Morreu Willie Garson, o actor norte-americano mais conhecido por interpretar Stanford Blatch, o melhor amigo masculino de Carrie Bradshow, personagem no centro da icónica série “O Sexo e a Cidade”. Blatch tinha um mote que arrumava bem a ousadia do seu tom trocista: “Todos nós julgamos. É esse o nosso hobby. Algumas pessoas dedicam-se às artes e aos trabalhos manuais, nós preferimos julgar os outros.” Garson fez de Blatch um exemplo daquela exuberância gay que não cede demasiado à efabulação desenfreada, e o seu personagem, embora bastante secundário, foi a relação mais estável que Carrie manteve ao longo das seis temporadas (entre 1998 e 2004) em que esta esteve no ar na HBO. O actor morreu na segunda-feira, vítima de cancro do pâncreas. Tinha 57 anos, e terá vivido os últimos meses da sua vida sabendo-se condenado, empenhado em que a sua memória ficasse definitivamente ligada a Blatch, e, assim, ultrapassou os constrangimentos da doença e conseguiu integrar o elenco de “And Just Like That…”, um spin-off que tentará cativar novamente as audiências para as peripécias vividas por Carrie & Cia, quase duas décadas mais tarde, e isto depois de duas sequelas cinematográficas pouco entusiasmantes e que tresandavam ao género de clichés que abundam nas comédias românticas. A estreia da série está marcada para este outono.
O criador da série, Darren Starr, homenageou o actor descrevendo-o como uma pessoa “doce, comovente e alegre”. Em declarações à revista People, Starr vincou que “o homem por trás de Stanford era um pai amoroso e irradiava bondade”. Por sua vez, o produtor executivo Michael Patrick King disse que a perda era sentida por toda “a família 'Sexo e a Cidade', acrescentando que Garson “dava tudo de si, mesmo quando já estava doente”. Cynthia Nixon, a Miranda da série, usou as redes sociais para se despedir do amigo. “Todos nós o amávamos e adorámos trabalhar com ele. Ela era tremendamente divertido no ecrã tal como na vida real. Era uma fonte de luz, amizade e uma inspiração a nível profissional.”
Além do papel nesta série, Garson alcançou também alguma projecção com o vigarista Mozzie na série “Apanha-me se puderes”, e manteve uma participação regular também em “Hawaii: Força Especial”. Já no grande ecrã, o actor conta com 30 créditos em diferentes produções, e além das duas sequelas de “O Sexo e a Cidade” (de 2008 e 2010), integrou o elenco de filmes como "O Feitiço do Tempo" (1993), "O Rochedo" (1996) e "Doidos por Mary" (1998). Também encarnou em três ocasiões Lee Harvey Oswald, homem que ficou para a história como o assassino de John F. Kennedy. A primeira vez foi no filme “Ruby” (1992), e seguiram-se duas outras na série televisiva “Quantum Leap” e no programa “MADtv”.
Com o nome de baptismo William Paszamant, Garson nasceu a 20 de fevereiro de 1964 na Nova Jérsia, e tinha apenas 13 anos quando ingressou no Actors Institute em Nova Iorque. Viria a licenciar-se em psicologia e teatro, em 1985, na Universidade de Wesleyan. Não demoraria a conseguir alguns papéis secundaríssimos em séries de enorme popularidade como “Family Ties” e “Cheers”, e, aos poucos, foi singrando, sem ter, no entanto, conseguido impor-se como protagonista. Contudo, aquele que Garson reconheceu ser o seu papel principal foi o de pai adoptivo, e, como membro consultivo da organização You Gotta Believe, que ajuda a encontrar famílias adoptivas para jovens, sempre defendeu o processo e dizia que o dia mais importante da sua vida foi aquele em que adoptou o seu filho, Nathen, em 2010.
“Como um actor narcisista, e eu era a definição disso mesmo, tornei-me imediatamente responsável por cuidar de outra pessoa”, disse Garson numa entrevista que deu no ano passado. “É um sentimento muito especial aquele que nasce de uma ligação destas. Trata-se de uma forma de empenho que nos faz crescer a todos os níveis.” No fim, foi o filho quem anunciou a morte de Willie, e usou o Instagram para partilhar uma foto do pai, e deixar a sua mensagem de despedida: “Amo-te tanto, pai. Descansa em paz, estou orgulhoso por teres partilhado comigo todas as minhas aventuras e tudo o que conseguiste. (…) Foste sempre a pessoa mais forte, divertida e inteligente que já conheci”, escreveu, no seu perfil, daquela rede social.
Mas Garson persistirá no imaginário popular sobretudo devido à persistente popularidade de “O Sexo e a Cidade”, tendo Stanford Blatch conseguido cativar o público ao ponto de ter conquistado terreno no próprio enredo da série, que passou a seguir os altos e baixos da sua vida romântica até acabar casado com Athony Maratino, em tempos a sua Némesis. E o actor Mario Cantone, que interpretava Anthony, não deixou também de homenageá-lo, dizendo no Twitter que Garson tinha sido uma prenda dos deuses, e que, ao partir cedo demais, deixou todo o elenco da série devastado.
E uma vez que o actor escolheu passar os últimos meses da sua vida a garantir que Blatch terá mais alguns momentos para exprimir a sua humorada irreverência, vale a pena lembrar um dos diálogos mais memoráveis entre ele e Carrie. Num dos episódios da segunda temporada (“Games People Play”), mostra-se espantado por ela não ter um psicanalista. “Estamos em Manhattan. Aqui até os psicanalistas têm psicanalistas. Eu tenho três.” Ao que Carrie exclama: “Não tens nada!” E ele assevera: “Tenho: um para quando me apetece ser consolado, uma para as alturas em que preciso daquele amor mais rude, que dói, e ainda outra para quando simplesmente me apetece olhar para um homem bonito.”
A isto Carrie responde e diz-lhe que isso é doentio, e ele remata: “E essa é a razão porque consulto os outros dois.”