Better.com. Após despedir 900 pessoas por Zoom, CEO é afastado

Better.com. Após despedir 900 pessoas por Zoom, CEO é afastado


Matthew Kaczor e Christian Chapman, dois dos trabalhadores demitidos, conversaram com o i sobre a insensibilidade de Vishal Garg e os planos que traçam.


Depois de ter despedido 900 pessoas via videochamada, no Zoom, o CEO da Better.com Vishal Garg foi afastado do cargo. No entanto, volvidos onze dias, Christian Chapman e Matthew Kaczor, funcionários da empresa do ramo hipotecário, explicam ao i que não conseguem aceitar a forma como foram dispensados e frisam que o empresário somente se despediu daqueles que ficaram e não daqueles que, subitamente, se viram sem emprego.

“Sinceramente, gostei de trabalhar lá. Fiquei apenas um mês e meio, mas gastei esse tempo a aprender um novo sistema e cultura. Eu realmente gostei dos benefícios e das pessoas com quem interagi e posso dizer que nunca fui maltratado”, começa por revelar Matthew Kaczor, licenciado em Justiça Criminal pela Madonna University, no Michigan, mas que trabalha desde 2016 nesta área. 

“Fomos informados às 11h45 de que teríamos uma reunião com o CEO dali a 30 minutos e que a presença era obrigatória. Por ser um novo funcionário, esperava que fosse mais um encontro com o CEO. Eu não tinha a menor ideia do que realmente me esperava. Nunca me passou pela cabeça que a empresa que estava contratando ativamente e que acabara de me contratar sofreria demissões em massa”, diz com a desilusão notória na voz indo ao encontro da perspetiva transmitida pelo colega Christian Chapman – formado em Enfermagem – que, em entrevista ao i, no passado dia 10 de dezembro, frisou que não haviam sido “informados da programação e houve uma confusão antes, durante e depois” da transmissão da mensagem de Garg.

“Na minha perspetiva, a reunião foi um pouco bizarra. O CEO falou principalmente sobre si mesmo e como despedir-nos era difícil para ele. A minha reação imediata foi a um comentário que ele havia feito: ‘A primeira vez que demiti pessoas, chorei. Desta vez espero ser mais forte’. Foi estranho de se fazer”, constata, sendo que se refere à curta intervenção de três minutos levada a cabo pelo homem.

“Olá a todos, obrigado por participarem. Não venho até vós com boas notícias. O mercado mudou, como sabem, e temos que seguir em frente para sobreviver e para que possamos continuar a prosperar e a cumprir a nossa missão. Esta não é uma notícia que vão querer ouvir, mas, no final de contas, foi a minha a decisão e eu queria que a ouvissem de mim. Foi uma decisão muito, muito desafiadora de se tomar. Esta é a segunda vez na minha carreira que estou a fazer isto e não o quero fazer. Da última vez que fiz isto, chorei. Desta vez, espero ser mais forte. Vamos demitir cerca de 15% da empresa por vários motivos: o mercado, a eficiência, o desempenho e a produtividade. Se está nesta chamada, faz parte do azarado grupo que vai ser despedido. O seu contrato foi alvo de rescisão com vigência imediata”.

O lado negro do “mundo virtual altamente remoto” “Ele quis mostrar a 900 pessoas que demiti-las antes do Natal não o afetaria tanto quanto mandar embora funcionários anteriormente”, realça, admitindo que, por este motivo, “estava totalmente descrente” e não percebia como é que podia fazer sentido ter trabalhado durante poucas semanas e ser quase imediatamente dispensado.

“A reunião foi realizada por meio de um webinar noZoom. Portanto, não nos foi dada uma opção para ativar o som ou comentar. Assim que a reunião acabou, o meu computador desligou-se e eu fui desligado da empresa e dos meus colegas de equipa. Isso deixou-me confuso, nervoso, preocupado e sozinho”, refere, alinhando-se novamente com Chapman que já havia avançado que a videochamada tinha sido “terminada sem ter tido a oportunidade de colocar nenhuma pergunta”. 

Os dois, à semelhança dos restantes colegas, apenas receberam um e-mail da empresa cinco horas depois de terem ouvido Garg. Estas falhas de comunicação não surpreendem Kaczor que, no decorrer de seis semanas, não teve qualquer interação com o CEO. “Fiquei muito surpreendido”, aponta, fazendo os mesmos desabafos que Chapman. Este último observou que “como CEO, era vulgar e costumava dizer palavrões, mas era ágil e cheio de energia. Às vezes, agia com superioridade”.

Ainda assim, continua a considerar que este despedimento súbito de centenas de pessoas é “surpreendente”, até porque a única coisa que lhes foi dito que receberiam, inicialmente, era o montante equivalente a um ordenado. 

“Recebemos uma compensação que, após a exposição negativa da situação nos media, foi aumentada. Mesmo que tenha sido apenas uma manobra de relações públicas, apreciei o aumento. Definitivamente aliviou o stresse. Não terei que me preocupar em decidir entre contas e presentes de Natal para os meus filhos”, afirma o trabalhador que não compreende aquilo em que Garg estava a pensar quando emitiu o pedido de desculpas.

“Não correu bem. O pedido foi destinado aos funcionários que se mantiveram e não àqueles que foram demitidos”, lamenta, não considerando que os atos cometidos por Garg sejam “de cobardia” mas sim um exemplo “da  natureza do mundo em que vivemos”, isto é, “um mundo virtual altamente remoto”.

“Eu não tive nenhum problema em ser avisado sobre a demissão. Acho que o principal problema que tive foi a forma como a mensagem foi entregue: foi fria, curta e fomos impedidos de expressar a nossa opinião. As pessoas podem ser despedidas de forma adequada por Zoom: esta não foi a maneira correta e ele devia ter falado com grupos menores para facilitar a comunicação e ter permitido que lhe fizessem perguntas”, adianta, sendo que Chapman, pai de cinco filhos, sentiu que nascia em si um sentimento de revolta ainda maior.

“Ele foi direto ao ponto e senti que levei um pontapé no estômago. Será que aquilo estava realmente a acontecer? Por que faltou empatia? Vishal apenas trocou empatia por dólares: é este o capitalismo no seu pior?”, questionou quando conversou com o i pela primeira vez. “Fiquei muito confuso e questionei se devia estar naquela chamada. E, de repente, a mesma foi terminada sem eu ter tido a oportunidade de colocar nenhuma pergunta”, desabafou o residente em McKinney, cidade do estado norte-americano do Texas.

“Tenho planos para continuar a minha carreira e atualmente estou à procura de emprego. Tenho muito a oferecer a qualquer empresa que arrisque contratar-me. Espero ter algo até ao final do ano. Um dos meus ditados populares favoritos, basicamente, mostra que, se alguém se preocupa com os seus trabalhadores, eles preocupar-se-ão com o chefe, a empresa, a missão e os objetivos desta”, conclui, congratulando os colegas que continuam a dar o seu melhor na Better.com. “Essas pessoas são incríveis e merecem um líder que se preocupe com elas tanto quanto eles se preocupam com a missão e os objetivos da empresa”.

O cargo de CEO foi atribuído temporariamente ao CFO Kevin Ryan. Na rede social LinkedIn, Chapman e Kaczor – através de publicações escritas mas também de vídeos – têm apelado às suas redes de contactos que lhes deem uma oportunidade assim como aos restantes colegas que ficaram sem emprego, tendo esperança de que o seu percurso seja reconhecido.