Coligações: PS/PSD pode acontecer, mas PSD/PS “jamais”


Há um bloqueio psicológico que transforma o PS no partido alfa da nossa política.


Nota prévia: faltam vacinas, as filas são longas para os idosos e outros, está frio, os médicos reformam-se ou demitem-se em bloco no Estado, os centros de saúde, os hospitais e o SNS em geral não dão resposta a milhões de situações, a ADSE empancou, os hospitais privados não chegam para as encomendas e estão sobrelotados e com falhas. Vai correr tudo bem! (para quem tiver saúde).

1. A caminho das legislativas, fala-se muito das lideranças e da governabilidade que resultará ou não das eleições de 30 de janeiro. Nos cenários eventuais aparece sistematicamente (e quase sempre como algo de tenebroso, por ser supostamente o cúmulo da corrupção) a formação de um bloco central, reunindo PS e PSD. Essa foi a fórmula usada uma única vez por razões absolutamente excecionais e patrióticas por dois estadistas de rara dimensão, Mário Soares e Carlos Mota Pinto. Curiosamente, nunca ninguém refere a probabilidade de uma coligação PSD/PS, ou seja, com os sociais-democratas dominantes. Há uma espécie de bloqueio coletivo a essa hipótese, um pouco como acontecia, até à chegada de António Costa e da ‘‘geringonça’’, em relação ao arco da governação, do qual se excluía sempre o PCP e a extrema-esquerda. Uma coligação com um PSD maioritário e um PS minoritário é coisa que não atravessa o espírito de nenhum comentador e muito menos de qualquer político, até mesmo desses partidos. É uma espécie de bloqueio psicológico, mas que tem razão de ser. O PS, pela sua natureza, nunca coloca essa equação. Ou governa e manda no aparelho de Estado ou é oposição. E, aí, nem se mostra disponível para fazer acordos de incidência parlamentar estáveis. Entre os dois partidos nucleares da nossa democracia, há muitas diferenças de perceção, de forma de encarar a política e de interpretar o interesse nacional. Nada indica, para já, que nos próximos anos os socialistas mudem a sua substância mais dominadora, mais alfa. Uma coligação PS/PSD é sempre falada, mas a coligação PSD/PS “jamais”. Não admira que gente mais moderada como Francisco Assis seja preterida sistematicamente em favor de perfis mais à esquerda como António Costa ou Pedro Nuno Santos.

2. A corrida à liderança do PSD resolve-se, sábado, através de eleições internas, envolvendo os filiados e os militantes do partido, o que não é propriamente a mesma coisa. Os militantes são um núcleo ativo que, muitas vezes, servem quotidianamente o partido de forma desinteressada ou que nele militam de forma muito interesseira. Encontram-se em todos os partidos, em ambas as candidaturas, mas sobretudo na de Rio, o qual governa o PSD há mais de quatro anos, afastando quem dele discorda. Há depois os filiados. É gente que se identifica com os ideais do partido, mas tem vida própria e só pontualmente participa na da instituição. Como é evidente, os filiados estão cada vez mais desencantados com a política e muitos deles foram há anos eliminados dos ficheiros pelo próprio Rio quando era secretário-geral. É difícil, ou mesmo impossível, fazer qualquer previsão de vitória. Rio é mais do mesmo. Rangel é parcialmente renovador. Ambos transportam nas suas mochilas políticas muitas caras conhecidas e muita tralha sem provas dadas. A equipa de Rio já foi a jogo e perdeu várias vezes. A que Rangel vai formar é ainda uma incógnita, mas há lá nomes que mais pareceram socialistas militantes com as decisões que desenharam nos cargos que ocuparam. Espera-se que o processo não suscite polémicas depois de apurados os resultados. Seria o jackpot para António Costa! 

3. Ferro Rodrigues anunciou que não volta a candidatar-se a deputado. Assim, sendo também não será novamente presidente do Parlamento. É uma magnífica notícia para a qualidade da nossa Assembleia. Dificilmente poderia haver pior, mais displicente, mais distante e mais sectário na condição dos trabalhos. Nem mesmo a exuberante e imprevisível Assunção Esteves fez pior. Quanto ao futuro, especula-se sobre nomes mesmo antes de se saber a composição do futuro hemiciclo. O que se vai dizendo é que António Costa tem preferência por Edite Estrela, uma política com um percurso tão longo como irrelevante. 

4. No Bloco de Esquerda há agitação. Catarina e os representantes mais ilustres estão a ser fortemente contestados por uma ala ainda mais radical, que não se revê no aburguesamento e na aproximação ao PS para um pacto de governação de qualquer natureza. Os dirigentes bloquistas começam a estar nervosos porque verificam que podem perder o controlo absoluto da máquina, a exposição mediática e terem de arranjar forma de vida alternativa. Logo agora com a crise de emprego que vai por aí!

5. Numa altura em que se fala de inflação e da necessidade de a combater e de conter a subida dos preços, há notícias que os economistas desconhecem e que afetam muito a vida dos cidadãos comuns e menos abonados financeiramente. Há muito dinheiro que dorme e ao qual não se dá valor, como as moedas de 1 e de 2 cêntimos. Fabricar cada moeda de 1 cêntimo custa, hoje, 1,2 cêntimos. A União Europeia está a pensar acabar com estas moedas que poucos parecem usar. Servem, no entanto, e muito, para quem compre bens a peso nos mercados de rua ou nas mercearias. Em França, estão a multiplicar-se máquinas que recolhem esse cascalho e que dão vales de compras. Obviamente, estão sediadas nas grandes superfícies. Já na Bélgica as grandes lojas arredondam preços e normalmente para cima. É preciso ter em conta que, quando acabarem as moedas mais pequenas, a unidade mais baixa em circulação será a moeda de 5 cêntimos, o que vai potenciar uma subida de preços e a inflação. Quem se preocupa com o Orçamento não dá importância a essas minudências, mas quem vive de pensões miseráveis ou de salários de 500 euros dá de certeza. O que vai suceder com as moedas está a acontecer há muito com as notas. Tendencialmente, as de 5 euros estão a desaparecer e nos multibancos já não há. Aliás, os próprios multibancos estão a rarear porque, evidentemente, vão permitindo, por enquanto, algumas operações sem comissões. Porque esperam o Banco de Portugal e o Governo para impedirem os bancos e a Sibs de fazerem o que querem? Pedem-se mais ações e menos estudos.

6. Como se vê com José Saramago, os centenários têm agora novas configurações. Trata-se de um engenhoso produto de marketing que transforma um ano em dois. Começa-se a celebração no dia dos 99 anos, estende-se a coisa até aos 100 e daí segue até aos 101. É o 2 em 1 perfeito. Uma espécie de ovo de Colombo das efemérides! Alguém vai ganhar com a coisa e já não é propriamente Saramago. Falta ver se há novas e oportunas obras inéditas do escritor ribatejano e preponderante saneador no Diário de Notícias no tempo do PREC. Hoje em dia, Saramago deixou praticamente de ser ribatejano e português. Ainda vivo, já era mais celebrado como ibérico. Agora é quase espanhol. Ao ponto de o arranque dos tais dois anos de centenário terem sido marcados pela circunstância da cerimónia evocativa do nascimento, a que presidiu o Chefe de Estado português, ter tido em castelhano um dos seus momentos altos. Foi quando Irene Vallejo leu, durante mais ou menos um quarto de hora, o seu “Manifesto pela Leitura” na língua de “nuestros hermanos”. Olé! Havia de ser numa cerimónia no País Basco, para vermos se eles aturavam isso! Vá lá que depois acabaram por distribuir a prosa em papel e em português. 

Escreve à quarta-feira