Enquanto o nível do mar aumenta, regiões costeiras afundam sob o peso de cidades. Seja porque extraímos demasiada água de aquíferos, criando um vazio que vai lentamente cedendo, pela exploração de gás e petróleo ou porque sufocámos os rios, impedindo a chegada de sedimentos, usando e abusando da areia para fazer cimento. Outras vezes é simplesmente porque tivemos a arrogância de construir metrópoles em solos pouco firmes, como no caso de Veneza e Amesterdão, ou simplesmente pelo próprio peso de uma cidade, como São Francisco.
Já em São Luís, no Senegal, qualificada como a cidade mais ameaçada pela subida média do mar em África pelas Nações Unidas, o problema foi agravado por má gestão ambiental, com a abertura de um canal na Langue de Barbarie, uma península que escudava a cidade do Atlântico, para escoar o caudal do Rio Senegal, que punha em risco São Luís, em 2003. O preço foi a cavalgada das ondas costa acima, com dezenas de milhares de habitantes tornados refugiados climáticos, muitos deles acabando a a viver em casas de plástico pré-fabricadas, junto a um pântano.
Nos arredores desta cidade, por vezes apelidada como a Veneza de África, antiga capital nos tempos em que o Senegal era uma colónia francesa, comunidades piscatórias inteiras, como Doun Baba Dieye, já foram engolidas pelo mar. “Isto era a minha casa. Eu nasci aqui. Tudo o que me aconteceu de importante aconteceu aqui”, contou ao Guardian Ameth, antigo chefe da aldeia, que assistiu enquanto esta era submersa, ficando mais de 1,5 metros debaixo de água.
Na própria São Luís, e que foi declarada Património Mundial pela UNESCO, cuja arquitetura faz lembrar outras cidades crioulas do Atlântico, como a Baía, Havana ou Nova Orleans, bairros inteiros desapareceram, deixando para trás destroços à beira mar, que quase fazem lembrar escombros de um bombardeamento. Aliás, cerca de 80% da cidade, onde vivem mais de 230 mil pessoas, ficará em risco de inundar em 2080, mostrou um estudo encomendado pelo Governo senegalês, em 2013.
A culpa é em boa parte da nossa emissão de gases com efeito de estufa. Não seria a primeira tragédia causada por potências estrangeiras a que São Luís assistia – a cidade, a primeira fundada por europeus no continente, foi um dos principais portos negreiros, de onde escravos arrastados pelo rio Senegal eram exportados para as Américas. E os seus habitantes têm bem noção da dimensão global da crise que agora enfrentam.
“O governador está louco”, notara Cheikh Badiane, um pescador local, à conversa com um repórter do El País. “Não pára de construir fábricas, ainda que tudo isto seja um problema climático. Está tudo relacionado com o CO2”, queixou-se. Nem os 24 milhões de euros enviados pelo Banco Mundial para ajudar os desalojados de São Luís, a que se somaram uns outros 15 milhões de euros vindos de França, o deixam descansado.
“Os políticos seduzem-nos com palavras bonitas quando chegam as eleições”, apontou Badiane. “São corruptos. Quando os europeus lhe dão dinheiro, o governador vai jantar fora, vive numa casa grande, tem um bom carro. As coisas funcionam assim por aqui”.
Problema global
São Luís não é a única cidade que se afoga em câmara lenta – ou incrivelmente rápido, se pensarmos a uma escala temporal de décadas. Talvez o exemplo mais trágico seja Jacarta, que está de tal modo em risco que o Governo indonésio até decidiu mudar de capital, dado esta não só enfrentar a subida média das águas a nível global, como também está a afundar entre 10 a 20 cm por ano nos bairros mais afetados, uma das taxas mais rápidas do planeta.
Ao contrário do que seria de esperar, no cerne do problema de Jacarta não está o excesso de água, mas sim a falta desta. Esta megacidade, com mais de 10 milhões de habitantes, é um dos casos em que a exploração excessiva de aquíferos causa o afundamento, ao mesmo tempo que o clima da região vai mudando – muito devido às alterações climáticas – e chove cada vez menos para repor a água, enquanto a proliferação de asfalto impede a absorção da chuva que cai.
O problema é que, para muitos habitantes das regiões mais pobres de Jacarta, que vivem à margem do Mar de Java, não há outra opção que não fazer um furo para obter água potável, num ciclo vicioso de miséria.
“O chão continua a afundar, nós construímos outra vez, somos inundados, construímos outra vez”, queixou-se um habitante local, Maksim, à Vox, explicando que, como muitos dos seus vizinhos, não tem para onde ir, dado depender do mar para pescar. Mesmo o resto da cidade está em risco, estimando-se que em 2050 as casas onde hoje vivem milhões de pessoas possam estar submersas.
Outras cidades históricas também estão em risco. Veneza, é sabido, há muito que está a afundar – só o facto da cidade ter sobrevivido até 2021 poderia ser visto como um grande exemplo da resiliência humana – e Amesterdão segue pelo mesmo caminho, o que só piorou com as alterações climáticas.
Na capital holandesa já há buracos a aparecer subitamente à beira dos canais icónicos da cidade, quase metade das suas 1700 pontes estão frágeis e a precisar de reparações, prestes a ruir. Estima-se que a sua reconstrução custe mais de dois mil milhões de euros ao longo de vinte anos, segundo o New York Times. Afinal, trata-se de uma cidade temerariamente construída abaixo do nível médio do mar, conquistando terra às águas, que temos feito subir.