Marcelo é o único contrapoder que existe


Costa deveria ocidentalizar a governação uma vez neutralizados o Bloco, o PCP e Pedro Nuno Santos. Chega poderá ter um vice-presidente da AR. Travar a regionalização deveria ser o novo desígnio do PSD.


1. A inesperada maioria absoluta de António Costa e o naufrágio do PAN, do Bloco e do PCP (a que se junta o desaparecimento dos Verdes) permitem ao PS abandonar radicalismos de esquerda a que estava obrigado pelos seus parceiros da defunta ‘‘geringonça’’. Internamente, Costa vê-se também liberto do truculento Pedro Nuno Santos, que deixa de ter o peso que ele se auto atribuía e que os média cultivavam. Pedro Nuno fica para já anulado. Certamente que Costa quererá mantê-lo no Governo para melhor o controlar. Nestas novas circunstâncias, o Governo de Costa pode ocidentalizar-se e fazer algumas reformas essenciais, designadamente em campos como a saúde, abandonando a cegueira coletivista e abrindo novamente portas à complementaridade pública e privada. António Costa está agora à vontade para desenvolver uma faceta governativa europeia, reformista e menos dogmática. Tornar-se mais próximo dos socialistas europeus e menos terceiro-mundista, em suma.

Objetivamente, doravante, só o Presidente Marcelo fica com autoridade e espaço de manobra para travar os apetites vorazes da máquina socialista, que não se faz rogada em ocupar todos os lugares do Estado, do porteiro ao ministro. O próprio Costa reconheceu esse poder de Marcelo, antes e depois das eleições. A análise dos resultados mostra, curiosamente, que a direita até cresceu, mas que os portugueses acharam útil confiar em António Costa, o que não é a mesma que dar o voto ao PS. É o típico caso em que o líder vale mais do que o partido. Como aqui se referiu várias vezes nas últimas semanas, foi um erro ter havido uma convergência esquerda/direita para rejeitar o Orçamento do Estado, sabendo de antemão que o presidente procederia à convocação de eleições.

Pode-se imaginar que este não é o resultado que Marcelo desejava, mas não se pode negar que a nova composição da Assembleia justificou a dissolução, uma vez que não se deu o impasse que todos (inclusivamente o cronista) tinham previsto, apoiando-se mais uma vez em sondagens incompetentes. Existem a partir de agora duas maiorias: a governativa de Costa e a presidencial de Marcelo. Assim decidiram os portugueses que são coletivamente mais dissimulados do que parecem. Rejeitaram o cenário que os estudos apresentavam e optaram pela procura da estabilidade à esquerda, ainda que – repita-se – a direita tenha crescido. No cubículo de voto, a soma das escolhas individuais para primeiro-ministro pendeu para Costa em vez de Rio. Isto apesar de o líder socialista lhes ter servido dois governos guarnecidos de um raro somatório de nulidades, com uma estrutura orgânica mal desenhada. Esperemos que do lápis de António Costa saia agora um esboço mais percetível e equilibrado. Já não era mau. 

2. Ao votarem como o fizeram, certamente que muitos portugueses mostraram que querem estabilidade e que não perceberam a estratégia de deitar abaixo o Governo. Mas terá também contribuído para isso uma avaliação positiva, senão da governação, pelo menos do esforço que foi feito para que quase todos nós estejamos hoje vacinados e relativamente protegidos da devastadora covid. A campanha de vacinação deve ter sido das coisas que mais contribuíram para o resultado de António Costa, mesmo que todos sintam que nas restantes áreas da saúde estejamos pior que nunca.

3. Além do PS, só o Chega e a IL podem cantar vitória e ficar na oposição a faturar, enquanto o PSD se prepara para inevitavelmente passar por uma das suas crises cíclicas. É até previsível que de imediato ou a prazo algumas das primeiras figuras que Rio trouxe para as listas se retirem para as suas tarefas profissionais, certamente mais rentáveis e menos incómodas do que a política parlamentar. O PSD precisa nesta fase de alguém que tenha sobretudo o espírito de sacrifício e a dignidade de pegar no barco e remar contra a corrente. É essencial que essa figura seja respeitada interna e externamente, sendo altamente desejável que tenha assento no Parlamento, onde se trava o combate político, se apresentam alternativas e onde os sociais-democratas não podem perder a visibilidade para o Chega e os liberais.

Veremos se alguém dá o passo e o corpo às balas naquela que seria a batalha mais difícil em muitos anos, depois da que bravamente Manuela Ferreira Leite travou quando decidiu enfrentar Sócrates, a quem tirou a maioria absoluta, apesar de ter tido uma adversidade interna jamais vista. É provável que Rio se mantenha em funções para organizar provisoriamente o grupo parlamentar e a sua sucessão de forma a não dar ideia de deserção, o que não faz o seu estilo.

Mas é desejável que intervenha o menos possível e impensável que lhe passe pela cabeça ficar, a fim de não destruir ainda mais o partido de Sá Carneiro e que deu duas maiorias absolutas a Cavaco Silva. Há várias soluções para o PSD, sem que se passe de imediato para diretas e congresso. Portugal todo enjoaria de vez o PSD, se houvesse mais uma campanha interna de gritaria nos próximos tempos. Serenidade e maturidade coletivas são essenciais. Há momentos em que o bom senso deve sobrepor-se ao imediatismo. Este é um deles.

4. Para o PSD e o centro-direita, o primeiro confronto político com o PS e uma parte da esquerda é travar o projeto de regionalização. Há que lutar firmemente para que nada avance sem que se volte a referendar o tema para definitivamente deitar borda fora a questão, por mais constitucional que ela seja. Portugal não precisa de se regionalizar para ser governado competentemente. De uma forma ou de outra, regionalizar seria sempre criar mais postos e lugares políticos e isso é altamente indesejável e até perigoso para a democracia. A batalha contra a regionalização, que os portugueses não reclamam, não pode ser deixada para o Chega e a sua campanha contra a multiplicação de tachos no Estado. Já temos mais de 740 mil funcionários públicos diretos e muitos outros indiretos. É preciso distribuí-los e colocá-los onde fazem falta.

5. A morte do CDS foi decretada no dia 30 de janeiro 2022. Nem vai haver dinheiro para pagar as despesas da sede e os funcionários. O CDS morreu quando o PSD rejeitou uma coligação, depois de Rodrigues dos Santos ter procedido a uma purga estalinista interna, que levou a deserções sucessivas. Se tivesse havido sensatez nas hostes centristas e se o PSD tivesse aceitado listas conjuntas, talvez o PS não tivesse obtido tão inesperadamente uma maioria absoluta que deverá chegar aos 119 deputados, contando com os dois que provavelmente os socialistas conquistarão nos círculos da emigração. RIP CDS. Uma pena!

6. Ninguém ainda o disse, mas pela lógica que tem sido seguida nas anteriores legislativas o Chega e a IL vão ter direito a uma vice-presidência cada um da Assembleia. Imaginem o que será a reação da extrema-esquerda no dia em que um deputado do Chega dirigir os trabalhos.

Marcelo é o único contrapoder que existe


Costa deveria ocidentalizar a governação uma vez neutralizados o Bloco, o PCP e Pedro Nuno Santos. Chega poderá ter um vice-presidente da AR. Travar a regionalização deveria ser o novo desígnio do PSD.


1. A inesperada maioria absoluta de António Costa e o naufrágio do PAN, do Bloco e do PCP (a que se junta o desaparecimento dos Verdes) permitem ao PS abandonar radicalismos de esquerda a que estava obrigado pelos seus parceiros da defunta ‘‘geringonça’’. Internamente, Costa vê-se também liberto do truculento Pedro Nuno Santos, que deixa de ter o peso que ele se auto atribuía e que os média cultivavam. Pedro Nuno fica para já anulado. Certamente que Costa quererá mantê-lo no Governo para melhor o controlar. Nestas novas circunstâncias, o Governo de Costa pode ocidentalizar-se e fazer algumas reformas essenciais, designadamente em campos como a saúde, abandonando a cegueira coletivista e abrindo novamente portas à complementaridade pública e privada. António Costa está agora à vontade para desenvolver uma faceta governativa europeia, reformista e menos dogmática. Tornar-se mais próximo dos socialistas europeus e menos terceiro-mundista, em suma.

Objetivamente, doravante, só o Presidente Marcelo fica com autoridade e espaço de manobra para travar os apetites vorazes da máquina socialista, que não se faz rogada em ocupar todos os lugares do Estado, do porteiro ao ministro. O próprio Costa reconheceu esse poder de Marcelo, antes e depois das eleições. A análise dos resultados mostra, curiosamente, que a direita até cresceu, mas que os portugueses acharam útil confiar em António Costa, o que não é a mesma que dar o voto ao PS. É o típico caso em que o líder vale mais do que o partido. Como aqui se referiu várias vezes nas últimas semanas, foi um erro ter havido uma convergência esquerda/direita para rejeitar o Orçamento do Estado, sabendo de antemão que o presidente procederia à convocação de eleições.

Pode-se imaginar que este não é o resultado que Marcelo desejava, mas não se pode negar que a nova composição da Assembleia justificou a dissolução, uma vez que não se deu o impasse que todos (inclusivamente o cronista) tinham previsto, apoiando-se mais uma vez em sondagens incompetentes. Existem a partir de agora duas maiorias: a governativa de Costa e a presidencial de Marcelo. Assim decidiram os portugueses que são coletivamente mais dissimulados do que parecem. Rejeitaram o cenário que os estudos apresentavam e optaram pela procura da estabilidade à esquerda, ainda que – repita-se – a direita tenha crescido. No cubículo de voto, a soma das escolhas individuais para primeiro-ministro pendeu para Costa em vez de Rio. Isto apesar de o líder socialista lhes ter servido dois governos guarnecidos de um raro somatório de nulidades, com uma estrutura orgânica mal desenhada. Esperemos que do lápis de António Costa saia agora um esboço mais percetível e equilibrado. Já não era mau. 

2. Ao votarem como o fizeram, certamente que muitos portugueses mostraram que querem estabilidade e que não perceberam a estratégia de deitar abaixo o Governo. Mas terá também contribuído para isso uma avaliação positiva, senão da governação, pelo menos do esforço que foi feito para que quase todos nós estejamos hoje vacinados e relativamente protegidos da devastadora covid. A campanha de vacinação deve ter sido das coisas que mais contribuíram para o resultado de António Costa, mesmo que todos sintam que nas restantes áreas da saúde estejamos pior que nunca.

3. Além do PS, só o Chega e a IL podem cantar vitória e ficar na oposição a faturar, enquanto o PSD se prepara para inevitavelmente passar por uma das suas crises cíclicas. É até previsível que de imediato ou a prazo algumas das primeiras figuras que Rio trouxe para as listas se retirem para as suas tarefas profissionais, certamente mais rentáveis e menos incómodas do que a política parlamentar. O PSD precisa nesta fase de alguém que tenha sobretudo o espírito de sacrifício e a dignidade de pegar no barco e remar contra a corrente. É essencial que essa figura seja respeitada interna e externamente, sendo altamente desejável que tenha assento no Parlamento, onde se trava o combate político, se apresentam alternativas e onde os sociais-democratas não podem perder a visibilidade para o Chega e os liberais.

Veremos se alguém dá o passo e o corpo às balas naquela que seria a batalha mais difícil em muitos anos, depois da que bravamente Manuela Ferreira Leite travou quando decidiu enfrentar Sócrates, a quem tirou a maioria absoluta, apesar de ter tido uma adversidade interna jamais vista. É provável que Rio se mantenha em funções para organizar provisoriamente o grupo parlamentar e a sua sucessão de forma a não dar ideia de deserção, o que não faz o seu estilo.

Mas é desejável que intervenha o menos possível e impensável que lhe passe pela cabeça ficar, a fim de não destruir ainda mais o partido de Sá Carneiro e que deu duas maiorias absolutas a Cavaco Silva. Há várias soluções para o PSD, sem que se passe de imediato para diretas e congresso. Portugal todo enjoaria de vez o PSD, se houvesse mais uma campanha interna de gritaria nos próximos tempos. Serenidade e maturidade coletivas são essenciais. Há momentos em que o bom senso deve sobrepor-se ao imediatismo. Este é um deles.

4. Para o PSD e o centro-direita, o primeiro confronto político com o PS e uma parte da esquerda é travar o projeto de regionalização. Há que lutar firmemente para que nada avance sem que se volte a referendar o tema para definitivamente deitar borda fora a questão, por mais constitucional que ela seja. Portugal não precisa de se regionalizar para ser governado competentemente. De uma forma ou de outra, regionalizar seria sempre criar mais postos e lugares políticos e isso é altamente indesejável e até perigoso para a democracia. A batalha contra a regionalização, que os portugueses não reclamam, não pode ser deixada para o Chega e a sua campanha contra a multiplicação de tachos no Estado. Já temos mais de 740 mil funcionários públicos diretos e muitos outros indiretos. É preciso distribuí-los e colocá-los onde fazem falta.

5. A morte do CDS foi decretada no dia 30 de janeiro 2022. Nem vai haver dinheiro para pagar as despesas da sede e os funcionários. O CDS morreu quando o PSD rejeitou uma coligação, depois de Rodrigues dos Santos ter procedido a uma purga estalinista interna, que levou a deserções sucessivas. Se tivesse havido sensatez nas hostes centristas e se o PSD tivesse aceitado listas conjuntas, talvez o PS não tivesse obtido tão inesperadamente uma maioria absoluta que deverá chegar aos 119 deputados, contando com os dois que provavelmente os socialistas conquistarão nos círculos da emigração. RIP CDS. Uma pena!

6. Ninguém ainda o disse, mas pela lógica que tem sido seguida nas anteriores legislativas o Chega e a IL vão ter direito a uma vice-presidência cada um da Assembleia. Imaginem o que será a reação da extrema-esquerda no dia em que um deputado do Chega dirigir os trabalhos.