A crise da direita: do Brasil a Montenegro


Se a direita dita tradicional não quer olhar para Itália (ou França), ponha os olhos no Brasil. Não sobrou nem um Montenegro para amostra.


As eleições italianas voltaram a chamar a atenção para a estreita correlação entre a vitória de candidatos da extrema direita e o eclipse eleitoral da chamada direita “democrática” ou “moderada”. Com diferenças tão grandes como a distância que as separa, as vitórias de Trump, nos EUA, e de Bolsonaro, no Brasil, já tinham anunciado este fenómeno. Em vésperas de eleições no Brasil, vale a pena lembrar o que aconteceu.

Durante anos, pelo menos entre 1994 (Collor de Mello) e 2013 (Dilma Rousseff), o Brasil foi governado por uma alternância entre o PSDB e o PT à frente de uma super maioria no Congresso Nacional, ambos dependentes de um PMDB especializado em venda de apoio parlamentar.

Este modelo, a que Marcos Nobre chamou pemedebismo, criou, segundo o autor, um engarrafamento no centro político em torno da gestão do neoliberalismo. Esse modelo aprofundou-se com crise económica e, em 2014, foi personificado pela reeleição Dilma Rousseff numa candidatura conjunta com Michel Temer (PMDB), que foi eleito seu vice-presidente.

Até que, na famosa escuta “com Supremo, com tudo”, o Senador do PMDB Romero Jucá e um grande empresário brasileiro estabelecem as bases de um acordo nacional para substituir Dilma por Michel Temer e dessa forma delimitar a LavaJato “como está”.

A ideia da direita tradicional, representante da burguesia brasileira, era aproveitar a grande onda de protestos populares que ocupava as ruas desde 2013, motivada pelas políticas de austeridade e pela indignação nacional causada pela Lava Jato, derrubar o PT e regressar ao poder, como normalmente, por via da alternância nas eleições de 2018. Mas isso não foi possível.

Nem o movimento popular anti-sistema e anticorrupção, nem a pequena burguesia radicalizada, que continuaram mobilizados por plataformas reacionárias, nem a concentração das forças autoritárias do país, incluindo as saudosistas da ditadura militar, se sentiam representados nas candidaturas dos partidos tradicionais.

A própria crise moral do regime e a trituradora da Lavajato fizeram esse trabalho, deixando como possibilidade inédita um antigo militar sem méritos conhecidos mas que correspondia aos valores da época e (até então) não tinha sido manchado pelo sistema.

Em última instância, Bolsonaro acabaria por troçar dos golpistas que lhe abriram espaço, humilhando-os nas eleições de 2018. Gerardo Alkmin (PSDB) teve 4,76% e o candidato do (P)MDB 1,20%. Bolsonaro arrasou a direita golpista e provocou uma crise brutal nestes partidos, que perderam votos e base de apoio, a ponto de ter dividido o PSDB, entre bolsonaristas novos, João Dória ou Rodrigo Maia, e atuais apoiantes de Lula, como Alkmin ou FHC. 

Pouco a pouco, Bolsonaro engoliu todos aqueles que, dentro ou fora do Governo, lhe podiam fazer frente e Sérgio Moro é o melhor exemplo. De herói da redenção nacional, putativo candidato presidencial e ministro da justiça até à situação de possivel perdedor na disputa para o Senado foi um pulinho. Bastou um empurrão.

Claro que o Bolsonarismo tinha apoio no congresso mais conservador de sempre. A bancada BBB “bala, boi e bíblia” nunca fora tão grande, e essa foi a sua principal base de apoio – uma aliança entre fundamentalismo religioso, ultraliberalismo e reacionarismo social. À qual a direita tradicional cedeu.

Durante o seu governo, Bolsonaro manteve uma base hipermobilizada, radicalizada, e esforçou-se por manter posições esteticamente anti sistema, apesar de ser Presidente. Trouxe militares, criou conflitos com o Supremo Tribunal Federal, e até com o Congresso. Manteve maiorias por distribuição de um orçamento secreto, conseguiu acordos ao centro por via de reformas económicas. 

No entanto, as eleições estão aí e Lula vai à frente em todas as sondagens. Há muitas razões que explicam este avanço, desde logo a memória de um tempo de melhoria geral da qualidade de vida e a possibilidade de afastar uma personagem tenebrosa e perigosa para a democracia brasileira. 

Mas, olhando para o embate eleitoral, há outra coisa que salta à vista: a burguesia não conseguiu uma terceira via. A candidatura de Lula absorveu todos os que na direita “tradicional” e “moderada” temeram um golpe antidemocrático ou perceberam que já não tinham espaço no bolsonarismo. Todos os restantes foram engolidos por ele. 

Se a direita dita tradicional não quer olhar para Itália (ou França), ponha os olhos no Brasil. Não sobrou nem um Montenegro para amostra.

A crise da direita: do Brasil a Montenegro


Se a direita dita tradicional não quer olhar para Itália (ou França), ponha os olhos no Brasil. Não sobrou nem um Montenegro para amostra.


As eleições italianas voltaram a chamar a atenção para a estreita correlação entre a vitória de candidatos da extrema direita e o eclipse eleitoral da chamada direita “democrática” ou “moderada”. Com diferenças tão grandes como a distância que as separa, as vitórias de Trump, nos EUA, e de Bolsonaro, no Brasil, já tinham anunciado este fenómeno. Em vésperas de eleições no Brasil, vale a pena lembrar o que aconteceu.

Durante anos, pelo menos entre 1994 (Collor de Mello) e 2013 (Dilma Rousseff), o Brasil foi governado por uma alternância entre o PSDB e o PT à frente de uma super maioria no Congresso Nacional, ambos dependentes de um PMDB especializado em venda de apoio parlamentar.

Este modelo, a que Marcos Nobre chamou pemedebismo, criou, segundo o autor, um engarrafamento no centro político em torno da gestão do neoliberalismo. Esse modelo aprofundou-se com crise económica e, em 2014, foi personificado pela reeleição Dilma Rousseff numa candidatura conjunta com Michel Temer (PMDB), que foi eleito seu vice-presidente.

Até que, na famosa escuta “com Supremo, com tudo”, o Senador do PMDB Romero Jucá e um grande empresário brasileiro estabelecem as bases de um acordo nacional para substituir Dilma por Michel Temer e dessa forma delimitar a LavaJato “como está”.

A ideia da direita tradicional, representante da burguesia brasileira, era aproveitar a grande onda de protestos populares que ocupava as ruas desde 2013, motivada pelas políticas de austeridade e pela indignação nacional causada pela Lava Jato, derrubar o PT e regressar ao poder, como normalmente, por via da alternância nas eleições de 2018. Mas isso não foi possível.

Nem o movimento popular anti-sistema e anticorrupção, nem a pequena burguesia radicalizada, que continuaram mobilizados por plataformas reacionárias, nem a concentração das forças autoritárias do país, incluindo as saudosistas da ditadura militar, se sentiam representados nas candidaturas dos partidos tradicionais.

A própria crise moral do regime e a trituradora da Lavajato fizeram esse trabalho, deixando como possibilidade inédita um antigo militar sem méritos conhecidos mas que correspondia aos valores da época e (até então) não tinha sido manchado pelo sistema.

Em última instância, Bolsonaro acabaria por troçar dos golpistas que lhe abriram espaço, humilhando-os nas eleições de 2018. Gerardo Alkmin (PSDB) teve 4,76% e o candidato do (P)MDB 1,20%. Bolsonaro arrasou a direita golpista e provocou uma crise brutal nestes partidos, que perderam votos e base de apoio, a ponto de ter dividido o PSDB, entre bolsonaristas novos, João Dória ou Rodrigo Maia, e atuais apoiantes de Lula, como Alkmin ou FHC. 

Pouco a pouco, Bolsonaro engoliu todos aqueles que, dentro ou fora do Governo, lhe podiam fazer frente e Sérgio Moro é o melhor exemplo. De herói da redenção nacional, putativo candidato presidencial e ministro da justiça até à situação de possivel perdedor na disputa para o Senado foi um pulinho. Bastou um empurrão.

Claro que o Bolsonarismo tinha apoio no congresso mais conservador de sempre. A bancada BBB “bala, boi e bíblia” nunca fora tão grande, e essa foi a sua principal base de apoio – uma aliança entre fundamentalismo religioso, ultraliberalismo e reacionarismo social. À qual a direita tradicional cedeu.

Durante o seu governo, Bolsonaro manteve uma base hipermobilizada, radicalizada, e esforçou-se por manter posições esteticamente anti sistema, apesar de ser Presidente. Trouxe militares, criou conflitos com o Supremo Tribunal Federal, e até com o Congresso. Manteve maiorias por distribuição de um orçamento secreto, conseguiu acordos ao centro por via de reformas económicas. 

No entanto, as eleições estão aí e Lula vai à frente em todas as sondagens. Há muitas razões que explicam este avanço, desde logo a memória de um tempo de melhoria geral da qualidade de vida e a possibilidade de afastar uma personagem tenebrosa e perigosa para a democracia brasileira. 

Mas, olhando para o embate eleitoral, há outra coisa que salta à vista: a burguesia não conseguiu uma terceira via. A candidatura de Lula absorveu todos os que na direita “tradicional” e “moderada” temeram um golpe antidemocrático ou perceberam que já não tinham espaço no bolsonarismo. Todos os restantes foram engolidos por ele. 

Se a direita dita tradicional não quer olhar para Itália (ou França), ponha os olhos no Brasil. Não sobrou nem um Montenegro para amostra.