De terceira na linha de sucessão ao segundo reinado mais longo de sempre

De terceira na linha de sucessão ao segundo reinado mais longo de sempre


Quando nasceu, nada fazia prever que um dia se tornaria Rainha. A vida e reinado de Isabel II, de terceira na linha de sucessão ao último suspiro na sua amada propriedade na Escócia. 


A 6 de fevereiro do longínquo ano de 1952, o Rei Jorge VI não resistiu ao cancro do pulmão e morreu na Sandringham House, em Norfolk, aos 56 anos. Era o fim de um reinado inesperado, fruto da abdicação de Eduardo VIII (que renunciou à Coroa para poder casar com Wallis Simpson) e o início do mais longo reinado da monarquia britânica. Mas isso ninguém o podia supor. 

Dias antes, a 31 de janeiro, Jorge VI havia sido aconselhado pelos médicos a não ir ao aeroporto de Heathrow despedir-se da sua filha Isabel, que ia viajar para o Quénia, com o marido, Filipe, duque de Edimburgo. Depois, o jovem casal seguiria para a Austrália e a Nova Zelândia. Nas viagens anteriores, o secretário de Isabel, Martin Charteris, não esquecera por um segundo o rascunho de uma declaração de ascensão, na eventualidade de o monarca perder a vida.
Filipe e Isabel tinham passado a noite no famoso hotel Treetops, no Parque de Aberdare, no Quénia, quando o duque de Edimburgo atendeu o telefonema de Londres a informar da morte do Rei.

De regresso a Inglaterra, aos 25 anos, vestida de preto, acenou ao público enquanto regressava a Clarence House, em Londres. A 8 de fevereiro, foi proclamada Rainha. 

O primeiro-ministro Winston Churchill apontou o facto de Isabel II, aos 25 anos, ser “apenas uma criança”. Todavia, quando esta regressou a Inglaterra, foi o primeiro a notar que os reinados das rainhas haviam sido “famosos” e que “alguns dos maiores períodos da nossa História se desenrolaram sob o seu cetro”. Margaret Thatcher, que mais tarde se tornaria a primeira mulher a ser primeira-ministra, escreveu numa coluna de jornal na época: “Se, como muitos juram fervorosamente, a ascensão de Isabel II pode ajudar a eliminar os últimos resquícios de preconceito contra as mulheres em lugares de topo, então uma nova era para as mulheres estará realmente próxima”.

Somente a 2 de junho de 1953, na Abadia de Westminster, Lilibet, como sempre foi carinhosamente tratada pela família, subiu oficialmente ao trono. Nesta cerimónia, fez o juramento de garantir cumprir a lei e governar a Igreja de Inglaterra, foi ungida com óleo sagrado, vestida com o manto e insígnias e coroada rainha do Reino Unido, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, África do Sul, Paquistão e Ceilão (agora Sri Lanka).

Isabel encarregou o marido de liderar o comité de organização da sua coroação e este quis modernizar o evento, permitindo câmaras de filmar no local. Tanto Isabel II como Churchill inicialmente rejeitaram a ideia, mas o seu posicionamento modificou-se quando entenderam que o público pretendia a cobertura televisiva da cerimónia e, assim, este viria a ser o primeiro grande evento internacional a ser transmitido.

Três milhões de ingleses juntaram-se nas ruas para aplaudir enquanto a Rainha seguia para a abadia numa carruagem de ouro envergando um vestido adornado com os símbolos da Grã-Bretanha e da Commonwealth, incluindo uma rosa, um cardo, um trevo, uma folha e um feto. Ainda que os momentos mais íntimos tenham ficado longe dos olhares curiosos, sabe-se que a então jovem “foi ungida com óleo sagrado sob um dossel e, segurando um cetro e equilibrando uma coroa de ouro maciço na cabeça, assumiu o trono”, como a Time divulgou em junho de 2018, num artigo intitulado de “Isabel II não estava à espera de ser rainha. Aqui está como tudo aconteceu”.

“Deus cuidará de nós” Elizabeth Alexandra Mary nasceu em Londres a 21 de abril de 1926, filha do príncipe Alberto, duque de Iorque (que mais tarde reinaria como Jorge VI) e Elizabeth Bowes-Lyon. Poucos podiam então suspeitar que um dia se tornaria Rainha. A pequena, apelidada de Lilibeth, conseguiu aproveitar a primeira década da sua vida com todos os privilégios de ser um membro da realeza sem a pressão existente por saber que, mais cedo ou mais tarde, ascenderia ao trono.

Os pais dividiam o seu tempo entre uma casa em Londres e o Royal Lodge, a casa da família no Windsor Great Park, sendo que a menina e a sua irmã mais nova, Margaret, foram educadas em casa por tutores, tendo aprofundado os conhecimentos de francês, matemática e história, e tendo tido até aulas de dança, canto e arte.

Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial em 1939, Isabel II e a irmã passaram a ficar, maioritariamente, fora de Londres, tendo sido transferidas para o Castelo de Windsor. Foi a partir daí que a pequena Isabel realizou as primeiras e famosas transmissões de rádio, em 1940, com um discurso em particular tranquilizando as crianças da Grã-Bretanha que haviam saído das suas casas e ficado longe das famílias. A princesa de 14 anos garantiu-lhes “que no final tudo ficará bem, pois Deus cuidará de nós e dar-nos-á vitória e paz”.

Nomeada coronel-chefe dos Guardas Granadeiros pelo seu pai, teve a sua primeira aparição pública a inspecionar as tropas em 1942, com 16 anos, tendo começado a acompanhar os progenitores no decorrer das visitas oficiais dentro do Reino Unido.

Em 1945, Elizabeth ingressou no Serviço Territorial Auxiliar para ajudar na guerra: a princesa treinou lado a lado com outras mulheres britânicas para ser uma motorista e mecânica especializada e, embora o seu trabalho voluntário tenha durado apenas alguns meses, a jovem de 19 anos teve um vislumbre de um mundo diferente que não correspondia à realidade à qual estivera sempre habituada. Mais de sete décadas depois, continuaria a conduzir o seu todo o terreno Land Rover pelos caminhos de terra na sua propriedade escocesa.

Outra experiência marcante fora do seio protegido da monarquia foi quando ela e Margaret se misturaram anonimamente entre os cidadãos no Dia da Vitória, na Europa.

A vida de Isabel fica marcada por um evento decisivo: quando Joge V, avô da jovem, morreu, em 1936, o seu filho mais velho (tio de Elizabeth) tornou-se o rei Eduardo VIII. No entanto, a paixão deste por uma mulher divorciada, a americana Wallis Simpson, obrigou-o a escolher entre a coroa e o amor. Jorge abdicaria da coroa em favor do irmão e Isabel tornava-se a potencial herdeira do trono.

O seu pai foi coroado Rei em 1937, assumindo o nome de Jorge para enfatizar a continuidade do legado do pai. Já Isabel não teve sequer de escolher. Quando o marido lhe perguntou que nome adotaria, não hesitou: “O meu próprio nome, Isabel, é claro. Que outro poderia ser?”. 

Filipe e Isabel tinham-se conhecido quando ela tinha apenas oito anos e ele 13. Conta-se que, da parte dela, foi paixão à primeira vista.

Mais longo só o reinado de luís XIV Apesar da desconfiança inicial, por ser alguém tão jovem, e das adversidades que se foram colocando, inclusive no casamento, o reinado de Isabel II gerou consensos, acabando por tornar-se o segundo mais longo da História. À frente só está o de Luís XIV de França, com o recorde de 72 anos e 110 dias – o “Rei Sol” desempenhou funções de 14 de maio de 1643 até à sua morte a 1 de setembro de 1715.

O aperto de mão a mcguinness Talvez nenhum momento tenha mostrado a capacidade de Isabel II em estabelecer pontes como o aperto de mão que deu a Martin McGuinness, histórico comandante do Exército Repúblicano Irlandês (IRA, na sigla inglesa). Afinal, tratava-se da organização terrorista que assassinou à bomba o próprio primo da Rainha, Lord Louis Mountbatten, em 1979, junto com os sobrinhos-netos desta, Nicholas e Paul Maxwell, com 14 e 15 anos respetivamente. Ainda assim, Isabel II não hesitou em cumprimentar McGuinness, 14 anos depois, em Belfast, sorrindo até, num símbolo da paz na Irlanda, alcançada pelo Acordo da Sexta-feira Santa. 

Isabel II teve uma vida bem complicada durante esses tempos de guerra na Irlanda do Norte, os chamados Troubles, entre a década de 1960 e 1998, tendo a família real sido declarado como um alvo legítimo pelo IRA. Aliás, a pompa e cerimónia do seu jubileu de prata, em 1981, chegou a ser estragada por uma tentativa de homicídio. Na altura, o crime rapidamente foi esquecido pela imprensa, dado o Papa João Paulo II ter sido baleado dois dias depois. Mas certamente terá abalado Isabel II.

A tentativa de atentado do IRA nas pacatas ilhas Shetland, um dos mais remotos cantos do Reino Unido, era uma espécie de demonstração de que a Rainha não poderia estar segura em lado nenhum. Enquanto uma banda tocava o hino nacional e Isabel II se preparava para discursar perante 700 pessoas, na inauguração de terminal petrolífero da BP no mar do Norte, não fazia ideia que uma bomba-relógio estava pronta a rebentar a uns meros 500 metros de distância.

É que, entre os seis mil trabalhadores deste projeto, avaliado à época em 1,2 mil milhões de libras, estava um membro do IRA, disfarçado, que recebera um pacote de 7kg dinamite por correio. Contudo, a sua bomba, mal montada, só explodiu parcialmente, evitando vítimas, recordou o Daily Record. Mas ficou o susto.

O final A morte do príncipe Filipe, em abril de 2021, a poucos dias de cumprir cem anos, foram um duro golpe para a Rainha. Isabel não marcou presença nas exéquias.

O Jubileu de Platina foi, por isso, um momento muito aguardado. Havia quem vaticinasse que poderia ser o seu último grande ato público.

Volvidos 25567 dias da sua coroação, “a Rainha organizou uma receção para membros da comunidade local e grupos de voluntários em Sandringham House na véspera de completar o 70.º aniversário do seu reinado”, disse o palácio, em comunicado. Na altura a monarca foi fotografada a cortar um bolo especialmente produzido para a ocasião.

“É com muito prazer que renovo o juramento que fiz em 1947 de que minha vida seria sempre dedicada a servi-los”, disse numa mensagem partilhada pelo palácio de Buckingham nas redes sociais. “Sou afortunada por ter tido o apoio firme e amoroso da minha família. Fui abençoada por ter tido no príncipe Filipe um parceiro disposto a carregar o papel de consorte de maneira altruísta, fazendo os sacrifícios necessários. É um papel que eu vi a minha mãe desempenhar a vida toda durante o reinado do meu pai”.

Seguindo esta linha de pensamento, fez uma revelação que gerou controvérsia: “E quando, no devido tempo, o meu filho Carlos se tornar Rei, eu sei que vocês dar-lhes-ão, a ele e à sua esposa Camilla, o mesmo apoio que me deram; e tenho o desejo sincero de que, quando chegar o tempo, Camilla seja conhecida como Rainha Consorte ao continuar o seu leal serviço”, frisou, concluindo que espera que “este Jubileu reúna famílias e amigos, vizinhos e comunidades”. Esse momento chegou agora.

Entretanto, os problemas de saúde começaram a tornar-se cada vez mais frequentes e difíceis de esconder. E a Rainha acabou por estar ausente de alguns dos atos do Jubileu. Quando, a 8 de agosto deste ano Isabel II falhou pela primeira vez a cerimónia de boas-vindas a Balmoral, o mundo começou a preparar-se para o pior. E acabaria por ser aí, na sua amada propriedade escocesa, que a monarca terminaria os seus dias. 

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