A solidariedade é uma das palavras que mais usamos. Por exemplo, quando ouvimos falar em instituições particulares de solidariedade social, quando fazemos donativos para instituições para sermos solidários… No entanto, será que a conhecemos profundamente? Como são os dias de quem faz dela o seu modo de vida?
“A solidariedade deve ser a base do nosso espírito e da nossa vida diária, um pilar fundamental para reger a nossa vida, sem o qual nada faz sentido”, começa por dizer a ativista dos direitos humanos Francisca de Magalhães Barros, ao i, neste Dia Internacional da Solidariedade Humana que, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU) tem o propósito de celebrar a nossa unidade na diversidade; lembrar os governos de respeitarem os seus compromissos com os acordos internacionais; consciencializar a população para a importância da solidariedade; estimular o debate sobre as formas de promover a solidariedade para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, incluindo a erradicação da pobreza; incentivar novas iniciativas para a erradicação da pobreza.
“A solidariedade é identificada na Declaração do Milénio como um dos valores fundamentais das relações internacionais no século XXI, em que os que menos sofrem ou menos beneficiam merecem a ajuda dos que mais beneficiam”, lê-se no site oficial da ONU. “Consequentemente, no contexto da globalização e do desafio da crescente desigualdade, o fortalecimento da solidariedade internacional é indispensável”.
“Se não formos solidários não servimos o nosso propósito, mas esta é a minha visão de como devemos ser e para qual fomos feitos”, conta Francisca, que é igualmente cronista e pintora, lidando todos os dias com os mais variados casos: violência doméstica, abuso sexual, imigração ilegal, fome – angariou 11 mil euros para ajudar a população do Corno de África e doou mais de 5 mil refeições juntamente com o Banco Alimentar para alegrar o Natal das famílias portuguesas. Por exemplo, naquilo que diz respeito à invasão da Ucrânia pela Rússia, “Juntos pela PAZ! Conflito armado na Ucrânia!” foi o nome da angariação de fundos que a ativista iniciou, juntamente com a Amnistia Internacional, para ajudar aqueles que mais sofreram desde o dia 24 de fevereiro, tendo reunido mais de 9 mil euros.
De acordo com informação disponibilizada na plataforma gofundme, o objetivo era “providenciar apoio financeiro, através de um fundo de emergência que fornece apoio legal, suporte médico e proteção, em segurança, para todas as pessoas que estão em perigo iminente”, “divulgar relatórios e organizar campanhas de mobilização pelos direitos humanos de todas as pessoas que estão a sofrer com este conflito”, “realizar investigação no terreno, garantindo que as violações de direitos humanos que estão a ocorrer são documentadas e expostas ao mundo”, “fazer advocacy política junto da comunidade internacional, nomeadamente com os representantes dos governos, nações e organizações multilaterais para que atuem imediatamente na resolução deste conflito” e promover a “educação para os direitos humanos, contra a desinformação e o discurso de ódio”.
Solidariedade baseada em “experiências e conexões pessoais”? Harald Bauder, Professor de Geografia e Estudos Ambientais na Toronto Metropolitan University, tem como principais áreas de investigação a imigração, os estudos fronteiriços, a cidadania urbana e as cidades solidárias. Mas, afinal, em que consiste este conceito?
“Acho que não existe uma definição padrão de quem está incluído numa Cidade Solidária. Em alguns casos, pode concentrar-se em migrantes e refugiados em situações precárias. Noutras cidades, como Berlim, estão incluídos cidadãos em situações precárias de habitação e saúde”, explica, sendo que estamos a falar de “uma cidade onde ninguém é questionado sobre documentos ou status, uma cidade onde ninguém é ilegal”. “Ainda não entendemos totalmente todas as políticas e práticas de solidariedade que as cidades em todo o mundo estão a adotar. Além disso, existem vários rótulos que as cidades usam, como cidade de refúgio, cidade de boas-vindas e, nos EUA e no Canadá, cidades-santuário”, explica o docente universitário.
“Uma vez que as pessoas veem que os seus vizinhos estão a sofrer, que algumas pessoas precisam de ajuda ou têm direitos negados, a nossa investigação indica que as comunidades urbanas, muitas das vezes, se posicionam e agem em solidariedade”, continua Bauder. “Questionar se a população mundial é solidária pode ser a pergunta errada”, nota – “em vez disso, vemos que são iniciativas muito locais, muitas das vezes baseadas em experiências e conexões pessoais”.
“A minha pesquisa sugere que há uma desconexão entre as políticas nacionais para selecionar migrantes e integrar migrantes e refugiados e as comunidades locais, especialmente cidades, onde a vida acontece e a inclusão e participação de migrantes e refugiados realmente acontece. Nesse contexto, algumas cidades estão a desenvolver políticas que podem contradizer as políticas nacionais de migração e refugiados”, alerta Bauder, realçando que “existem diferenças fundamentais entre as ideias de soberania e solidariedade”.
“A soberania do Estado sugere que um Estado pode tomar decisões de forma totalmente independente e em seu próprio interesse, como se não existissem outros atores”, adiciona. “A solidariedade, por outro lado, implica sempre considerar o ponto de vista do outro e agir de forma a reconhecer as interdependências entre as pessoas e as comunidades. As cidades geralmente adotam a última abordagem”, conclui.