Manuel Soares: “Há trabalho que tem de ser feito nos tribunais”

Manuel Soares: “Há trabalho que tem de ser feito nos tribunais”


“O tribunal é o juiz, de beca, na sala de audiências, com todo o simbolismo que isso representa”, defende o presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses.


O afastamento dos juízes dos tribunais físicos é, na sua opinião, um fator que faz decair a qualidade da Justiça em Portugal?

Há trabalho que já se fazia remotamente há anos e se pode continuar a fazer, como a tramitação electrónica dos processos. Mas há muito trabalho que tem de ser feito nos tribunais, como diligências e julgamentos, consulta de processos e reuniões de coordenação com juízes, órgãos de gestão e funcionários. Fora da situação de excepção, a presença dos juízes nos tribunais não pode reduzir-se para além do razoável. Um julgamento por teleconferência não oferece as mesmas garantias de qualidade na produção e apreciação da prova e na ponderação dos argumentos das partes. Se continuarmos por aí vamos acabar mal.

É possível que, se inicialmente se pensou que o teletrabalho pudesse ser uma dádiva, esteja agora a ser a fonte deste ‘afastamento’ e desta ‘desumanização’ da Justiça?

A situação no setor da Justiça não difere muito de outras funções públicas. O país não podia parar e foi preciso encontrar soluções de recurso. Mas numa actividade eminentemente humana, como a administração da justiça, o teletrabalho tem de ser uma ferramenta ao serviço da função e não um objectivo em si mesmo. Tem de ser a excepção e não a regra. O tribunal não é um edifício com paredes e tecto, igual a qualquer repartição pública. O tribunal é o juiz, de beca, na sala de audiências, com todo o simbolismo que isso representa.

O que o leva a dizer que as situações que nomeou no artigo (o juiz a 300km, os julgamentos com o coletivo de juízes disperso) são ‘inaceitáveis’?

As situações que chegaram ao meu conhecimento são excepcionais e estão relacionadas com as restrições da pandemia. O CSM também falou nisso no recente encontro em Beja e terá informação mais completa. Apesar de serem casos pontuais, somos juízes e temos a obrigação de olhar primeiro para o interesse dos destinatários da função que exercemos. Daí a minha intervenção pedagógica, chamando a atenção para os nossos deveres, não apenas os legais mas também os éticos.

O que é que acha que tem levado à ‘multiplicação’ – como defende – destes casos? Preguiça? Comodidade?

Durante muitos meses os juízes foram ‘empurrados’ para o teletrabalho. Em muitos casos queriam mesmo fazer as diligências presencialmente mas não tinham adesão dos outros intervenientes. O sentido de dever e a tentativa de fazer o mais possível, mesmo nas condições difíceis que se viviam, foi o que permitiu que o sistema de justiça não entrasse em colapso. Só que o prolongamento da situação de excepção e as incertezas que isso gerou criaram rotinas que foi difícil romper. Neste momento, a informação que tenho diz-me que a situação está a normalizar-se. Esses adjectivos não são minimamente adequados para descrever o que se passou.

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