Afinal, punições funcionam?


Quando não há uma devida comunicação da punição para outros potenciais infratores, ou mesmo quando ela se concretiza muito tempo após o cometimento do ato, as chances desta penalidade obter algum efeito dissuasivo futuro diminui.


Por Daniel Espínola, Auditor da Controladoria-Geral da União do Brasil (CGU), mestre em Governança e Desenvolvimento e membro do OBEGEF

As causas de problemas como corrupção e fraude em empresas e no setor público são, em grande parte, frutos de disfunções subjacentes às organizações, sendo raramente frutos de motivações puramente individuais. Desvios de verbas públicas, licitações fraudulentas e funcionários que recebem e exigem valores indevidos são o que observamos na ponta visível do iceberg. Esses casos são muitas vezes resultantes de um longo processo de degradação moral dos colaboradores, de controles internos frágeis e insuficientes, de políticas de comunicação interna igualmente falhas e de um sistema leniente com os desvios detectados – o que em poucos casos são expostos, e combatidos, com a mesma espetacularização das operações de investigação.

Naturalmente, cada situação de fraude e corrupção pode ser analisada como um conjunto particular de incentivos e falhas que envolvem aspectos individuais, ambientais e sociais. Mas a pergunta que nos propomos a fazer é: até que ponto as sanções aplicadas aos envolvidos nestes atos – pessoas físicas e jurídicas – possuem a capacidade de diminuir ocorrências futuras, impactando nas suas causas? Em outros termos, será que a expectativa de uma potencial punição, caso nos comportemos de forma desviante, poderia nos influenciar a ponto de mudar a nossa conduta?

É senso comum entre os órgãos processantes administrativos e judiciais que os procedimentos sancionatórios servem como elementos de dissuasão para novos atos. Ao longo disso, legisladores propõem rotineiramente a criação de novos tipos legais, assim como penalidades mais severas àquelas já existentes, em prol de promover cada vez punições mais “exemplares” aos acusados.

Todavia, a realidade tem demonstrado que os escândalos de fraude e corrupção não parecem diminuir na mesma proporção com que os recursos são despendidos para punir tais atividades. Não somente esses crimes têm sido mais noticiados e investigados, mas nota-se que as empresas e os indivíduos envolvidos em tais atos estão mais céleres em se adaptarem às estratégias de seus investigadores.

De forma apressada podemos concluir que as atuais punições aplicadas a atos de fraude e corrupção seriam ainda insuficientes ou, talvez, inadequadas, e que deveríamos investir mais verbas para processar e julgar esses crimes. É fato que em muitos países tais recursos ainda são insuficientes, mas isso é somente uma parte da resposta para a solução do problema.

A verdade é que punições funcionam, mas talvez de uma forma distinta do que imaginamos e, às vezes, em menor grau do que gostaríamos. Para esclarecer, podemos observar exemplo distinto dos crimes de colarinho branco (“white-collar crimes”): em muitos estados norte-americanos onde a pena capital é aplicada em crimes como homicídio, não se constatou redução das taxas de criminalidade com a adoção dessa medida extrema. Em tipos de crimes semelhantes, mesmo uma punição extrema ainda parece estar longe de ser um fator dissuasivo. O que poderia explicar essa discrepância?

Uma das hipóteses levantadas seria que nos “crimes de paixão”, como os atentados contra a vida, os autores não estariam tão preocupados, no momento do ato criminoso, com as possíveis penalidades. Ademais, há quem levante a hipótese de que penas maiores inclusive poderiam ser um “atrativo” para o cometimento do crime, despertando maior atenção de indivíduos com esse determinado perfil psicológico.

No caso dos criminosos de colarinho branco, punições como a prisão parecem ter um efeito inclusive menos dissuasivo do que para outros tipos de crime. Nesses casos, quando não há uma devida comunicação da punição para outros potenciais infratores, ou mesmo quando ela se concretiza muito tempo após o cometimento do ato, as chances desta penalidade obter algum efeito dissuasivo futuro diminui. Ademais, o pouco uso de penalidades financeiras e econômicas – o que realmente importa para os indivíduos e empresas que praticam fraude e corrupção – ainda são aplicadas de forma insuficiente.

Quando passamos a observar fraudes mais complexas, que envolvem uma cadeia de vários agentes decisórios – tanto pessoas físicas quanto jurídicas – às vezes localizados fora das fronteiras nacionais, pode ser muito difícil determinar as responsabilidades de cada indivíduo de forma específica, assim como suas consequentes punições. Uma sanção isolada a um único elo do esquema criminoso pode ser pouco eficiente para que o ocorrido não se repita no futuro, sendo a estrutura criminosa muito facilmente regenerada.

Os órgãos processantes poderiam se utilizar de procedimentos mais simples, menos custosos e, principalmente, mais céleres em determinadas apurações, tais como termos de ajustamento de conduta (para penalidades de menor potencial ofensivo), punições de pessoas jurídicas envolvidas em atos de fraude e corrupção e até penas alternativas. A ideia por trás dessas inovações processuais seria buscar punições mais brandas e mais frequentes em opção àquelas mais severas e ocasionais, buscando um efeito mais positivo em relação à diminuição de casos semelhantes.

O debate acerca do tema ainda está longe de soluções definitivas. É inegável que as sanções por condutas desviantes são elementos importantes para garantir a confiança nas leis e nas instituições. Todavia, questionar como essas sanções são aplicadas, em que prazo e quais esforços devem ser implementados para além da mera punição individual, buscando sobretudo reduzir a probabilidade que elas se repitam no futuro, devem ser reflexões que os órgãos processantes e legisladores devem se atentar.

Afinal, punições funcionam?


Quando não há uma devida comunicação da punição para outros potenciais infratores, ou mesmo quando ela se concretiza muito tempo após o cometimento do ato, as chances desta penalidade obter algum efeito dissuasivo futuro diminui.


Por Daniel Espínola, Auditor da Controladoria-Geral da União do Brasil (CGU), mestre em Governança e Desenvolvimento e membro do OBEGEF

As causas de problemas como corrupção e fraude em empresas e no setor público são, em grande parte, frutos de disfunções subjacentes às organizações, sendo raramente frutos de motivações puramente individuais. Desvios de verbas públicas, licitações fraudulentas e funcionários que recebem e exigem valores indevidos são o que observamos na ponta visível do iceberg. Esses casos são muitas vezes resultantes de um longo processo de degradação moral dos colaboradores, de controles internos frágeis e insuficientes, de políticas de comunicação interna igualmente falhas e de um sistema leniente com os desvios detectados – o que em poucos casos são expostos, e combatidos, com a mesma espetacularização das operações de investigação.

Naturalmente, cada situação de fraude e corrupção pode ser analisada como um conjunto particular de incentivos e falhas que envolvem aspectos individuais, ambientais e sociais. Mas a pergunta que nos propomos a fazer é: até que ponto as sanções aplicadas aos envolvidos nestes atos – pessoas físicas e jurídicas – possuem a capacidade de diminuir ocorrências futuras, impactando nas suas causas? Em outros termos, será que a expectativa de uma potencial punição, caso nos comportemos de forma desviante, poderia nos influenciar a ponto de mudar a nossa conduta?

É senso comum entre os órgãos processantes administrativos e judiciais que os procedimentos sancionatórios servem como elementos de dissuasão para novos atos. Ao longo disso, legisladores propõem rotineiramente a criação de novos tipos legais, assim como penalidades mais severas àquelas já existentes, em prol de promover cada vez punições mais “exemplares” aos acusados.

Todavia, a realidade tem demonstrado que os escândalos de fraude e corrupção não parecem diminuir na mesma proporção com que os recursos são despendidos para punir tais atividades. Não somente esses crimes têm sido mais noticiados e investigados, mas nota-se que as empresas e os indivíduos envolvidos em tais atos estão mais céleres em se adaptarem às estratégias de seus investigadores.

De forma apressada podemos concluir que as atuais punições aplicadas a atos de fraude e corrupção seriam ainda insuficientes ou, talvez, inadequadas, e que deveríamos investir mais verbas para processar e julgar esses crimes. É fato que em muitos países tais recursos ainda são insuficientes, mas isso é somente uma parte da resposta para a solução do problema.

A verdade é que punições funcionam, mas talvez de uma forma distinta do que imaginamos e, às vezes, em menor grau do que gostaríamos. Para esclarecer, podemos observar exemplo distinto dos crimes de colarinho branco (“white-collar crimes”): em muitos estados norte-americanos onde a pena capital é aplicada em crimes como homicídio, não se constatou redução das taxas de criminalidade com a adoção dessa medida extrema. Em tipos de crimes semelhantes, mesmo uma punição extrema ainda parece estar longe de ser um fator dissuasivo. O que poderia explicar essa discrepância?

Uma das hipóteses levantadas seria que nos “crimes de paixão”, como os atentados contra a vida, os autores não estariam tão preocupados, no momento do ato criminoso, com as possíveis penalidades. Ademais, há quem levante a hipótese de que penas maiores inclusive poderiam ser um “atrativo” para o cometimento do crime, despertando maior atenção de indivíduos com esse determinado perfil psicológico.

No caso dos criminosos de colarinho branco, punições como a prisão parecem ter um efeito inclusive menos dissuasivo do que para outros tipos de crime. Nesses casos, quando não há uma devida comunicação da punição para outros potenciais infratores, ou mesmo quando ela se concretiza muito tempo após o cometimento do ato, as chances desta penalidade obter algum efeito dissuasivo futuro diminui. Ademais, o pouco uso de penalidades financeiras e econômicas – o que realmente importa para os indivíduos e empresas que praticam fraude e corrupção – ainda são aplicadas de forma insuficiente.

Quando passamos a observar fraudes mais complexas, que envolvem uma cadeia de vários agentes decisórios – tanto pessoas físicas quanto jurídicas – às vezes localizados fora das fronteiras nacionais, pode ser muito difícil determinar as responsabilidades de cada indivíduo de forma específica, assim como suas consequentes punições. Uma sanção isolada a um único elo do esquema criminoso pode ser pouco eficiente para que o ocorrido não se repita no futuro, sendo a estrutura criminosa muito facilmente regenerada.

Os órgãos processantes poderiam se utilizar de procedimentos mais simples, menos custosos e, principalmente, mais céleres em determinadas apurações, tais como termos de ajustamento de conduta (para penalidades de menor potencial ofensivo), punições de pessoas jurídicas envolvidas em atos de fraude e corrupção e até penas alternativas. A ideia por trás dessas inovações processuais seria buscar punições mais brandas e mais frequentes em opção àquelas mais severas e ocasionais, buscando um efeito mais positivo em relação à diminuição de casos semelhantes.

O debate acerca do tema ainda está longe de soluções definitivas. É inegável que as sanções por condutas desviantes são elementos importantes para garantir a confiança nas leis e nas instituições. Todavia, questionar como essas sanções são aplicadas, em que prazo e quais esforços devem ser implementados para além da mera punição individual, buscando sobretudo reduzir a probabilidade que elas se repitam no futuro, devem ser reflexões que os órgãos processantes e legisladores devem se atentar.