Mafalda Pedra Soares. “Queremos que quem nos liga encontre alguma serenidade a falar connosco”

Mafalda Pedra Soares. “Queremos que quem nos liga encontre alguma serenidade a falar connosco”


Foi voluntária durante 10 anos. Três semanas depois de ter tomado posse como presidente da SOS Voz Amiga, enfrenta a necessidade de novas instalações.


Desde que anunciaram que ficaram sem instalações, estão em conversações com a Câmara Municipal de Lisboa (CML).
Sim, ainda muito no princípio. Estamos inscritos na base de dados para atribuição de apoios e já tivemos oportunidade de marcar uma reunião com o gabinete do doutor Anacoreta Correia. Já aconteceu e, de seguida, falaremos com a vereadora Laurinda Alves e esperamos que, daí, a seu tempo, possa vir alguma novidade boa para nós. Estamos a precisar de um parceiro para o futuro porque estamos a crescer. Demos o primeiro passo junto da autarquia e, sem dúvida, esta é a nossa grande aposta.

E a CML mostra-se disponível?
Extremamente. Enquanto Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) que pede à CML uma atribuição de apoios é preencher, num site, uma série de informações e fazer upload de documentos. E tive ocasião de dar um louvor a esse serviço porque está muito bem organizado e agilizado. E, na dificuldade que tive, telefonaram-me. Por isso, até agora, foram impecáveis e oxalá que continue assim.

Até agora, foram contactados por mais alguma entidade?
Além da comunicação social, que se está a preocupar connosco e nos dá visibilidade, sendo que é disso que precisamos para conseguirmos chegar às pessoas, tenho recebido e-mails de outras IPSS ou fundações que se prestam a dar-nos guarida enquanto não tivermos a nossa sede permanente. Estou comovida com isto. Um site sobre saúde mental, uma associação dedicada a uma doença específica, uma fundação que quer fazer uma parceria, outras IPSS que dizem “Apertamo-nos e vocês vêm para aqui”… Têm sido incrível! Tenho tentado responder a todos assegurando que o nosso atendimento continua disponível ao público entre as 15h30 e as 00h30. E agradecemos toda esta onda de solidariedade que nos levará a algum lado, até porque temos particulares a quererem ajudar-nos. Desejo que tenhamos a capacidade de seguir os processos que nos levarão a bom porto. 

Não se têm focado tanto na competitividade.
Essa questão é muito importante. Todas as IPSS têm as suas operações, mas, quando vamos para o mercado pedir parcerias para o que for – donativos, instalações, etc. –, entramos em competição uns com os outros. Aquilo de que estamos a ser alvo é exatamente o contrário: “Venham. Se precisarem, usem aquilo que temos” e isto é comovente e mostra que as IPSS, em Portugal, sabem ter uma boa atitude de entreajuda. 

Acabam por cumprir aquilo que prometem.
Estas IPSS e fundações estão preocupadas com aquilo que fazem, mas, face ao apelo, tiraram tempo para dizer “Proporcionamos um espaço”. De facto, a comunicação social ajuda-nos em alturas de aperto porque multiplica os nossos apelos e encontraremos o parceiro de instalações de que necessitamos.

Como estão a prestar atendimento atualmente?
Temos uma central telefónica que nos permite receber as chamadas que vêm dos três números que temos disponíveis. E, depois, reencaminha-as para os telefones que os nossos voluntários têm dedicados a este serviço. Em suas casas, têm telemóveis para isto e cumprem, em continuidade, a nossa operação, aquilo a que nos propomos.

E tem existido algum problema?
Não, felizmente. Presentemente, temos cerca de 50 voluntários disponíveis e escolhem os turnos que podem fazer durante o mês. Não somos uma associação gigantesca: temos é muitos anos de experiência porque somos a linha de apoio emocional mais antiga de Portugal. Existimos desde 1978. Somos uma associação pequena e queremos crescer para aceitarmos mais candidatos a voluntários, darmos a formação personalizada e continuarmos o apoio semanal obrigatório àqueles que já estão connosco. Daqui a um ano, gostaríamos de garantir, pelo menos, mais 1/3 ou mais 3/4 de horas de atendimento ao público. Está tudo planeado: precisamos é de instalações e, de preferência, que sejam maiores.

Recebem muitas candidaturas?
Sim! É muito engraçado porque, durante o pico da pandemia, recebemos candidaturas como nunca: mais de 130. Aquilo que aconteceu é que as pessoas, por causa da solidão que sentiam, e do confinamento, começaram a dar mais atenção à saúde mental. Nessa altura, tivemos protagonismo: ajudámos muita gente e, como os voluntários estavam a atender em casa, atingimos o máximo de atendimentos, isto é, 1200 chamadas. Ora, isto foi feito porque podemos assumir mais candidatos a voluntários e dar-lhes formação online. Entraram ao serviço durante os piores meses. Desde então, temos uma lista de aproximadamente 130 nomes de candidatos para entrevistar. Continuamos com capacidade de admissão.

Como decorre o percurso inicial de um voluntário?
Vou explicar o máximo de coisas que conseguir, sendo que aquelas que não disser é porque não posso. Somos uma linha confidencial e anónima e, portanto, há determinados processos que não damos a conhecer a bem da confidencialidade tanto do voluntário como de quem nos liga. O processo de formação passa, primeiro, pelo discernimento profundo do voluntário: entende se está apto a cumprir os requisitos. Recebe um e-mail com a explicação dos compromissos que, uma vez voluntário, deve assumir. E também recebe informação sobre o processo de formação. Damos alguns dias para que as pessoas compreendam se a escolha que fizeram ao contactar-nos, efetivamente, está certa, e pretendem ser entrevistados por um voluntário em atendimento e uma das nossas psicólogas. Existe um sim ou um não, como é óbvio. Temos, neste momento, duas psicólogas ao serviço, colaboradoras remuneradas, todos os restantes são voluntários. Essas profissionais têm a missão de se reunir semanalmente com os grupos de voluntários que, agora, são três. Este tempo que é dado aos voluntários é longo e é utilizado para que reflitam. Será que estão aptos a prestar ajuda pelo telefone de forma pontual?: é esta a pergunta. Têm de refletir porque são eles que dizem ao grupo se estão aptos e, quando tal acontece, o grupo aceita-os. Este voluntariado é feito com uma doação total da nossa pessoa: quando estamos ao telefone a ter esse relacionamento pessoal com o apelante damos tudo para escutá-lo e acolher o sofrimento em que está. E, ao longo da formação, os candidatos ouvem falar muito sobre isto. Neste momento, temos 50 pessoas capazes e com disponibilidade!

Como é que não se criam laços afetivos, digamos assim, com os apelantes? 
Já estive em atendimento durante mais ou menos dez anos. Quando atendemos a chamada e dizemos “SOS Voz Amiga, boa tarde/noite”, queremos escutar e acolher aquela pessoa no seu sofrimento. Os nomes acabam por não ser importantes, mas se o apelante quiser atribuir-nos um nome, arranjamos um fictício para continuarmos a conversa e eles podem ter outro. Só fazemos as perguntas que fazem sentido na conversa para que a pessoa se sinta sempre respeitada no seu anonimato e nas suas convicções. Se ouvir uma voz muito jovem, posso perguntar a idade, por exemplo. Mas digo “Mas se não quiser, não responda”. A conversa acontece com descontração, o apelante tem a certeza de que pode desabafar – porque não haverá qualquer repercussão: não chamamos o INEM, não ligamos para o SNS24… Nada! – e, quando a chamada termina, o relacionamento pessoal acaba também. 

Essa finitude pode assustar determinadas pessoas, tanto os apelantes como os voluntários?
É verdade. Enquanto voluntários, assumimos interiormente que a ajuda que prestamos é pontual e, por mais urgente, triste, catastrófica ou até simples que seja a situação, sabemos que, muito provavelmente, sabemos que não voltaremos a falar com aquela pessoa. Ela até pode ligar, mas conversará certamente com os nossos colegas. Cada um de nós encontra uma forma de encaixar as emoções relativamente ao facto de “não podermos fazer mais nada para além da chamada telefónica”. E, por isso mesmo, temos as nossas psicólogas: sabemos que somos várias pessoas a fazerem o mesmo e tanto elas como os colegas contribuem para a estabilidade emocional do voluntário. Consideramos estas reuniões de acompanhamento emocional contínuo do voluntário. Não falamos dos apelantes: aquilo que se passa na chamada fica lá e aquilo que é importante são as emoções despertadas no voluntário e que ele quer transmitir para encontrar suavidade e ultrapassar a frustração de não conseguir ajudar mais.

Como é que decidiu juntar-se à linha?
É uma história antiga que tem a ver com o Japão. Quando tinha 20 e tal anos, fui à Alemanha e tinha um amigo japonês, mais velho do que eu, que me disse que o suicídio é elevado no país de origem dele. Isto foi há uns 35 anos. Contou-me esta realidade e explicou que, num determinado promontório, tragicamente utilizado para as pessoas tirarem a própria vida, havia uma cabina telefónica e, quem quisesse, pegava no telefone e, do outro lado, estava sempre uma voz amiga para acompanhar aquela pessoa e ajudá-la. Era muito nova, mas nunca deixei de pensar nesta história. Fiquei com interesse pelo tema e, em 2011, já casada e mãe de filhos, assisti a uma entrevista, na televisão, e uma voluntária fazia um apelo aos portugueses para que se candidatassem ao voluntariado da SOS Voz Amiga. Penso que eram menos de 15 voluntários e precisavam de mais gente para completar os turnos. Contactei a linha e comecei a minha formação. Transformou-se numa paixão e creio que todos os voluntários sentem o mesmo: somos apaixonados por esta missão.

Como chegou ao cargo de presidente?
Quando entrei na linha, o meu único objetivo era atender os telefonemas. Quando fui integrada nas reuniões, comecei a perceber que havia uma estrutura por detrás de tudo aquilo que fazíamos. E essa estrutura começava, em primeira linha, pela coordenação de voluntários. Um, dois ou três que se responsabilizavam por coordenar a distribuição dos turnos ao longo do mês. E, depois, disseram-me “Fazemos parte de uma associação, não queres ser sócia?” – era a Liga Portuguesa de Higiene Mental – e todos os voluntários fugiam disto [risos]! Fui coordenadora de voluntários, teve de ser, e, a certa altura, houve um telefonema do anterior presidente, Francisco Paulino, que é fabuloso, e perguntou-me se eu me importava de fazer parte dos órgãos sociais. Eu disse logo que não me importava e que lhe tinha muito respeito, assim como pela estrutura. E… Cheguei aqui! Tive um percurso no conselho fiscal, fui vice-presidente, trabalhei de perto com o antigo presidente e, quando ele decidiu que ia acabar a sua prestação de 25 anos à SOS Voz Amiga, olhámos todos uns para os outros e questionámos “Mas quem é que vai fazer isto agora?”. Disse logo “Não, eu não”, mas o círculo começou a apertar-se à minha volta – o bom círculo, nenhuma pressão, de companheirismo – e decidi aceitar o desafio dos meus colegas. Tomei posse há apenas três semanas e sei que o segredo é trabalharmos sempre em grupo. Faço parte de uma equipa de sete pessoas que trabalham ativamente, todos os dias, para a estrutura. Pegamos nos trabalhos de terra para o navio poder navegar. 

Se alguém tiver ou tiver tido problemas psicológicos, mas demonstrar que está pronto para se voluntariar, aceitam a candidatura e iniciam a formação?
É uma pergunta difícil. Recomendamos aos candidatos a voluntários que, durante a entrevista, mostram estar numa situação psicológica ou emocional difícil, que não entrem na SOS Voz Amiga naquela altura e tentem um ou dois anos mais tarde. Quando acontece alguma perturbação emocional, e não posso falar como psicóloga, porque não sou, na vida dos voluntários, é orgânico que ele ou ela peça uma pausa ou ser aconselhado/(a) a fazê-lo por não estar bem. Não queremos voluntários doentes, queremos que tratem muito bem deles! 

Se calhar, quem passa ou passou pelo mesmo, põe-se mais facilmente no lugar do apelante. No entanto, ouvir relatos iguais ou semelhantes pode ser árduo.
É, pode ser. Mais uma vez falo da minha experiência, mas os voluntários em atendimento têm experiências diferentes da minha. Para mim, a resposta é: umas vezes, o facto de o sofrimento ser igual, imaginemos, pode dar a ideia de que há mais empatia, mas independentemente disso, tenho de me manter concentrada no apelante. É a ele que estou a prestar o serviço. Se alguma vez fiz equiparações com a minha situação? Posso ter feito, mas espero que nunca tenham influenciado a minha forma de agir. Ou se influenciaram, que tenha sido para melhor. Despojamo-nos daquilo que somos para sermos aquilo que somos com o apelante: só assim é que se cria empatia e relação pessoal. 

Se alguém estiver com ideação suicida, imaginemos, não podem fazer nada? Por exemplo, os psicólogos e psiquiatras podem violar o sigilo profissional nesses casos, ainda que essa questão suscite controvérsia.
Não, não podemos. Somos um serviço bom para a população porque garantimos o anonimato e a confidencialidade e são esses que permitem que a mesma fale connosco em total liberdade. Não temos protocolo nenhum que sigamos durante as conversas. Para o SNS24 ou o INEM fazerem reencaminhamento de casos ou enviarem uma ambulância, exemplificando…

O anonimato seria quebrado.
Exato, fazem uma data de perguntas – que têm de ser feitas – que não se incluem no nosso serviço. Em situações de profunda crise, queremos que a pessoa encontre alguma serenidade a falar connosco, algum controlo das suas emoções, que nesse dia consiga dormir bem e que, no dia seguinte, procure – junto de quem escolher – auxílio. Pessoalmente, vejo o atendimento assim e digo o mesmo aos voluntários.

No fundo, prestam primeiros socorros psicológicos.
Podemos usar essa expressão, até acho que é muito engraçada, ou a primeira linha de ajuda. É a ajuda dada por pessoas que não são especializadas em saúde mental ou física. Alguns de nós podemos não ser leigos, mas a maioria é, de diversas idades, mulheres e homens, uns mais jovens e outros mais velhos, com diversas profissões e dedicamos este tempo ao voluntariado. Somos referenciados como linha de prevenção do suicídio porque, a 9 de outubro de 1978, quando a linha abriu, pertenceu à Liga Portuguesa de Higiene Mental. Os psiquiatras que faziam parte do conselho técnico da Liga identificaram que, naqueles anos, a taxa de suicídio estava a aumentar e, por isso, decidiram criar esta linha telefónica. Na altura, ficou ligada a este tema e ainda hoje continua. No entanto, o tema mais incidente é a solidão. Para além disso, a depressão e a angústia. Ninguém ajuda alguém em aflição se não acolher o sofrimento daquela pessoa: por mais insignificante que possa parecer, é aquilo que a pessoa sente em determinado momento.

Têm atendido 900 chamadas mensalmente desde o início do ano. 
A nossa capacidade de resposta depende da capacidade de resposta dos voluntários. Há mais pessoas a ligarem-nos e quem está em atendimento diz que o telefone não pára. Imaginemos que durante um turno estou 1h30 a conversar com uma pessoa: ficam muitas chamadas por atender. O número de horas que estamos disponíveis é fácil, mas queremos contabilizar as horas que realmente estamos ao telefone. Queremos dar esse indicador, em breve, à comunicação social. É tão ou mais importante do que o número de chamadas atendidas.

Quando percebem que não estão a conseguir atender todas as chamadas, não ficam sob stress?
Nas nossas definições originais, da central telefónica, temos definido que, enquanto estamos a falar com uma pessoa, não ouvimos o telefone tocar. Isso é muito importante porque temos esta tranquilidade assegurada. À medida que o tempo passa, sabemos, por experiência, que alguma pessoa está a tentar contactar-nos, em espera, mas não ouvimos nenhum toque. Zelamos pelos voluntários, através deste mecanismo, mas também pelos apelantes, através da existência de três turnos diferentes e 50 voluntários. Sei que corro o risco de alguns deles acharem que estou a revelar demasiada informação, mas, enquanto presidente, acho que devo revelar o suficiente para a população estar informada.

Existe algum voluntário que tenha desistido do atendimento?
Dou o meu exemplo: houve uma altura da minha vida em que estava com muitas frentes de batalha emocional na minha vida pessoal. Portanto, entendi que devia interromper o atendimento. Os voluntários que entendem que não estão emocionalmente aptos para fazer o atendimento, devem tomar a mesma decisão. É habitual isso acontecer tanto permanente como pontualmente. No meu caso, quando me senti melhor, regressei. Temos voluntários que já estão em atendimento há uns 25 anos, mas fizeram as suas pausas. Quando não estamos bem, temos de ter essa clarividência e é também para isso que servem as reuniões semanais com as psicólogas. Aquilo que oferecemos aos voluntários é o desenvolvimento pessoal no seio de um grupo que passa pelo mesmo tipo de experiências. Entramos uns e saímos outros, com capacidades diferentes. Não estou a insinuar que entramos maus e saímos muito bons ou que entramos bons e saímos muito bons: não é nada disso, saímos é diferentes. A SOS Voz Amiga faz parte de uma federação internacional de linhas de apoio emocional: regemo-nos pelos princípios de qualidade internacionalmente reconhecidos. 

É comum ouvir-se dizer que só conseguimos ajudar os outros quando estamos bem.
Saber parar é prova de uma grande sabedoria. Quando os voluntários se sentem emocionalmente sobrecarregados, têm de saber parar. Gostamos muito deste serviço e interromper é difícil para qualquer um de nós porque queremos sempre continuar. Mas, realmente, existe a monitorização, pelas psicólogas, e se alguém for teimoso e quiser continuar, por exemplo, será chamado à atenção gentilmente. Tanto por elas como pelos colegas. Existe esta cumplicidade.

Quando estão na sede, ouvem as conversas dos outros voluntários? Como é dividido o espaço?
Atendemos individualmente, não somos um call center. A ideia da cabinezinha… Não temos nada disso porque não precisamos! Temos postos de atendimento reservados para cada um de nós e, em casa, resguardamo-nos do rebuliço que possa haver. Estamos sozinhos e não ouvimos nada nem ninguém: são essas as condições ideais.

Qual é o voluntário mais novo?
Está na casa dos 20.

E o mais velho?
Esse está na dos 70.

Há mais mulheres ou homens?
Estamos praticamente equilibrados.

Como referiu há pouco, desde o início da pandemia, sentimos as mesmas coisas e quem não dava primazia à saúde mental mudou de atitude.
Sim, sem dúvida. É exatamente por isso que tivemos bastante notoriedade durante os confinamentos. Falou-se muito das linhas de apoio psicológico porque não somos a única. Por um lado, os meios de comunicação social estiveram mais atentos ao problema e, por outro, as pessoas sentiram na pele as dificuldades que podiam perturbar a sua calma emocional. Por exemplo, filhos que voltaram a viver com os pais, a dificuldade na divisão de espaços… Tudo isso nos pôs em stresse e muitos de nós percebemos que a saúde mental não é um dado adquirido. Sou muito a favor de uma ida regular a um psicólogo. Sou apologista disso porque temos de entender que há pessoas preparadas para nos acompanharem. E para quem não pode gastar dinheiro em consultas particulares, seria ótimo que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) conseguisse dar uma reviravolta tal que psicólogos e psiquiatras, e outro tipo de profissionais, tivessem mais condições e disponibilidade para auxiliar a população. Efetivamente, atendemos apelos de pessoas que se queixam da pouca capacidade de resposta do SNS. Somos leigos na matéria e é uma mais-valia: não avaliamos as pessoas com base em perguntas concretas que nos fazem chegar a um fim. Não, nós estamos a falar e não temos limite de tempo para as chamadas. Esse fim até pode ser iniciativa do voluntário. É evidente que há essa liberdade na SOS Voz Amiga e que bom que é uma pessoa com problemas poder desabafar com um voluntário! Talvez tenha tanto valor do que 45 minutos com um profissional de saúde mental.

Colmatam lacunas do SNS?
Voltamos à expressão de que falámos inicialmente: somos a primeira linha no sentido do apoio não profissional a pessoas em sofrimento. Não temos dados sobre isso, se as pessoas vão ao SNS ou ao privado após as chamadas, mas fazemos um trabalho que nos parece importante. Não somos especialistas, mas temos a certeza de que aliviamos a dor dos apelantes. É isso que nos interessa. Ao longo dos anos em que estive no atendimento, percebi que consegui ajudar muitas pessoas. Isto é gratificante. De vez em quando, recebemos igualmente e-mails de pessoas que contactaram a linha e decidem contactar-nos.

Conseguem fazer a ligação entre as chamadas e os e-mails?
Não. Neste momento, sou presidente e eu é que leio os e-mails. Não estou em atendimento. Quando falo com os voluntários, posso dizer “Olhem, tenho recebido e-mails que salientam a vossa paciência e a capacidade de escuta”, mas não vou especificar nomes nem quaisquer outros detalhes.

De que é que precisam nas vossas futuras instalações?
Não precisamos de nada muito especial, queremos apenas um sítio onde possamos estar juntos e falar cara a cara, prestando o atendimento aos apelantes. Necessitamos de um espaço seguro e agradável para os voluntários se reunirem. Seria ótimo ter infraestruturas para os próximos 5-10 anos devido ao nosso crescimento expressivo. Sabemos que vai aparecer um parceiro, não duvidamos disso. As pessoas mobilizam-se. Estamos numa fase muito importante e queremos continuar, consistentemente, os processos de formação, trabalho e acompanhamento. É crucial e temos de avançar. Acima de tudo, seria incrível termos uma sede permanente perto do metro, de estações de comboio, de autocarro… Porque os voluntários deslocam-se, maioritariamente, de transportes públicos.

O que pretende para a linha?
Queremos continuar o nosso papel de alertar os cidadãos comuns, a comunicação social e as autoridades oficiais para a importância da saúde mental. Tem de receber a devida atenção e haver cada vez mais respostas para a população. A curto prazo, queremos ter a infraestrutura logística que nos permita, dentro de um ano, ter um corpo de voluntários permanente de 65 pessoas. Não posso dizer o número de chamadas porque é incerto, depende da duração das chamadas e da quantidade de pessoas. Vejo o futuro risonho pela paixão que este serviço desperta em toda a equipa.