Altas adiadas. Do papel do Estado ao papel das famílias

Altas adiadas. Do papel do Estado ao papel das famílias


A falta de vagas em lares com apoio da Segurança Social e cuidados continuados é um dos grandes problemas. Hospitais defendem mais respostas e mais apoios financeiros.


Na hora de apresentar soluções para diminuir o impacto e duração dos internamentos por motivos sociais, os hospitais inquiridos pelo Nascer do SOL não se limitam a falar da necessidade de aumentar vagas em lares e unidades cuidados continuados, com défices que se arrastam há anos. Pedem políticas alargadas para lidar com a pressão crescente do envelhecimento e respostas para problemas específicos que quem lida diariamente com o problema elenca em várias frentes, com apelos a intervenções urgentes e algumas que pouco têm sido debatidas, como a responsabilidade das famílias e alargar o acolhimento a adultos.

Das dificuldades financeiras ao uso abusivo

O Centro Hospitalar de Lisboa Central, com 70 doentes internados em média diariamente por altas proteladas, apresenta uma lista de medidas que considera necessárias, começando por um apelo a uma «revisão urgente» da condição de recursos, o cálculo usado pela Segurança Social para definir as comparticipações a que têm direito os utentes por exemplo na admissão em cuidados continuados, que há famílias que alegam não poder pagar. «A lei tem mais de uma década e a realidade das sociedades é dinâmica», aponta a administração.

Atualmente, a condição de recursos é avaliada em função do rendimento per capita do agregado familiar, entrando na conta todos os rendimentos, seja de trabalho, de capitais e prediais e pensões e não apenas o que é a liquidez mensal. Os valores cobrados às famílias são uma questão apontada por outros hospitais, que salientam também a necessidade de garantir mais condições para cuidadores que acompanhem idosos em casa, com custos comparticipados pelo Estado, menciona por exemplo a administração do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, propondo também incentivos económicos para os agregados que queiram acolher os seus  idosos quando perdem autonomia mas não apresentam capacidade económica para o fazer. 

Mas há outro lado, nota este centro hospitalar: casos em que tudo está nas mãos das famílias, que adiam soluções, ao mesmo tempo que os idosos vão permanecendo à guarda dos hospitais. «Quando os internamento se prolongam exclusivamente por motivos sociais, as pensões continuam a estar disponíveis aos familiares que não diligenciam para a resolução do problema, devendo refletir-se sobre esta questão», defende o centro hospitalar.  

No que toca à responsabilidade das famílias, o Centro Hospitalar  Lisboa Central deixa outra proposta, defendendo que a lei seja alterada para que as famílias que recusam uma determinada vaga «sejam obrigadas a encontrar uma solução dentro de um prazo a fixar».

Barreiras de acesso

Um outro problema para que chama a atenção este centro hospitalar, que serve o centro de Lisboa, prende-se com barreiras de acesso aos cuidados continuados, que ao contrário do Serviço Nacional de Saúde não admitem utentes com situação no país não regularizada ou em processo de regularização. «Têm acesso ao hospital e não à rede, acabando por ficar internados nos centros hospitalares, onde os custos são mais elevados», contesta.

Respostas mais ágeis são outro repto das várias unidades, com também o Centro Hospitalar de Lisboa Central a propor a criação de linhas verdes entre os hospitais e outras organizações públicas, da justiça ao SEF e Segurança Social, que permitam agilizar processos, defendendo aqui uma mudança também da forma de responder as casas: começar por retirar as pessoas de camas hospitalares para locais mais apropriados e concluir os processos depois.

«As respostas da Santa Casa da Misericórdia e da Segurança Social deveriam aceitar a transferência dos doentes que aguardam no hospital parecer do Ministério Público, SEF, etc, por forma a libertar camas hospitalares rapidamente», defende.

Também o Hospital Garcia de Orta fala da necessidade de uma resposta mais ágil por parte de outras entidades, defendendo que os casos remetidos pelos hospitais, por exemplo, deveriam ter prioridade no Ministério Público. Incluem-se aqui questões como tutelas de menores e nomeação de acompanhantes ao abrigo da proteção de adultos e do estatuto de maior acompanhado, previsto para pessoas que por razões de saúde, deficiência e comportamento não consigam exercer direitos e deveres de forma plena. 

Das 52 casos de altas proteladas por motivos sociais no Hospital Garcia de Orta, a maioria prende-se efetivamente com a espera de vagas na rede de cuiados continuados e acesso a lares ou apoio de familiares ou outros cuidadores, mas há cinco casos que aguardam a resolução de processos pendentes no MP, onde se incluem casos de estatuto de maior acompanhado, autorizações de residência e regularização de documentos) e ainda situações em que se aguarda a assunção de responsabilidade financeira por companhias de seguros. Para este tipo de casos, o Centro Hospitalar Lisboa Central propõe ainda que poderiam ser equacionadas estruturas residenciais de respostas temporárias, retirando os doentes dos hospitais quando está em causa a resolução de processos burocráticos.

Respostas desajustadas

O repto partilhado pelos hospitais é, no entanto, para a necessidade de alargar e diversificar respostas sociais, respondendo ao envelhecimento, com a população idosa a representar a maioria dos casos, não descurando também a necessidade de mais respostas na área da saúde mental, nomeadamente nos cuidados continuados. «As respostas atuais estão desajustadas em relação às mudanças demográficas e necessidades da população, sendo necessária uma mudança estrutural que tenha em conta o envelhecimento da população», resume o Centro Hospitalar de Lisboa Norte. O que se traduz, por exemplo na visão do Centro Hospitalar Tâmega e Sousa, na «necessidade imperiosa» de mais lares e apoios a cuidadores em casa. 

Na mesma linha, o Centro Hospitalar Lisboa Central detalha a necessidade de avançar com a criação de unidades de dia e de promoção de autonomia na Rede Nacional de Cuidados Continuados e reforço das equipas domiciliárias, além das tipologias atuais de internamento cuj a carência considera evidente.

Também o Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho salienta a necessidade de políticas intersetoriais e colaborativas de apoio à população idosa «de forma a que não tenha de ser a entrada no hospital a forma mais célere de proporcionar as respostas em falta da comunidade», alerta.

E se o reforço das respostas e de equipamentos sociais é necessário, a instituição aponta outra solução: «Não tendo o Instituto de Segurança Social resposta em tempo útil para a integração em estruturas residenciais para idosos ou pessoas dependentes, poderiam ser formadas famílias de acolhimento para receber estas situações, financiadas e acompanhadas pelo Estado». O acolhimento de idosos e pessoas com deficiência está há vários anos enquadrado no acolhimento familiar, precisamente para situações em que não existem respostas sociais suficientes que assegurem que a pessoa permaneça no domicílio.

O Nascer do SOL procurou perceber junto dos ministérios da Saúde e da Segurança Social quantas pessoas estão com alta protelada ao todo no SNS neste momento, que medidas estão previstas para o inverno e que outras estão equacionadas nesta área. Até à hora de fecho, não foi possível obter resposta. 

Num último levantamento feito em março pela Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, que há duas semanas pediu articulação urgente para a resposta a estes casos, havia mais de 800 doentes internados por motivos sociais nos hospitais, 5% dos total de pessoas internadas no SNS. Na altura, o barómetro permitiu estimar que só em março os internamentos sociais iriam custar 16,3 milhões de euros ao Estado, o que, extrapolando, daria um custo anual de 100 milhões de euros.   

 

9 hospitais, 242 casos

Centro Hosp. de Lisboa Central

Uma média diária de 70 doentes internados com alta protelada a aguardar resposta social ou de cuidados continuados

H. Garcia de Orta (Almada)
52 casos, 29 no hospital e 23 em camas contratadas fora. Entre janeiro e setembro, os dias de internamento a mais dariam para internar 612 doentes

Centro Hosp. de Vila Nova de Gaia/Espinho
17 internamentos sociais no início da semana. Há um ano eram seis. O caso mais longo  podia ter tido alta há 173 dias

Hospital de Braga
Quatro utentes internados por motivos sociais e 24 à espera de vaga na RNCCI

Centro Hosp. de Lisboa Norte
A 18 de novembro, tinha 19 internamentos sociais, quatro no centro hospitalar e 15 em camas de retaguarda contratadas fora do hospital, 64 no total

Centro Hosp. Tâmega e Sousa
A 19 de novembro, tinha 11 utentes internados por razões sociais. No caso mais longo, a alta clínica poderia ter sido dada em março de 2021

Hospital Dr. Fernando Fonseca (Amadora-Sintra)
Dia 18 tinha 45 internamentos sociais, 25 pessoas que permaneciam internadas no hospital e 20 enviadas para camas pagas num lar privado. Com a intervenção da Segurança Social, passaram a 32

Centro Hosp. e Univ. de Coimbra
Dois recém-nascidos a aguardar acolhimento em instituição 

Centro Hosp. e Univ. de S. João (Porto)
A 19 de novembro eram 25 casos. Após intervenção da Segurança Social, passaram a 11