Por Carlos Bonifácio, Mestre em Estratégia e João Barreiras Duarte, Consultor e Gestor de Empresas
A paz não é, como se julgava na Europa ocidental, uma conquista ad aeternum. A realidade dos últimos meses demonstraram exatamente o contrário.
Com a queda do ‘‘Muro’’, a Europa ocidental habituou-se à ideia que o modelo regulador era o desenvolvimento económico, o bem-estar das sociedades, e todas as questões laterais se subjugavam a este princípio. Aparentemente parecia ser este o modelo de regulação entre Estados e tudo corria de feição no ‘‘velho continente’’. Sim, com exceção da guerra nos Balcãs. No entanto, esse foi um conflito, que o tempo e as circunstâncias se encarregaram de resolver, numa completa apatia da Europa ocidental. Depois vieram os problemas na Geórgia, na Abecásia e na Ossétia do Sul. Mas, mais uma vez, esses problemas estavam longe na fronteira com a Ásia e afastados do centro de gravidade da Europa. Os problemas com outras repúblicas da Federação Russa foram entendidos como diferendos internos e a Europa voltou a ‘‘encolher ombros’’.
Assim, fomos andando, construindo uma sociedade europeia, onde o sucesso se media pelo conquista de mercado das multinacionais, algumas com mais poder que alguns Estados. Entretanto nascia uma globalização desregulada, onde as questões da segurança passaram para segundo plano. Afinal para que eram necessárias Forças Armadas? O desenvolvimento e afirmação dos Estados têm sido feitos pelo poder da moeda e da finança. Para quê dispersar recursos para a Defesa? Se o que importava é o poder económico e a batalha da globalização.
Em simultâneo, cresceu na Europa o individualismo, o materialismo, onde tudo se resume à posse, ao acesso ao crédito, aos bens de consumo imediato – tudo parecia correr às ‘mil maravilhas’. Até que um ‘gigante adormecido’, de ‘‘pés de barro’’, acordou e decidiu jogar com as mesmas regras do capitalismo. Usando os oligopólios na esfera direta do Estado, mas pouco preocupado com a transparência e com o funcionamento das instituições democráticas.
A Rússia convenceu-se que jogando com as mesmas regras económicas e com o poder dos seus recursos tudo lhe era permitido. Acreditou até que podia passar a outra fase onde ‘‘a guerra nada mais é que a continuação da política por outros meios’’, tal como já tinha definido o estratega Clausewitz.
O regime de Putin, forjou a ideia que era possível reconstruir uma ‘‘Nova Rússia’’, com tiques imperiais e czaristas, despida de ideologia, mas assente no dinheiro proveniente do ocidente. Só que esta estratégia fez soar as ‘campainhas’ no Ocidente, sob a batuta, como sempre, dos EUA. Desta vez, não foi permitido que às portas da Europa central um país soberano e com instituições próprias em pleno funcionamento pudesse ser vítima de uma ocupação sem qualquer respaldo do direito internacional.
A recente reunião na base militar de Ramstein na Alemanha foi o ponto de viragem para que a Ucrânia não capitule porque, sem apoio, esse era o destino final. Fica claro que esta guerra só terminará pela exaustão ou incapacidade militar do agressor e que a existência da Ucrânia só é viável pela sua resistência no campo de batalha, sem cedências que possam constituir um precedente para o futuro. As 40 nações que se reuniram na Alemanha prometeram aos ucranianos não os deixarem sós e garantiram apoio e solidariedade para travar esta invasão e os ataques indiscriminados sobre a população. A impunidade russa tem que ter um fim e só fortalecendo os ucranianos estes podem defender-se da aniquilação. Numa afirmação categórica no final da reunião, Loyd Austin, secretário de Defesa norte-americana, referiu que ‘‘a Ucrânia acredita claramente que pode vencer e todos aqui também’’. Esta decisão sem precedentes, permitiu articular o envio de armamento pesado para a Ucrânia. Neste esforço coletivo a Alemanha tradicionalmente cautelosa por razões históricas, ficou vinculada à contribuição de dezenas tanques antiaéreos e outro tipo de armamento.
Portugal, apesar de resistir a um aumento no esforço de investimento na Defesa, terá sido pressionado pelo Pentágono para ceder parte dos seus blindados modelo M113A à Ucrânia, veículos adquiridos aos americanos há cerca de 30 anos. É certo que os nossos recursos são escassos, mas o acordo de Ramstein não nos vai permitir ficar de fora deste esforço sem paralelo nas últimas décadas. Um esforço, agora inevitável, para uma Europa que se ‘habituou’ a prescindir do maior e mais precioso valor, a Defesa.