Tem-te-não-caias nas fileiras e eternização do MPLA no poder


Em 1991, a UNITA “tem” já um “governo” para Angola. Porque “vai ganhar as eleições” de 1992. O Congresso do “Galo Negro” (1991) que decorre na Jamba, não longe da fronteira com a Zâmbia, entusiasma os catecúmenos…


Por Luís Alberto Ferreira

O rescaldo eleitoral na República de Angola é fenómeno a encarar com punhos de renda, tal o novelo de perigos da situação. O falecimento recente de José Eduardo dos Santos (JES), revitalizou intrigas e velhos contenciosos que escapam às capacidades de João Lourenço, um dos velhacos mais sofisticados do partido no poder. Pior: a UNITA, concluído o escrutínio nesta última quarta-feira, iniciou a esperada acusação de fraude na contagem dos votos. Imprudente, o seu candidato presidencial invocou nos comícios a existência em Angola de “muitos povos e muitas nações”, um regresso aos sobados e à balcanização savimbistas. Outra aberração, as “duas Luandas” – vida fácil e opulenta de uns, miséria e abastardamento de maiorias – estigmatiza ainda o MPLA e quase meio século de independência nacional. 

João Soares é o único sobrevivente “ativo” dos defensores da UNITA em Lisboa. Mário Soares, enquanto Presidente da República, recebeu em Belém um “doutor Savimbi” que não havia completado o antigo 6.º ano liceal. Acompanhava-o a “esposa oficial”, Ana Isabel Paulino. Ela, mãe de cinco filhos do seu consórcio com Savimbi, havia sido noiva de Tito Chingunji (um dos “amigos” diletos de João Soares), assassinado na Jamba por ordem do soba Jonas Malheiro Savimbi. João Soares, o “amigo especial”, lamentou a morte do seu consócio Chingunji. Queixava-se ele em entrevista ao semanário O Jornal, em Lisboa, publicada a 18 de setembro de 1992: “A UNITA ganhará as eleições. Eu, antes de ir a Luanda, tive a garantia de ser recebido por José Eduardo dos Santos”. Na mesma entrevista, começa por ser chamariz a introdução, com o jornalista Filipe Luís a ponderar: “João Soares ainda não perdoou a Savimbi as mortes de Tito Chingunji e Wilson dos Santos. Acima de tudo, e para além do atropelo aos direitos humanos, considera João Soares ter sido pessoalmente traído pelo líder da UNITA, Savimbi, junto do qual, e por diversas vezes, intercedeu a favor de Chingunji, tendo sempre obtido garantias de que ele se encontrava vivo e de saúde. Apesar disso, João Soares acredita na vitória eleitoral da UNITA (1992) e considera mesmo que é a melhor solução para Angola (…). “A UNITA tem melhores condições para consolidar a democracia”, disse ele. De quando em quando, João Soares faz prova de vida soltando novas “sentenças” sobre o que acontece em Angola. Savimbi aniquilava os seus amigos da Jamba, roubava-lhes a vida pura e simplesmente, ateava as fogueiras para dizimar mulheres, mas a UNITA “tinha as melhores condições para consolidar a democracia”. Péssimas credenciais para quem pretendesse deitar por terra a empáfia dos corruptos do MPLA.

José Eduardo dos Santos e sua glorificação na África Austral. O MPLA, com militares preparados em academias do Leste da Europa e uma base social pequeno-burguesa, corta todas as veleidades à UNITA quando em fevereiro de 2002, vencido e aniquilado Savimbi, consolida o seu poder. O preço não é de somenos – centenas de mortos resultam da formidável batalha do Cuito Cuanavale, no sueste de Angola, entre 15 de 

novembro de 1987 e 23 de março de 1988, com as tropas governamentais sobrepujando a UNITA e as forças sul-africanas. José Eduardo dos Santos arrasta para a mesa das negociações o regime de Pretória. Ele reclama o fim do “apartheid” sul-africano e a “impensável” independência da Namíbia, que tem mesmo lugar a 21 de março de 1990. José Eduardo dos Santos aciona também o processo da retirada das tropas cubanas. A Sonangol, com as plataformas petrolíferas de Cabinda e Soyo, dará corpo à tesouraria do reino. Abrem-se de par em par as portas da corrupção enquanto JES reforça o seu poder. Facto desconcertante é que o MPLA de José Eduardo dos Santos e o MPLA de João Lourenço sempre souberam como “moldar” tréguas ou deserções à socapa. Prova disso, os silêncios guardados em Lisboa por gente que se havia permitido o voluntarismo de ir de visita ao quartel-general de Jonas Savimbi, a Jamba, não sem antes reverenciar na fronteiriça África do Sul o santuário do “apartheid”. João Soares, Jaime Nogueira Pinto, Maria João Avillez e Maria Antónia Palla, mãe de António Costa, vanguardearam essa ala dos enamorados da Jamba. Palla, seixalense, escreveria até de parceria com João Soares um livro: Savimbi – Um Sonho Africano. A Jamba, exabundante em misteriosos “recursos naturais”, foi pródiga em milagres: um avião levando a bordo o “socialista” João Soares caiu pouco depois de levantar voo, mas o precioso passageiro “amigo”, de cuja humilde bagagem constariam apenas o pijama e a escovinha de dentes, saiu praticamente ileso e logo contou com pronta assistência dos “confrades” do “apartheid” sul-africano.

Fantasias da UNITA e musculação de JES e do MPLA. Em 1991, a UNITA “tem” já um “governo” para Angola. Porque “vai ganhar as eleições” de 1992. O congresso do “Galo Negro” (1991) que decorre na Jamba, não longe da fronteira com a Zâmbia, entusiasma os catecúmenos. Fátima Roque, mulher do agiota Horácio Roque, que fez ir pelos ares, em Portugal, o defunto Banif, “será a nova ministra da Economia do governo da UNITA” a instalar depois das eleições. Aguardava-se a chegada à Jamba, “capital provisória da República de Angola”, de Jaime Nogueira Pinto e do “amigo especial” João Soares. Definido como o guia clarividente e já considerado Presidente de Angola, Savimbi replica aos mais perplexos: “Eu não posso chegar a Lisboa e perguntar por que motivo o Otelo Saraiva de Carvalho não vem visitar a Jamba!”. Afinal… A 25 de setembro de 1992, Savimbi e numeroso séquito apresentam-se em Luanda, capital “definitiva” da República, prontos para as primeiras eleições gerais no país. “Já considerado Presidente de Angola”, Jonas Savimbi não acata a ordem para desarmar os seus guerrilheiros. Naquele dia 29 de setembro de 1992, em Luanda, Jonas Savimbi, candidato presidencial da UNITA, tranquiliza gregos e troianos: “Os histéricos do MPLA que estejam descansados. Nós vamos respeitar os resultados das eleições”. Não respeitou. Desembainhou sim o espadalhão da guerra, depois de ter deixado plantados e de mãos a abanar, no aeroporto de Luanda, “Pik” Botha, ministro dos Negócios Estrangeiros da África do Sul, e Herman Cohen, subsecretário de Estado norte-americano. Ambos integravam, com o português José Manuel Durão Barroso e o soviético Gregory Karasinny, a troika dos observadores do processo de paz angolano. Savimbi dedicou-se a destruir pontes, viadutos, unidades fabris, e a semear minas em estradas e no mundo rural. A destruição calculada do território angolano.

Magistratura imperial de José Eduardo dos Santos. Quem mandou matar Osvaldo Vieira Dias Van-Dúnem? Luanda prepara-se para o funeral de JES (José Eduardo dos Santos). Tchizé dos Santos, segunda filha (extramatrimonial) de JES, perdeu o confronto com a antiga primeira-dama, Ana Paula, vinda do nada mas depressa mulher sumptuária nas compras com que assombrava as lojas mais resplandecentes de Londres e Paris. Cabalística se revela a cumplicidade que se percebe nos atos de Ana Paula, a “viúva alegre”, e do velhaco João Lourenço – o MPLA em seu eviterno saco de gatos. Lourenço, após a queda de JES, desalojou uns e manteve” outros. Tudo poderia ser diferente se o MPLA e José Eduardo dos Santos aceitassem, no dealbar do século, a renovação no partido e na governação. Quem matou, quem mandou matar o general e diplomata Osvaldo Vieira Dias Van-Dúnem, à data ministro do Interior? Quem tramou o envenenamento que lhe roubou a vida? Manifestamente mais ilustrado, em comparação com José Eduardo dos Santos e João Lourenço, o afável e muito inteligente Osvaldo Vieira Dias Van-Dúnem emblematiza o malogro escandaloso de um dos países mais ricos e menos igualitários do continente africano.

*Jornalista

Tem-te-não-caias nas fileiras e eternização do MPLA no poder


Em 1991, a UNITA “tem” já um “governo” para Angola. Porque “vai ganhar as eleições” de 1992. O Congresso do “Galo Negro” (1991) que decorre na Jamba, não longe da fronteira com a Zâmbia, entusiasma os catecúmenos...


Por Luís Alberto Ferreira

O rescaldo eleitoral na República de Angola é fenómeno a encarar com punhos de renda, tal o novelo de perigos da situação. O falecimento recente de José Eduardo dos Santos (JES), revitalizou intrigas e velhos contenciosos que escapam às capacidades de João Lourenço, um dos velhacos mais sofisticados do partido no poder. Pior: a UNITA, concluído o escrutínio nesta última quarta-feira, iniciou a esperada acusação de fraude na contagem dos votos. Imprudente, o seu candidato presidencial invocou nos comícios a existência em Angola de “muitos povos e muitas nações”, um regresso aos sobados e à balcanização savimbistas. Outra aberração, as “duas Luandas” – vida fácil e opulenta de uns, miséria e abastardamento de maiorias – estigmatiza ainda o MPLA e quase meio século de independência nacional. 

João Soares é o único sobrevivente “ativo” dos defensores da UNITA em Lisboa. Mário Soares, enquanto Presidente da República, recebeu em Belém um “doutor Savimbi” que não havia completado o antigo 6.º ano liceal. Acompanhava-o a “esposa oficial”, Ana Isabel Paulino. Ela, mãe de cinco filhos do seu consórcio com Savimbi, havia sido noiva de Tito Chingunji (um dos “amigos” diletos de João Soares), assassinado na Jamba por ordem do soba Jonas Malheiro Savimbi. João Soares, o “amigo especial”, lamentou a morte do seu consócio Chingunji. Queixava-se ele em entrevista ao semanário O Jornal, em Lisboa, publicada a 18 de setembro de 1992: “A UNITA ganhará as eleições. Eu, antes de ir a Luanda, tive a garantia de ser recebido por José Eduardo dos Santos”. Na mesma entrevista, começa por ser chamariz a introdução, com o jornalista Filipe Luís a ponderar: “João Soares ainda não perdoou a Savimbi as mortes de Tito Chingunji e Wilson dos Santos. Acima de tudo, e para além do atropelo aos direitos humanos, considera João Soares ter sido pessoalmente traído pelo líder da UNITA, Savimbi, junto do qual, e por diversas vezes, intercedeu a favor de Chingunji, tendo sempre obtido garantias de que ele se encontrava vivo e de saúde. Apesar disso, João Soares acredita na vitória eleitoral da UNITA (1992) e considera mesmo que é a melhor solução para Angola (…). “A UNITA tem melhores condições para consolidar a democracia”, disse ele. De quando em quando, João Soares faz prova de vida soltando novas “sentenças” sobre o que acontece em Angola. Savimbi aniquilava os seus amigos da Jamba, roubava-lhes a vida pura e simplesmente, ateava as fogueiras para dizimar mulheres, mas a UNITA “tinha as melhores condições para consolidar a democracia”. Péssimas credenciais para quem pretendesse deitar por terra a empáfia dos corruptos do MPLA.

José Eduardo dos Santos e sua glorificação na África Austral. O MPLA, com militares preparados em academias do Leste da Europa e uma base social pequeno-burguesa, corta todas as veleidades à UNITA quando em fevereiro de 2002, vencido e aniquilado Savimbi, consolida o seu poder. O preço não é de somenos – centenas de mortos resultam da formidável batalha do Cuito Cuanavale, no sueste de Angola, entre 15 de 

novembro de 1987 e 23 de março de 1988, com as tropas governamentais sobrepujando a UNITA e as forças sul-africanas. José Eduardo dos Santos arrasta para a mesa das negociações o regime de Pretória. Ele reclama o fim do “apartheid” sul-africano e a “impensável” independência da Namíbia, que tem mesmo lugar a 21 de março de 1990. José Eduardo dos Santos aciona também o processo da retirada das tropas cubanas. A Sonangol, com as plataformas petrolíferas de Cabinda e Soyo, dará corpo à tesouraria do reino. Abrem-se de par em par as portas da corrupção enquanto JES reforça o seu poder. Facto desconcertante é que o MPLA de José Eduardo dos Santos e o MPLA de João Lourenço sempre souberam como “moldar” tréguas ou deserções à socapa. Prova disso, os silêncios guardados em Lisboa por gente que se havia permitido o voluntarismo de ir de visita ao quartel-general de Jonas Savimbi, a Jamba, não sem antes reverenciar na fronteiriça África do Sul o santuário do “apartheid”. João Soares, Jaime Nogueira Pinto, Maria João Avillez e Maria Antónia Palla, mãe de António Costa, vanguardearam essa ala dos enamorados da Jamba. Palla, seixalense, escreveria até de parceria com João Soares um livro: Savimbi – Um Sonho Africano. A Jamba, exabundante em misteriosos “recursos naturais”, foi pródiga em milagres: um avião levando a bordo o “socialista” João Soares caiu pouco depois de levantar voo, mas o precioso passageiro “amigo”, de cuja humilde bagagem constariam apenas o pijama e a escovinha de dentes, saiu praticamente ileso e logo contou com pronta assistência dos “confrades” do “apartheid” sul-africano.

Fantasias da UNITA e musculação de JES e do MPLA. Em 1991, a UNITA “tem” já um “governo” para Angola. Porque “vai ganhar as eleições” de 1992. O congresso do “Galo Negro” (1991) que decorre na Jamba, não longe da fronteira com a Zâmbia, entusiasma os catecúmenos. Fátima Roque, mulher do agiota Horácio Roque, que fez ir pelos ares, em Portugal, o defunto Banif, “será a nova ministra da Economia do governo da UNITA” a instalar depois das eleições. Aguardava-se a chegada à Jamba, “capital provisória da República de Angola”, de Jaime Nogueira Pinto e do “amigo especial” João Soares. Definido como o guia clarividente e já considerado Presidente de Angola, Savimbi replica aos mais perplexos: “Eu não posso chegar a Lisboa e perguntar por que motivo o Otelo Saraiva de Carvalho não vem visitar a Jamba!”. Afinal… A 25 de setembro de 1992, Savimbi e numeroso séquito apresentam-se em Luanda, capital “definitiva” da República, prontos para as primeiras eleições gerais no país. “Já considerado Presidente de Angola”, Jonas Savimbi não acata a ordem para desarmar os seus guerrilheiros. Naquele dia 29 de setembro de 1992, em Luanda, Jonas Savimbi, candidato presidencial da UNITA, tranquiliza gregos e troianos: “Os histéricos do MPLA que estejam descansados. Nós vamos respeitar os resultados das eleições”. Não respeitou. Desembainhou sim o espadalhão da guerra, depois de ter deixado plantados e de mãos a abanar, no aeroporto de Luanda, “Pik” Botha, ministro dos Negócios Estrangeiros da África do Sul, e Herman Cohen, subsecretário de Estado norte-americano. Ambos integravam, com o português José Manuel Durão Barroso e o soviético Gregory Karasinny, a troika dos observadores do processo de paz angolano. Savimbi dedicou-se a destruir pontes, viadutos, unidades fabris, e a semear minas em estradas e no mundo rural. A destruição calculada do território angolano.

Magistratura imperial de José Eduardo dos Santos. Quem mandou matar Osvaldo Vieira Dias Van-Dúnem? Luanda prepara-se para o funeral de JES (José Eduardo dos Santos). Tchizé dos Santos, segunda filha (extramatrimonial) de JES, perdeu o confronto com a antiga primeira-dama, Ana Paula, vinda do nada mas depressa mulher sumptuária nas compras com que assombrava as lojas mais resplandecentes de Londres e Paris. Cabalística se revela a cumplicidade que se percebe nos atos de Ana Paula, a “viúva alegre”, e do velhaco João Lourenço – o MPLA em seu eviterno saco de gatos. Lourenço, após a queda de JES, desalojou uns e manteve” outros. Tudo poderia ser diferente se o MPLA e José Eduardo dos Santos aceitassem, no dealbar do século, a renovação no partido e na governação. Quem matou, quem mandou matar o general e diplomata Osvaldo Vieira Dias Van-Dúnem, à data ministro do Interior? Quem tramou o envenenamento que lhe roubou a vida? Manifestamente mais ilustrado, em comparação com José Eduardo dos Santos e João Lourenço, o afável e muito inteligente Osvaldo Vieira Dias Van-Dúnem emblematiza o malogro escandaloso de um dos países mais ricos e menos igualitários do continente africano.

*Jornalista