Elementos de gangues das zonas suburbanas de Lisboa têm vindo, ao longo dos últimos anos, a infiltrar-se nas Forças Armadas e a utilizar as missões portuguesas em países em guerra para fazerem tráfico de diamantes, ouro e droga, soube o i junto de forças policiais.
Alguns desses elementos foram detidos ontem, no âmbito das buscas realizadas na denominada Operação Miríade. Dos 10 elementos detidos, nem todos são militares, havendo também suspeitos de branqueamento de capitais.
Conforme o i conseguiu apurar, foram já reunidas provas sólidas de que membros de gangues, oriundos de zonas marginais da cidade de Lisboa, ter-se-ão voluntariado para ingressar nas Forças Armadas, com o objetivo de criar redes ao serviço de associações criminosas internacionais de tráfico de diamantes, ouro e drogas. O processo passa pelo envolvimento em missões internacionais em países com regimes instáveis, como a RCA, onde estes elementos contactam com organizações criminosas locais de forma a traficar os referidos produtos para a Europa. Estes elementos teriam, sabe o i, o apoio de militares portugueses de alta patente, que serviriam de ‘cobertura’ para esta operação.
Este fenómeno foi ganhando dimensão ao longo dos anos, parecendo obedecer a uma estratégia global e com um grande sentido de oportunidade. Os lugares destes criminosos , após os contratos de oito anos findarem, seriam ocupadas por novos voluntários com as mesmas origens, e muitos deles já com cadastro. Além disso, assim que saíssem das Forças Armadas subiam na hierarquia interna dos respetivos gangues, e candidatavam-se à PSP e GNR, onde continuavam a ter palco privilegiado para as atividades criminosas. Foi por este motivo, aliás, que parte das buscas feitas ontem incluíram as escolas de formação destas forças policiais e de segurança, onde foi detido um guarda provisório.
Novas ‘fornadas’ de jovens destes bairros manteriam o fluxo de voluntários para o Exército, caminhando pelo mesmo canal, prontos para obter grandes margens de lucro ao transportar e vender os produtos, que eram traficados principalmente através da Bélgica.
Tudo começou com denúncia ao CEMGFA O i sabe que a denúncia que levou ao desmantelamento da rede partiu, em 2019, do comandante da 6.ª Companhia da Força Nacional Destacada (FND) na República Centro Africana a António Silva Ribeiro, chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, que mandou a Polícia Judiciária Militar (PJM) abrir um inquérito.
Após algumas diligências, esta polícia apurou não só que havia seis militares suspeitos de tráfico de diamantes (cinco deles eram jovens praças e o outro um major de 35 anos, sendo todos pertencentes aos Comandos), como também que a rede tinha contornos internacionais que ultrapassavam a sua competência. O inquérito foi, por isso, transferido para a PJ. Depois de dois anos de investigação e com estes elementos sobre escuta, o rol de suspeitos aumentou, tendo culminado agora numa megaoperação, com uma centena de buscas por todo o país e a detenção de 10 elementos. Foram igualmente reforçados os procedimentos de controlo e verificação à chegada dos militares das Forças Nacionais Destacadas e respetivas cargas.
detalhes da investigação A operação juntou cerca de 320 inspetores e peritos da Polícia Judiciária, e é já a maior do último ano. O inquérito foi dirigido pelo DIAP de Lisboa – 10.ª Secção, e os mandados de busca foram executados pela Polícia Judiciária, “através da Unidade Nacional de Combate à Corrupção, e com o apoio de várias Unidades da Policia Judiciária e da Autoridade Tributária, juntamente com o Juiz de Instrução Criminal e Magistrados do Ministério Público”, conforme a própria PJ avançou em comunicado. Para além das suspeitas que os militares estariam a utilizar meios aéreos disponibilizados nas missões ao abrigo das Nações Unidas para transportar ouro, droga e diamantes para a Europa, pensa-se também que existirão casos de branqueamento de capitais e fraude, concluindo a investigação que os militares estariam a utilizar criptomoedas para lavar o dinheiro feito com este tráfico.
Imagem intacta Em reação, Marcelo Rebelo de Sousa, que se encontra em visita oficial a Cabo Verde, fez uma exceção, e comentou a polémica. “Normalmente, em território estrangeiro, não faço comentários sobre a situação portuguesa, mas aqui é uma situação de projeção internacional, de prestígio das Forças Armadas, nomeadamente numa intervenção neste continente”, começou por referir o Presidente da República, em declarações à RTP. Marcelo negou qualquer efeito negativo no prestígio das Forças Armadas, garantindo estar exatamente o mesmo”, relativamente à sua viagem à RCA em março de 2018.
O Presidente da República afirmou ainda que “as instituições de investigação policial estão a fazer o que deve ser feito”.