Uma década para as ciências do mar


É necessária uma visão holística sobre os desafios relacionados com a crise climática e a sobre-exploração deste recurso para garantir a sua sustentabilidade futura.


Os oceanos e os mares ocupam cerca de setenta por cento do nosso planeta. Apesar da sua imensidão e dos avanços científicos das últimas décadas, desconhecemos muitos dos processos que neles acontecem. Sabemos por exemplo que os oceanos são o principal regulador do clima global, fornecem metade do oxigénio que respiramos e absorvem um terço do dióxido de carbono que produzimos. Ainda assim uma grande maioria do oceano continua por explorar e a grande parte dos recursos da coluna de água, do solo marinho e do subsolo continuam por mapear. Conhecer o papel central dos oceanos na sustentabilidade, depende em grande parte da nossa capacidade em desenvolver ciência relacionada com o mar, de utilizar novos métodos de observação e da criação de infraestruturas que permitam desenvolver investigação e desenvolvimento de forma estratégica e sustentável ao longo do tempo.

Portugal poderá desempenhar um papel central para a próxima década no estudo dos oceanos. Possui uma das maiores zonas económicas e exclusivas do mundo e cerca de cinquenta por cento da totalidade das águas marinhas sob jurisdição dos Estados-Membros da União Europeia, e o actual processo de extensão da plataforma continental, para além das 200 milhas náuticas, colocará Portugal num lugar de destaque a nível global. É neste papel que, entre 27 de Junho e 1 de Julho de 2022, Lisboa recebe a Conferência dos Oceanos da ONU , um evento co-organizado pelos governos Português e Queniano. Este encontro de alto nível pretende a mobilização de recursos para o investimento em ciência do mar e o desenvolvimento de soluções inovadoras que contribuam para os objectivos do desenvolvimento sustentável definidos pela ONU, e em particular para a agenda definida na Década dos Oceanos, que agora começa e termina em 2030. Um evento desta dimensão é a oportunidade para a promoção e criação de uma infraestrutura nacional e transversal em ciências do mar que promova a economia azul, a robótica submarina e o desenvolvimento de modelos digitais do oceano que melhorem o conhecimento que temos do presente, permitindo fazer melhores previsões sobre o comportamento dos oceanos no futuro. É necessária uma visão holística sobre os desafios relacionados com a crise climática e a sobre-exploração deste recurso para garantir a sua sustentabilidade futura.

Apesar dos esforços das últimas décadas sob o desígnio do ‘regresso ao mar’, da criação do Ministério do Mar nas suas variadas configurações e da ‘Estratégia Nacional para o Mar 2021-2030’, há ainda um longo caminho a percorrer em áreas emergentes e fortemente tecnológicas como são a biotecnologia azul, as energias renováveis oceânicas ou a robótica marinha. Estas áreas sofrem dificuldades crónicas de escala, de acesso a financiamento que limitam a capacidade de desenvolver projetos inovadores e de transferência de tecnologia que seja competitiva no mercado global.

Um dos esforços necessários será o investimento no desenvolvimento de representações digitais do oceano (digital twins), modelos computacionais capazes de descrever todos os processos que ocorrem naturalmente no oceano nas suas diferentes escalas. Para atingir este objectivo é necessário medir directamente ou indirectamente as propriedades do oceano em tempo real para todas as suas localizações espaciais. Devido à sua imensidão, o recurso a medições indirectas através de dados de observação da Terra, como por exemplo as imagens de satélite, e de dados geofísicos, através do estudo da propagação de ondas acústicas na coluna de água, é uma possibilidade. No entanto, a sua integração em modelos que descrevem as propriedades físicas do oceano é complexa e exige a utilização de técnicas avançadas de ciência de dados espaciais e aprendizagem estatística (machine learning). O Centro de Recursos Naturais e Ambiente (CERENA) do Instituto Superior Técnico pretende contribuir activamente para este objectivo liderando dois projectos de investigação e desenvolvimento com instituições nacionais e internacionais que agora se iniciam. No consórcio SMART, o objectivo é a identificação e modelação espaciotemporal de concentrações plásticos nos oceanos através de imagens de satélite é métodos de aprendizagem profunda. No projecto MMO, um projecto de investigação exploratório em parceria com a Universidade do Texas em Austin, o objectivo é a construção de modelos tridimensionais de muito alta-resolução de temperatura e salinidade através das tais medições indirectas do oceano. Ambos os projectos pretendem desenvolver tecnologia que permita aprofundar o conhecimento actual que temos sobre o oceano e decidir melhor sobre este recurso simultaneamente tão importante e tão frágil.

(1)  https://unric.org/pt/conferencia-dos-oceanos/

 (2) https://utaustinportugal.org/projects/mmo/

 

Professor do Instituto Superior Técnico

Uma década para as ciências do mar


É necessária uma visão holística sobre os desafios relacionados com a crise climática e a sobre-exploração deste recurso para garantir a sua sustentabilidade futura.


Os oceanos e os mares ocupam cerca de setenta por cento do nosso planeta. Apesar da sua imensidão e dos avanços científicos das últimas décadas, desconhecemos muitos dos processos que neles acontecem. Sabemos por exemplo que os oceanos são o principal regulador do clima global, fornecem metade do oxigénio que respiramos e absorvem um terço do dióxido de carbono que produzimos. Ainda assim uma grande maioria do oceano continua por explorar e a grande parte dos recursos da coluna de água, do solo marinho e do subsolo continuam por mapear. Conhecer o papel central dos oceanos na sustentabilidade, depende em grande parte da nossa capacidade em desenvolver ciência relacionada com o mar, de utilizar novos métodos de observação e da criação de infraestruturas que permitam desenvolver investigação e desenvolvimento de forma estratégica e sustentável ao longo do tempo.

Portugal poderá desempenhar um papel central para a próxima década no estudo dos oceanos. Possui uma das maiores zonas económicas e exclusivas do mundo e cerca de cinquenta por cento da totalidade das águas marinhas sob jurisdição dos Estados-Membros da União Europeia, e o actual processo de extensão da plataforma continental, para além das 200 milhas náuticas, colocará Portugal num lugar de destaque a nível global. É neste papel que, entre 27 de Junho e 1 de Julho de 2022, Lisboa recebe a Conferência dos Oceanos da ONU , um evento co-organizado pelos governos Português e Queniano. Este encontro de alto nível pretende a mobilização de recursos para o investimento em ciência do mar e o desenvolvimento de soluções inovadoras que contribuam para os objectivos do desenvolvimento sustentável definidos pela ONU, e em particular para a agenda definida na Década dos Oceanos, que agora começa e termina em 2030. Um evento desta dimensão é a oportunidade para a promoção e criação de uma infraestrutura nacional e transversal em ciências do mar que promova a economia azul, a robótica submarina e o desenvolvimento de modelos digitais do oceano que melhorem o conhecimento que temos do presente, permitindo fazer melhores previsões sobre o comportamento dos oceanos no futuro. É necessária uma visão holística sobre os desafios relacionados com a crise climática e a sobre-exploração deste recurso para garantir a sua sustentabilidade futura.

Apesar dos esforços das últimas décadas sob o desígnio do ‘regresso ao mar’, da criação do Ministério do Mar nas suas variadas configurações e da ‘Estratégia Nacional para o Mar 2021-2030’, há ainda um longo caminho a percorrer em áreas emergentes e fortemente tecnológicas como são a biotecnologia azul, as energias renováveis oceânicas ou a robótica marinha. Estas áreas sofrem dificuldades crónicas de escala, de acesso a financiamento que limitam a capacidade de desenvolver projetos inovadores e de transferência de tecnologia que seja competitiva no mercado global.

Um dos esforços necessários será o investimento no desenvolvimento de representações digitais do oceano (digital twins), modelos computacionais capazes de descrever todos os processos que ocorrem naturalmente no oceano nas suas diferentes escalas. Para atingir este objectivo é necessário medir directamente ou indirectamente as propriedades do oceano em tempo real para todas as suas localizações espaciais. Devido à sua imensidão, o recurso a medições indirectas através de dados de observação da Terra, como por exemplo as imagens de satélite, e de dados geofísicos, através do estudo da propagação de ondas acústicas na coluna de água, é uma possibilidade. No entanto, a sua integração em modelos que descrevem as propriedades físicas do oceano é complexa e exige a utilização de técnicas avançadas de ciência de dados espaciais e aprendizagem estatística (machine learning). O Centro de Recursos Naturais e Ambiente (CERENA) do Instituto Superior Técnico pretende contribuir activamente para este objectivo liderando dois projectos de investigação e desenvolvimento com instituições nacionais e internacionais que agora se iniciam. No consórcio SMART, o objectivo é a identificação e modelação espaciotemporal de concentrações plásticos nos oceanos através de imagens de satélite é métodos de aprendizagem profunda. No projecto MMO, um projecto de investigação exploratório em parceria com a Universidade do Texas em Austin, o objectivo é a construção de modelos tridimensionais de muito alta-resolução de temperatura e salinidade através das tais medições indirectas do oceano. Ambos os projectos pretendem desenvolver tecnologia que permita aprofundar o conhecimento actual que temos sobre o oceano e decidir melhor sobre este recurso simultaneamente tão importante e tão frágil.

(1)  https://unric.org/pt/conferencia-dos-oceanos/

 (2) https://utaustinportugal.org/projects/mmo/

 

Professor do Instituto Superior Técnico