De um momento para o outro, as passagens de manequins, como então se chamavam, passaram a ter uma popularidade até aí nunca vista em Portugal. O Palácio de São Luís, no Estoril, iria receber, em breve, um acontecimento do quilé. Madame Vale era uma das figuras dessa amostra internacional que entusiasmava costureiros que nunca tinham sido alvo de grande visibilidade. Além disso, dera-se um passo gigante no mundo da moda ao substituir os cabides sem jeito e os bonecos sem expressão por gente viva que caminhava de um lado para o outro deixando ver os modelos em toda a sua plenitude, incluindo os jeitos que proporcionavam em movimento. Talvez por isso, a moda em Portugal tenha ganho, de repente, novos aficionados. Já não eram apenas as mulheres a assistir aos desfiles. Muitas faziam-se acompanhar pelos maridos e a juventude juntava-se a essa onda de curiosidade, hoje em dia tão normalizada nos nossos costumes.
Madame Vale não tinha dúvidas: o grande problema da moda desse tempo fixava-se nas saias. E explicava porquê: “Nos jornais e nas revistas da especialidade de Paris há uma acesa discussão entre os partidários das saias curtas e das compridas”. A saia curta entrara rapidamente no guarda-roupa das raparigas, mais soltas, mais desinibidas e, sobretudo, mais práticas. Carregar com metros de pano da cintura para baixo, a roçar o chão, parecia mais coisa de cerimónia do que do simples quotidiano. As ruas de Lisboa, do Porto e das mais atrevidas cidades do país, não tardaram a ser invadidas por mulheres com saias de pregas até ao joelho.
Madame Vale não fugia ao seu farol da moda: Paris, obviamente. “As melhores casas parisienses lançaram a moda das saias compridas, descendo à frente um pouco abaixo do joelho e baixando atrás muito mais. Nas corridas, nos chás, é esse o padrão mais em voga”. Pois, mas nós por cá? Sem exibições cavalares, com os chazinhos reduzidos às mães de família e aos seus tupperwares, volta e meia uma senhora da sociedade a receber outras da mesma estirpe mas sem laivos de exigência na elegância, pelo contrário, o mais discretas possível, o que se discutia era a moda de Paris, sempre a moda de Paris, não tanto a nossa. Como diria o divino Eça, continuávamos a ser uma tradução do francês mas em calão.
Em Paris (ah! Paris! Paris é que era!) estavam em voga os vestidos de tule, compridos, com muita roda ou cauda de pavão. Em Lisboa, pobre cidade da luz que é uma mistura de céu e Tejo, não havia dinheiro para tais extravagâncias. “Repare”, dizia Madame Vale, “que estamos a falar de peças que, com ‘robe’ e ‘manteau’, vão para os dez ou quinze mil francos. Ainda não temos essa moda entre nós”.
Plim! Plim! Moda de gastar dinheiro em modelos acabados de inventar, está bem de ver. O barulho do vil metal e o seu plim, plim, reduzia-se a certas famílias abastadas da Linha do Estoril ou, lá no norte, da Granja e da Foz do Douro. “Não esquecer que, para uma corrida, por exemplo, o papel dos chapéus das senhoras, é muito importante”, afirmava Madame Vale. “Deve-se usar colado à cabeça, género ‘calotte’, e alguns, para se distinguirem como peças mais caras, têm ‘crosses’ de ‘aigrettes’. O chapéu e o sapato devem usar-se da mesma cor da ‘toilette’”.
Ora, abóboras! Tanto francesismo até ficava mal. “Aigrettes” eram aqueles enfeites peneirentos feitos de… penas, pois então. Uma farripa de cauda de papagaio, um penacho de avestruz, enfim, um toque voluptuoso para acompanhar os requebros de pescoço. Os “crosses” eram, geralmente, laçarotes. Ligeiramente mais popularucho, há que concordar, mas ainda assim um acrescento para que o chapéu ficasse um tudo nada menos chapéu, percebem? A pergunta é de retórica e não exige resposta. Esperavam ansiosamente as damas da sociedade portuguesa poder ver tudo isso ao vivo na próxima passagem de manequins, no Palácio de São Luís.
Madame Vale, entretanto, debruçara-se desdenhosa sobre as novas tendências do vestuário masculino. Encanitava-se: “Acho francamente detestável esta moda recente do fato em azul-velho com o jaquetão bastante curto e as calças muito largas. É de uma deselegância terrível!” E assim, apavorada como se acabasse de sair da frente de uma manada de hipopótamos, Madame Vale concluía a sua lição com dados muitos concretos sobre a nova realidade da moda em Portugal: “Apesar de ser uma inovação muito recente, já temos por cá manequins muito bons que sabem, enquanto desfilam, realçar a beleza das ‘toilettes’. Nesse aspeto estamos muito bem servidos e, por isso, convencidos de que as próximas exibições públicas serão um sucesso e muito concorridas”.
Não deixou de ter razão. Eram tempos de outros tempos e até as raparigas das Doroteias, que iam servir para casa das senhoras mais abonadas, faziam questão de rapar os pelos das pernas. Ainda não chegávamos a Paris mas íamos a caminho. E ser manequim já era considerado uma função de luxo.