Costuma dizer-se que “o que é nacional, é bom”, mas pode tornar-se ainda melhor se forem tomadas medidas. É o caso das maçãs e das pêras portuguesas que, numa análise feita à fruta fresca europeia, relativa a 2019, não ficaram com uma boa reputação devido ao facto de se integrarem no grupo das frutas que apresentam maior quantidade de pesticidas perigosos.
{relacionados}
Este estudo foi da responsabilidade da rede de organizações não governamentais “PAN Europa” e colocou as maçãs e pêras cultivadas em solo nacional no segundo lugar do “ranking” da maior proporção de frutas contaminadas há três anos. Em 58% das primeiras e 85% das segundas foi encontrada contaminação por pesticidas perigosos.
“Na minha perspetiva, os pesticidas, alguns deles, podem ter efeito de disruptor endócrino. Temos mais informação sobre a insulina, o estrogénio e testosterona. Podem ter efeitos distintos, como provocarem infertilidade ao interferirem com a formação dos folículos, nas mulheres, e nos espermatozóides, nos homens. Enquanto consumidores, na maior parte das vezes, não temos noção disto”, afirma Miguel Vasques, médico endocrinologista que desempenha funções enquanto assistente convidado na NOVA Medical School, da Universidade Nova de Lisboa.
“Este campo está em crescimento. Tudo começou com ratos que, quando eram expostos a concentração de tóxicos, permitiam que entendêssemos aquilo que acontecia. Achávamos que nunca iam atingir estas quantidades no ser humano, mas depois percebemos que estávamos errados”, adianta o também responsável pela área de Endocrinologia no Champalimaud Clinical Centre, tendo como principais áreas de interesse e de investigação a obesidade, a homeostasia calórica e o Sistema Nervoso Simpático.
“Algumas doenças que, enquanto clínicos, não entendemos como se desenvolvem tanto em x ou y pessoa, podem estar relacionadas com isto. A Síndrome dos Ovários Poliquísticos e a endometriose são dois exemplos. No caso do primeiro, as mulheres têm excesso de peso, infertilidade, obesidade, resistência à insulina e outras complicações”, observa, asseverando que, “hoje em dia, há alguma evidência de que alguns destes disruptores podem, realmente, causar patologias”.
“Doseámos tóxicos como o BPA e percebemos a insulinorresistência por aí, mas ainda existem muitos disruptores endócrinos porque é difícil estabelecer estas relações de forma rigorosa e o doseamento. Eles têm concentrações tão baixas que ficam no corpo”, destaca, recordando o relatório “Hormones in European Health Policies: How endocrinologists can contribute towards a healthier Europe” (‘As políticas de saúde hormonais na Europa: como os endocrinologistas podem contribuir para uma Europa mais saudável’) do ano passado.
Na página 24, é explicado que os Disruptores Endócrinos (EDCs) “são substâncias que imitam, bloqueiam ou interferem com hormonas no sistema endócrino do corpo”, sendo salientado que “estudos recentes estimam que os EDCs contribuem principalmente para doenças e incapacidades ao longo da vida de uma pessoa, custando centenas de milhares de milhões de euros por ano”.
“Os EDCs são encontrados em itens de consumo diário, incluindo detergentes, aditivos alimentares, brinquedos, protetor solar, têxteis, sabonetes antibacterianos, cosméticos, garrafas plásticas, latas de metal para alimentos e pesticidas”, refere o documento, adicionando a Sociedade Europeia de Endocrinologia que, além dos exemplos dados por Miguel Vasques, existem outros perigos para a saúde.
“Um aspecto especialmente desafiador dos EDCs é o seu impacto negativo no desenvolvimento fetal”, notando que a exposição a estas substâncias, no decorrer da gravidez, “está associada a variações no ambiente endócrino gestacional, incluindo níveis alterados de esteróides sexuais”.
Exemplificando, EDCs como o Bisfenol A – mais conhecido por BPA, está presente em recipientes para armazenar comida como tupperwares, garrafas de plástico ou latas de conserva – têm sido associados a efeitos adversos, “incluindo aborto espontâneo, parto prematuro, pré-eclâmpsia e restrição de crescimento fetal”.
É acrescentado que “uma altaconcentração de EDCs durante os primeiros seis meses de vida, através da amamentação e/ou da água na alimentação com leite em pó, tem grande contribuição na programação de adiposidade e, portanto, risco futuro de obesidade, através da interrupção da regulação das hormonas do apetite e daquelas que estão envolvidas no metabolismo”.
“Preocupa-me bastante o crescimento de tantas neoplasias como o cancro da mama e a ausência de conhecimento e aplicação de medidas, como a restrição de substâncias que têm um maior risco. O lado interessante do aumento da produção de alimentos cai por terra com o crescimento das doenças cujo custo é mais difícil de ser estimado”, finaliza Miguel Vasques, que leciona as Unidades Curriculares de Imunologia, da Licenciatura em Ciências da Nutrição e Nutrição e Metabolismo, do Mestrado Integrado em Medicina.