O trambolhão foi total! Queda desgraçada pela escadaria do futebol francês até ao Championnat National, também conhecido simplesmente por national ou por Division 3. “En dessus de chien”, dir-se-ia a propósito.
O Bordéus, velho e histórico clube dos Girondinos, fundado no ano de 1881 e regular participante de todas as competições futebolísticas desde 1919, não se limitou a ficar no 20.º e último lugar da Ligue 1 deste ano como viu a Direction Nationale du Contrôle de Gestion (DNCG), entidade responsável pela regulação das contas dos clubes profissionais franceses, abrir-lhe um processo de falência e a empurrá-lo para os campeonatos amadores. Uma decisão considerada pela direção do clube com uma palavra só – “Brutal!”.
Em seguida, prometendo recorrer à última instância possível, publicou um comunicado: “Não se tomam posições desta gravidade numa reunião de duas horas realizadas num lugar sem quaisquer condições! Não faz sentido. Ainda por cima quando o Bordéus apresentou à DNCG, no dia 14 de junho, uma garantia financeira de 10 milhões de euros, aprovada pelos credores, e que serve para ajustar contas de forma imediata. Além disso, comprometemo-nos a vender vários jogadores cujo valor acumulado ultrapassava largamente o que provocou o castigo da DNCG”.
Momento deprimente para um clube que já foi campeão de França por seis vezes – 1949–50, 1983–84, 1984–85, 1986–87, 1998–99 e 2008-09 – tendo, após o primeiro título, disputado a Taça Latina, em Lisboa, perdendo para o Benfica numa finalíssima com dois prolongamentos. Em 1996 teve outro momento importante a nível europeu, disputando frente ao Bayern de Munique a final da Taça UEFA (0-2 e 1-3).
Nessa altura contava com jogadores da categoria de Bixente Lizarazu, Richard Witschge, Daniel Dutuel, Zinedine Zidane, Christophe Dugarry e Kaba Diawara. O treinador era sérvio, nascera em Belgrado, e dava pelo nome de Slavobujl Muslin.
Com jeito português… No início da época anterior fui a Paris como enviado-especial assistir ao primeiro jogo fora de casa de Toni como treinador bordalês, com Jesualdo Ferreira a adjunto.
A noite fria do Parque dos Príncipes deu-nos um jogo fervente e quezilento. Dois jovens jogadores encantavam o técnico português que não tinha dúvida em prognosticar-lhes um grande futuro: Zinedine Zidane e Christophe Dugarry. Bem mais o primeiro do que o segundo, como se recordarão. Também me recordo das queixas do António Oliveira de Mogofores e do Jesualdo Ferreira de Mirandela: “O rapaz tem um talento enorme, mas perde a cabeça por tudo e por nada…”.
Nesse jogo, depois de ter contribuído (e muito) para que o Bordéus estivesse durante longos minutos a vencer o Paris Saint-Germain, Zidane arranjou um cafernaum e fez-se expulsar de uma forma quase indecente, impedindo com a sua saída que os bordaleses guardassem o triunfo até ao fim. Acho que foi a primeira vez que vi Zidane ao vivo. Teria os seus 22 anos. Também foi a primeira vez que o vi ser expulso. Não perderia, no entanto, a hipótese de ver tudo isso acontecer mais vezes.
Há um ligeiro perfume português que exala do Bordéus e não, não é por causa do vinho. Primeiro porque Fernando Albino de Sousa Chalana envergou a camisola dos Girondinos logo após o assombroso Europeu que assinou em França, em 1984. Não foi muito feliz, viveu enrolado em lesões e em polémicas durante três anos e antes de regressar ao Benfica.
Outros foram os portugueses que por lá passaram, de Bruno Basto a Marco Caneira, de Beto Severo, de Paulo Costa a Corentin Martins. E, claro, Pedro Miguel Carreiro Resendes, o grande Pauleta que, logo na estreia, fez um hat-trick ao Nantes. No total marcou 91 golos com a camisola do escapulário, como lhe chamam por causa daquele triângulo invertido sobre o peito. Todos eles devem sentir algo de melancólico ao ver a desgraça do seu antigo clube.