A guerra no Afeganistão surgiu em resposta ao 11 de Setembro de 2001, o maior ataque alguma vez efectuado em território americano e que causou 2977 vítimas mortais. Em resposta, os Estados Unidos solicitaram o apoio da NATO e avançaram para o Afeganistão, visando derrotar os Talibãs, eliminar a Al-Qaeda e construir um novo país seguro e respeitador dos direitos humanos, que deixasse de funcionar como refúgio para terroristas internacionais. Portugal também se envolveu nesse objectivo do Ocidente, tendo nos últimos 20 anos feito deslocar um total de 4.500 militares para o Afeganistão, um esforço enorme para o país, tendo infelizmente alguns militares portugueses perdido mesmo a vida nessa terra tão distante e inóspita.
Ontem, dia 15 de Agosto de 2021, com a entrada dos Talibãs no palácio presidencial de Cabul, após a fuga do Presidente Ashraf Ghani, chegou ao fim essa guerra de vinte anos, com uma derrota total do Ocidente, que não conseguiu nenhum dos objectivos a que se propôs. Os Talibãs regressaram mais fortes do que nunca, reconquistaram todo o Afeganistão, e irão transformar o país num Estado pária, onde o terrorismo internacional voltará a florescer, e os direitos humanos, designadamente os direitos das mulheres, serão totalmente espezinhados.
Esta situação era mais do que previsível, a partir do momento que os EUA e a NATO anunciaram que iriam deixar o Afeganistão. O que mais chocou, por isso, foi o constante discurso de que saíam com a missão cumprida, porque as suas tropas já não eram necessárias. Em Abril passado, o Secretário de Estado Norte-Americano Antony Blinken deslocou-se a Cabul, garantindo que, apesar da retirada das suas tropas, os EUA iriam manter os seus compromissos com a República Islâmica e com o povo afegão. Desde então tem proferido sucessivas declarações de que as tropas afegãs seriam perfeitamente capazes de derrotar os Talibãs, até porque possuíam uma força aérea, ao contrário destes. Não querendo ficar atrás, em Maio passado, o ministro da Defesa português, João Gomes Cravinho, aquando da saída dos militares portugueses, afirmou que “as forças da NATO devem agora sair do país, havendo condições para termos alguma segurança quanto ao Afeganistão nunca mais ser utilizado como uma base para o terrorismo internacional como aconteceu no fim do século passado e início deste século”.
Nem foram precisos três meses para estas previsões serem desmentidas pela dura realidade, com o Afeganistão a ser integralmente conquistado pelos Talibãs, o seu Presidente a fugir do país e até as embaixadas dos países da NATO a serem evacuadas a alta velocidade, numa humilhação para todo o Ocidente que ficará para sempre na memória dos habitantes da região. E dessa humilhação sairão consequências profundas, nenhuma das quais positiva.
Para os EUA, esta derrota no Afeganistão e a evacuação da sua embaixada só fazem lembrar a queda de Saigão e a consequente fuga dos americanos, por muito que o secretário de Estado americano o queira negar. Ora, a derrota dos EUA no Vietname teve como consequência uma enorme perda da influência norte-americana no mundo, que lhes retirou a sua capacidade de intervenção externa, e os conduziu a sucessivas humilhações, que culminaram com a ocupação da sua embaixada em Teerão. Dessa situação os EUA só saíram com a presidência de Ronald Reagan, parecendo claro agora que Joe Biden irá ser um novo Jimmy Carter.
Para a Europa, que foi atrás dos EUA nesta guerra em virtude dos compromissos assumidos na NATO, será a mesma que irá agora pagar as favas do conflito, com uma nova vaga de refugiados nas suas fronteiras, que será um foco permanente de instabilidade para os países aonde estes se desloquem, podendo correr o risco de conduzir a novas saídas da União.
Mas quem mais sairá lesado desta situação será o povo afegão, que irá sofrer em silêncio perante um brutal regime opressor, com toda a comunidade internacional a olhar para o lado, vergada aos ditames da Realpolitik. Pior era impossível.
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990