Pedro Abrunhosa é um artista tão talentoso a compor canções como a causar polémicas. Desde os tempos do cavaquismo que gosta de desafiar a autoridade, tendo construído para si uma aura de enfant terrible sem a qual as suas músicas, possivelmente, não teriam o mesmo encanto.
Abrunhosa, presumo, também não será ingénuo. E portanto não pode ter ficado surpreendido com a reação da embaixada russa após as suas declarações num concerto em Águeda. Claro que o artista tem direito à liberdade de expressão. Era o que faltava. Mas os responsáveis russos também têm o direito de não gostar de o ouvir mandar o seu Presidente para um certo sítio…
Outra coisa é o tom do comunicado da representação diplomática. “Nenhumas provocações ignóbeis […] ficarão sem resposta”, dizia. Aí o cantor tem razão: roça de facto a ameaça.
Ainda assim, não deixa de ser estranho vê-lo, ele que sempre teve essa aura de rebelde e essa postura tão vincadamente anti-poder, a apelar ao Ministério dos Negócios Estrangeiros e ao Parlamento para virem em sua defesa.
Quanto ao resto, e não pondo em causa a sua total liberdade de expressão, podemos ainda questionar a utilidade das declarações, que aliás não primaram pela originalidade, pela subtileza ou pelo bom gosto.
Falo de utilidade, mas também poderia falar de sentido de oportunidade. Será que o MNE não tem coisas mais importantes com que se preocupar? Fará sentido ter desencadeado este incidente numa altura já de si tão desafiante no que diz respeito aos assuntos diplomáticos?
Para ele talvez faça. Vendo bem, apesar dos seus protestos, para Pedro Abrunhosa quanto mais estardalhaço, melhor. A polémica dá-lhe a visibilidade de que um artista de palco precisa, ajuda-o a esgotar espetáculos e a levar as multidões ao rubro.
Mas ele, que gosta tanto de cultivar essa imagem de enfant terrible, não devia ter metido as instituições ao barulho, causando embaraço nas Necessidades. Como dizia uma velha máxima, “não havia necessidade”.