Dizia alegremente a brochura que o Nyassa era o vapor aconselhado para a viagem de senhoras em virtude de ser, de todos os nacionais, aquele que tem maior estabilidade para o mar. Ou seja, partia-se do princípio que as senhoras tinham maiores dificuldades para lidar com os enjoos e, consequentemente, mais propícias a regurgitar as refeições servidas com requinte na viagem que levaria o paquete de Lisboa até ao Funchal. Estava-se a caminho do ano novo e preparavam-se os revelhões, como se dizia por cá. Já se sabe que os da Madeira tinham aquele brilho que só os fogos de artifício lhes dão, pelo que a procura era muita.
Voltemos à publicidade, que era do quilé: “A mais completa e mais barata excursão COM TUDO COMPREENDIDO, visto ser feita sem qualquer intuito comercia”. Bem, aqui a porca parecia torcer o rabo, mas cada um sabia de si e naquilo em que verdadeiramente acreditar.
Que estávamos perante um magnífico navio, isso era inegável. E, convenhamos, uma viagem de ida e volta de Lisboa ao Funchal também não era assim tão assustadora, fazia-se em quatro dias, com a alegre festarola pelo meio. E não só. Os promotores do evento prometiam mundos e fundos: passeios aos mais pitorescos pontos da ilha, tais como – Monte, Terreiro da Luta, Poiso, Ribeiro Frio, Balcões, Faial, Porto da Cruz, Portela, Santo da Serra (de onde, salientava-se, se divisava Machico, Santa Cruz e Caniço), Camacha, etc., etc., etc. Os três etecéteras eram bastante encantadores, há que conceder. Jogo publicitário no seu melhor como se as maravilhas não tivessem fim.
Mas não se ficavam por aqui os entreténs de quem já sabia que iria embarcar numa viagem que, decididamente, não tinha o lucro como finalidade. “ALMOÇOSEMTERRA nos dias das excursões, no célebre restaurante Esplanada do Terreiro da Luta e na Casa de Chá do Ribeiro Frio. Bailes a bordo do NYASSA, no Ateneu Comercial do Funchal, na Quinta Vigia (Casino), no Bela Vista Hotel, etc., etc.” Confesso que a redução de um terço dos etecéteras me deixou de orelhas em bico. Seria a diversidade da dança menor do que a dos encontros prandiais? Só quem lá esteve poderá confirmar. E muitos anos passaram entretanto.
Contas No meio da farândola de toda esta felicidade embarcadiça, surgiam umas contabilidades bem calculadas. “Os passeios acima, almoços, bailes, etc., etc., custam à organização cerca de 200.000$00 (duzentos contos)”. Curiosamente, ficando toda a gente a saber as despesas com que a organização iria arcar, não surgia, na linha de baixo, o valor a pagar por cada cliente. Algo que nos obriga a ler o panfleto até ao fim, tentando descobrir, afinal, quantos portugueses teriam bolsos para suportar esta aventura que marcaria de forma indelével a entrada em 1950?
Em seguida o aviso: “ATENÇÃO – Os excursionistas da 1ª classe ficam ficarão hospedados noBela Vista Hotel e no New Avenue Hotel com todas as despesas pagas pela organização”. Homessa! Então e a malta de 2ª? E de 3º? Nem uma palavrinha de consolo? Nem a garantia de que poderiam dormir sossegadamente a bordo, no conforto dos seus beliches? Definitivamente, esta campanha publicitária teria muitas dificuldades em escapar ao crivo de uma inspecção rigorosa. A informação era só para uns? Nada para os outros? E ainda por cima para uns que, pura e simplesmente, estavam dispensados de pagar despesas de cama e roupa lavada. O Nyassa partia para o Funchal, largando a Barra do Tejo, com alguns segredos por contar. Mas era tempo de folia, ninguém parecia preocupar-se muito com falhas de comunicação. Afinal não se tratava de uma notícia, obrigada a fornecer todos os pormenores. Apenas um anúncio. Depois, quem comprasse o bilhete, logo veria o que estaria escrito nas letrinhas mais pequenas, se é que as havia. Apesar de tudo, um item importante: “DESCONTOS – Aos excursionistas de 1ª e 2ª classe que pretendam apenas utilizar-se somente da passagem de ida e volta”. Muito bem, quem não queria farra não tinha de a pagar. Mais do que justo, saliente-se, já que a bordo do Nyassa embarcariam igualmente muitos funcionários públicos que, colocados na Madeira, eram obrigados a deslocarem-se do continente para a ilha e da ilha para o continente mais vezes, por certo, do que aquilo que seria sua vontade.
Com este ponto bem esclarecido, restava anunciar onde estavam disponíveis os lugares para que os eventuais clientes quisessem dissipar algumas dúvidas. Vinha no item INFORMAÇÕES: “No Porto – Centro Madeirense do Porto – Rua de Santa Catarina, 61, 3º; Clube Fenianos Portuense e Ateneu Comercial do Porto. Em Lisboa – Casa Pathé Baby Portugal Lda. – Rua de São Nicolau, 22, telefone 20921”. E uma fundamental nota derradeira, não fosse cá por coisas: “Continuamos a garantir o atraque do NYASSA ao Molhe da Pontinha. Todavia, nós, como madeirenses, lamentamos a exploração da ignorância do público sobre o assunto atraque e não-atraque”. Ora pepinos! Um puxão de orelhas para encerrar a matéria? Logo sobre o problema do atraque e não-atraque? Era encanitante. Não restavam dúvidas que, chegada ao fim da brochura, houvesse muita gente a querer fazer perguntas. A linha 20921 deve ter ficado entupida durante muitas horas. Se é que alguém atendia o telefone na Rua de São Nicolau…