram a mais uma mudança de líder. António Costa é um exterminador político, sem utilidade nacional. Criou tantas entropias que a sua conquista não o serve a ele nem ao país, que está a naufragar à deriva. Homem inteligente e hábil, ele é o primeiro a saber isso tudo. Mas já não tem ponto de recuo, nem emenda, nem alternativa imediata. 

2. No capítulo da Habitação, a semana passada foi gloriosamente catastrófica. Nem vale a pena perder tempo a analisar os planos que o governo pôs à discussão pública. Tudo aquilo é confusão, burocracia e sobretudo propaganda demagógica. Um Estado que tem 152 empresas públicas, que não consegue decidir a localização de um aeroporto internacional, pretende agora gerir a habitação, violando até o direito de propriedade, quando não consegue sequer saber quantas casas tem, nem mantê-las em condições. Num país onde não se acede sem marcação a uma repartição de finanças, querem fazer-nos crer que o Estado vai tratar do problema. As patranhas vieram da boca do primeiro-ministro, criatura que extinguiu a EPUL, a única entidade que construía para a classe média em Lisboa. Na capital, como no Porto, só há habitação para dois tipos de pessoas: os ricos e os pobres. Os outros vão para uma periferia normalmente feia e sem transportes dignos. Em sete anos, Costa não fez nada e nos quatro que falta nada vai fazer, a não ser proclamações impraticáveis. Produziu teoria, promessas, planos que não deram em nada. Agora ataca as casas de cada um, através de uma ministra incipiente que tutela o IHRU (Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana), o qual devia ser o eixo da política de habitação. Mas não. É antes um contributo para o caos. Tem administradores provisórios há 15 anos. Está praticamente inoperacional e sem dinheiro para as coisas mais singelas. O IHRU recebeu até competências de fiscalização do arrendamento privado. Está incumbido de intervir nas situações irregulares de que tenha conhecimento, devendo participar ilegalidades à PGR e a mais umas quantas instâncias, como câmaras e serviços de saúde. Toda essa articulação tem, porém, de ser feita no respeito das regras de proteção de dados. Cabe-lhe propor arquivamentos em casos concretos. Tudo isto inclui designadamente Lisboa. Portanto, competia-lhe a fiscalização da Mouraria, onde ocorreu um drama há dias. E assim teria sido se houvesse a necessária dotação de recursos humanos, que não existem. Pudera! O IRHU não tem sequer meios para gerir todo o seu parque de 15 mil habitações, o que dá, sensivelmente, duas mil por funcionário/fiscal. Notável! Em contrapartida, há paletes de gente (uma centena) recém-contratada para tratar do PRR. 

3. Sem surpresa, a bloquista Catarina Martins anunciou a sua não recandidatura. Horas depois, posicionou-se informalmente a mana Mariana Mortágua. Passou um ano desde a derrota humilhante do Bloco nas legislativas, fruto de ter feito cair a “geringonça” de que era parte. O bloco está hoje dividido entre uma esquerda tipo “okupas” e um estrato de gente liberal urbano/caviar. Mariana não é Catarina, mas lá diz o povo que de gato a cão poucas léguas vão. Catarina tem um discurso mais redondo e mais genérico, que não deixa de ser radical. Mariana não tem essa abrangência. Vai mais ao osso. Ataca pontos concretos, propõe e consegue medidas fiscais, aterroriza quem tem negócios, rendimentos ou ganhe relativamente bem. Ambas contribuíram na geringonça para devastar alguns setores. Destruíram, por exemplo, as PPP da Saúde e os acordos de associação escolar. Mariana é uma figura popular, mas não tem o à vontade de Catarina, que estudou para comediante. Mariana é uma peneirenta snob de extrema-esquerda. As campanhas com gente a cheirar a alho e sovaco não lhe vão ser fáceis. Ainda podem aparecer mais candidatos. Fala-se de Mário Tomé um militar ex-spinolista que virou revolucionário UDP. Mesmo assim é provável que Mariana seja a nova líder do mosaico bloquista. Já Catarina fica no parlamento e fará uma boa candidata a eurodeputada. Vai uma aposta?

4. Há mais de 20 anos que foi extinta a Silopor (Empresa de Silos Portuários), que pertence ao universo empresarial do Estado. A coisa tem-se arrastado e os administradores não se queixam. São três, têm carrinho e cartãozinho, ordenado simpático e pouco stress. Há dias houve uma greve, mas a coisa resolveu-se, antes que faltasse um abastecimento essencial ao país. Pelo que se lê no plano de atividades, não será ainda este ano nem nos próximos que a empresa vai deixar de estar na esfera pública. A tentativa de privatizar a coisa permanece encalhada. Enquanto dura, vida doçura!

5. A crueza das conclusões da comissão de inquérito independente aos abusos sexuais na Igreja portuguesa foi obviamente uma escolha dos seus membros. Questionou-se, legitimamente, se tal era necessário. Há quem veja nisso uma mão de forças anticlericais para enfraquecer a instituição. Na realidade, ao usar uma linguagem crua, procurou-se sobretudo despertar consciências, alertar a sociedade e fazer com que não seja fácil a Igreja e o Estado (com óbvias responsabilidades diretas) varrerem o problema para debaixo do tapete e deixarem tranquilos aqueles que ainda possam ser responsabilizados por atos ou omissões. O que agora se sabe não é propriamente uma novidade que muitos não tivessem já percecionado ao longo de anos de silêncio, sem escrutínio. Nunca, porém, as coisas, em Portugal, foram expostas de forma tão crua e tão brutal. A Igreja não pode limitar-se a pedir perdão. Tem de atuar para evitar repetições de dramas semelhantes e deve, por si própria, proceder às reparações morais e materiais que diminuam o sofrimento das muitas vítimas de homens do clero. E não pode aproveitar-se do tempo como forma de encobrimento, como foi fazendo até ao Papa Francisco. O nosso inenarrável ministério público, sempre lesto a chatear qualquer autarca de freguesia, mantém um silêncio sepulcral e estranhíssimo. O relatório mostra mais uma vez que Portugal é uma sociedade dissimulada, muito sombria, cheia de meandros, da política à Igreja, passando, claro, pela economia e muitas instituições supostamente humanitárias. Temos mais de sinistro e de violência dentro de nós do que de brandos costumes.

A incompetência leva ao abismo


A situação em que estamos é tão grave que até Cavaco prefere estar calado, logo ele que nunca se eximiu de falar.


Nota prévia: Quem tem o mínimo de discernimento percebe que Portugal não vai por bom caminho. Cavaco Silva questionou há dias as opções de investimento do PRR, afirmando que têm baixa rentabilidade social e que. tratando-se de muitos milhões, fazem falta noutros domínios para minorar o sofrimento de muitos portugueses. E a isto acrescentou que a situação é muito perigosa e não quer deitar achas para a fogueira, pelo que não diz mais nada (supõe-se que por agora). Está feito um alerta grave. Mais do que os casos pitorescos que animam as redações com ministros/as incompetentes há as questões substanciais que demonstram estarmos a desperdiçar mais uma oportunidade única como o PRR. A incompetência e a desorganização trazem-nos regularmente para a beira do precipício. É nesse ponto que estamos. O Presidente Marcelo disse há dias que “às vezes há um vórtice para o abismo, uma coisa, um apelo da corrida para o abismo que não faz sentido”. Será que ainda se pode corrigir a trajetória?

1. Um ano depois da retumbante vitória de António Costa, só ele próprio e André Ventura se mantêm à frente dos seus partidos. Os abalos políticos sucederam-se. Atingiram primeiro o CDS e o PSD, depois os comunistas e agora os bloquistas. O caso dos liberais é diferente. Foram percecionados como vencedores, mas surgiram clivagens e dores de crescimento que levaram a mais uma mudança de líder. António Costa é um exterminador político, sem utilidade nacional. Criou tantas entropias que a sua conquista não o serve a ele nem ao país, que está a naufragar à deriva. Homem inteligente e hábil, ele é o primeiro a saber isso tudo. Mas já não tem ponto de recuo, nem emenda, nem alternativa imediata. 

2. No capítulo da Habitação, a semana passada foi gloriosamente catastrófica. Nem vale a pena perder tempo a analisar os planos que o governo pôs à discussão pública. Tudo aquilo é confusão, burocracia e sobretudo propaganda demagógica. Um Estado que tem 152 empresas públicas, que não consegue decidir a localização de um aeroporto internacional, pretende agora gerir a habitação, violando até o direito de propriedade, quando não consegue sequer saber quantas casas tem, nem mantê-las em condições. Num país onde não se acede sem marcação a uma repartição de finanças, querem fazer-nos crer que o Estado vai tratar do problema. As patranhas vieram da boca do primeiro-ministro, criatura que extinguiu a EPUL, a única entidade que construía para a classe média em Lisboa. Na capital, como no Porto, só há habitação para dois tipos de pessoas: os ricos e os pobres. Os outros vão para uma periferia normalmente feia e sem transportes dignos. Em sete anos, Costa não fez nada e nos quatro que falta nada vai fazer, a não ser proclamações impraticáveis. Produziu teoria, promessas, planos que não deram em nada. Agora ataca as casas de cada um, através de uma ministra incipiente que tutela o IHRU (Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana), o qual devia ser o eixo da política de habitação. Mas não. É antes um contributo para o caos. Tem administradores provisórios há 15 anos. Está praticamente inoperacional e sem dinheiro para as coisas mais singelas. O IHRU recebeu até competências de fiscalização do arrendamento privado. Está incumbido de intervir nas situações irregulares de que tenha conhecimento, devendo participar ilegalidades à PGR e a mais umas quantas instâncias, como câmaras e serviços de saúde. Toda essa articulação tem, porém, de ser feita no respeito das regras de proteção de dados. Cabe-lhe propor arquivamentos em casos concretos. Tudo isto inclui designadamente Lisboa. Portanto, competia-lhe a fiscalização da Mouraria, onde ocorreu um drama há dias. E assim teria sido se houvesse a necessária dotação de recursos humanos, que não existem. Pudera! O IRHU não tem sequer meios para gerir todo o seu parque de 15 mil habitações, o que dá, sensivelmente, duas mil por funcionário/fiscal. Notável! Em contrapartida, há paletes de gente (uma centena) recém-contratada para tratar do PRR. 

3. Sem surpresa, a bloquista Catarina Martins anunciou a sua não recandidatura. Horas depois, posicionou-se informalmente a mana Mariana Mortágua. Passou um ano desde a derrota humilhante do Bloco nas legislativas, fruto de ter feito cair a “geringonça” de que era parte. O bloco está hoje dividido entre uma esquerda tipo “okupas” e um estrato de gente liberal urbano/caviar. Mariana não é Catarina, mas lá diz o povo que de gato a cão poucas léguas vão. Catarina tem um discurso mais redondo e mais genérico, que não deixa de ser radical. Mariana não tem essa abrangência. Vai mais ao osso. Ataca pontos concretos, propõe e consegue medidas fiscais, aterroriza quem tem negócios, rendimentos ou ganhe relativamente bem. Ambas contribuíram na geringonça para devastar alguns setores. Destruíram, por exemplo, as PPP da Saúde e os acordos de associação escolar. Mariana é uma figura popular, mas não tem o à vontade de Catarina, que estudou para comediante. Mariana é uma peneirenta snob de extrema-esquerda. As campanhas com gente a cheirar a alho e sovaco não lhe vão ser fáceis. Ainda podem aparecer mais candidatos. Fala-se de Mário Tomé um militar ex-spinolista que virou revolucionário UDP. Mesmo assim é provável que Mariana seja a nova líder do mosaico bloquista. Já Catarina fica no parlamento e fará uma boa candidata a eurodeputada. Vai uma aposta?

4. Há mais de 20 anos que foi extinta a Silopor (Empresa de Silos Portuários), que pertence ao universo empresarial do Estado. A coisa tem-se arrastado e os administradores não se queixam. São três, têm carrinho e cartãozinho, ordenado simpático e pouco stress. Há dias houve uma greve, mas a coisa resolveu-se, antes que faltasse um abastecimento essencial ao país. Pelo que se lê no plano de atividades, não será ainda este ano nem nos próximos que a empresa vai deixar de estar na esfera pública. A tentativa de privatizar a coisa permanece encalhada. Enquanto dura, vida doçura!

5. A crueza das conclusões da comissão de inquérito independente aos abusos sexuais na Igreja portuguesa foi obviamente uma escolha dos seus membros. Questionou-se, legitimamente, se tal era necessário. Há quem veja nisso uma mão de forças anticlericais para enfraquecer a instituição. Na realidade, ao usar uma linguagem crua, procurou-se sobretudo despertar consciências, alertar a sociedade e fazer com que não seja fácil a Igreja e o Estado (com óbvias responsabilidades diretas) varrerem o problema para debaixo do tapete e deixarem tranquilos aqueles que ainda possam ser responsabilizados por atos ou omissões. O que agora se sabe não é propriamente uma novidade que muitos não tivessem já percecionado ao longo de anos de silêncio, sem escrutínio. Nunca, porém, as coisas, em Portugal, foram expostas de forma tão crua e tão brutal. A Igreja não pode limitar-se a pedir perdão. Tem de atuar para evitar repetições de dramas semelhantes e deve, por si própria, proceder às reparações morais e materiais que diminuam o sofrimento das muitas vítimas de homens do clero. E não pode aproveitar-se do tempo como forma de encobrimento, como foi fazendo até ao Papa Francisco. O nosso inenarrável ministério público, sempre lesto a chatear qualquer autarca de freguesia, mantém um silêncio sepulcral e estranhíssimo. O relatório mostra mais uma vez que Portugal é uma sociedade dissimulada, muito sombria, cheia de meandros, da política à Igreja, passando, claro, pela economia e muitas instituições supostamente humanitárias. Temos mais de sinistro e de violência dentro de nós do que de brandos costumes.