Nota prévia: ainda não se percebe bem a gravidade da variante Ómicron da covid. Sabe-se que circula mais depressa do que as anteriores. A mutação está a gerar um movimento transnacional de pânico inesperado e confirma que a pandemia só desaparecerá quando a vacinação se massificar nos países mais pobres, designadamente africanos. Para evitar ser afetado, o mundo rico tem de ajudar o mais pobre, na pandemia como na emigração ilegal, mesmo que não o faça por razões humanitárias, o que aliás é recorrente. A covid em geral exige um reforço da profilaxia. A nova estirpe e a multiplicação de contágios impõem a aceleração da vacinação primária e dos seus reforços, processo que não tem corrido bem, embora haja uma melhoria nos últimos dias. Os portugueses não parecem disponíveis para sacrificar o Natal, enquanto governo e empresários do turismo e restauração contam fortemente com a receita do fim do ano para atenuar perdas. Veremos em janeiro se a retoma pode continuar ou não.
1. Munido do canudo de doutoramento que se auto atribuiu pela vitória nas diretas, Rui Rio vai agora prestar provas de agregação. E não há nada como clarificar os objetivos, coisa que ele só fez genericamente. Para obter o grau máximo, e até para se sentar na Cátedra de António Costa, as metas de Rio são óbvias. Compete-lhe ganhar as legislativas de 30 de janeiro, obter para o PSD sozinho mais lugares de deputados do que o PS e criar condições de governabilidade, mesmo sem maioria absoluta. Para tal, Rio conta com um PSD relativamente pacificado, uma vez que Rangel e o seu núcleo aceitaram a derrota à justa, a mais curta de sempre em diretas. O PSD está, no entanto, partido ao meio. Rio gosta e alimenta-se disso. Confirmou-o na noite eleitoral quando provocatoriamente preferiu enfatizar que Rangel lhe tinha ligado a assumir a derrota, em vez acentuar que telefonara para o felicitar. Falta, entretanto, saber como vai ser o alinhamento dos delegados ao congresso (se é que Rio não vai tentar adiá-lo) e ver se o líder reeleito tem em conta os resultados da votação interna na elaboração das listas deputados, um tema hipersensível em qualquer partido. Se Rio for pelo “quero, posso e mando”, então a trégua dura pouco. Nas entrevistas à pressão que deu segunda-feira não deu sinais de conciliação, antes pelo contrário. Ficou implícita a ideia de uma limpeza nas listas, baseada no conceito de lealdade definido fundamentalmente por Rio. A imagem do saco de gatos é uma benesse para o Chega e o Iniciativa Liberal. Desde domingo, o clima nacional é de legislativas. Nele, contrariamente ao que sucedeu nas diretas, Rio não vai contar com um aparelho instalado e os meios que o poder faculta, como carros, motoristas, telefones e funcionários, usados sempre com o pretexto de que não estava a fazer campanha interna, mas a correr para primeiro-ministro. Os resultados das diretas mostram que também Rio foi beneficiado por sindicatos de voto que lhe deram, por exemplo, vitórias expressivas em Ovar e Barcelos, coutadas de Malheiro. Tão pouco haverá a repetição de um voto conservador, que provavelmente prejudicou Rangel, pelo facto de ter assumido a sua homossexualidade, depois de uma campanha negra iniciada logo que houve a certeza de que avançaria. Nessas matérias, em Portugal, o mais que se permite na política é a máxima americana usada nos meios militares: “Don’t ask don’t tell”. Na corrida a S. Bento, Rio também não deverá contar com sondagens televisivas fofinhas postas a circular antes mesmo de chegarem à ERC, anunciando que ele era melhor candidato a chefe do governo. Com Costa e a máquina do PS, a coisa vai fiar mais fino. Claro que Rio é um candidato temível. Claro que a sua vitória o embalou e mobilizou o PSD. Agora é só levar as tropas a mais uma vitória e quem serão os principais generais. Para um doutorado, é canja!
2. António Costa tem com Rio uma dupla situação. Por um lado, tem o adversário mais temível em campanha eleitoral. Por outro, tem nele, se ganhar, uma figura disponível para acordos pontuais ou gerais e que já deu sinais de querer ficar no parlamento, se não perder por muito. Costa vai obviamente usar ainda mais do que habitualmente todos os meios ao seu alcance, incluindo os públicos. No cardápio constam: controlo da comunicação, utilização da propaganda governativa focada nele próprio, divulgação de indicadores simpáticos, medidas populares para o futuro e, claro, a exploração do potencial positivo que uma situação pandémica pode gerar, tapando os lados negativos como a degradação do SNS. Vai valer tudo! Outro trunfo de Costa estará no combate pelo voto útil da esquerda, uma vez que o líder socialista representa a única parte dela capaz de formar governo, seja maioritário ou minoritário. Já o seu calcanhar de Aquiles é o governo que encabeça. A coleção completa dos 79 cromos que o acolitam é uma desgraça completa e uma sorte para os partidos da oposição, de direita e de esquerda, que podem dedicar-se ao tiro ao boneco ganhando pontos em todas as áreas. A verdade, porém, é que Costa aparece, mesmo assim, como um político hábil e competente. Uma espécie de ás de trunfo num naipe péssimo. Mas ele que se cuide, porque o jogo vira muito mais vezes do que se pensa. A 30 de janeiro saberemos, ou talvez não…
3. Os legisladores portugueses são do melhor que há para decretar coisas absurdas e impossíveis de cumprir, mas decorativas. É legislar a granel para impressionar pacóvios. Há uns anos fez-se uma lei que punia quem atirasse beatas para o chão. As beatas, que levam dez anos a desaparecer, acumulam-se aos milhares de milhões e houve meia dúzia de multas. É mais fácil alguém ganhar o Euromilhões do que ser multado por atirar uma beata para o chão! Ainda por cima, o Estado farta-se de ganhar dinheiro com os fumadores e as tabaqueiras, mas não arranja uma forma de recolha e reciclagem. Basta olhar para um qualquer passeio para verificar a lixeira venenosa sobre a qual andamos. Há muito por fazer neste caso concreto, começando naturalmente pela educação cívica e a existência de cinzeiros. Num campo totalmente diferente, saiu há dias uma portaria governamental caricata. Atribui ao IRHU (Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana) competências de fiscalização do arrendamento habitacional, cabendo-lhe reportar a quem de direito as situações irregulares ou ilegais para se agir em conformidade. A coisa é tanto mais ridícula, quanto é certo que o tal IRHU nem é capaz de fiscalizar o seu próprio património. Tem um único funcionário para acompanhar 1200 fogos e todos os dias alguns são ocupados ilegalmente. E é este instituto que agora vai vigiar todo o arrendamento nacional? Como diz o brasileiro, “só contaram para você”.
Escreve à quarta-feira