O Estado de Direito em Portugal


Sabendo-se que os tribunais administrativos e fiscais são a principal garantia dos cidadãos contra os abusos dos poderes públicos, esta taxa de resolução representa uma grande deficiência no funcionamento do nosso Estado de Direito, privando os cidadãos do acesso à justiça em tempo útil.


Foi publicado no passado dia 20 de Julho pela Comissão Europeia o seu relatório de 2021 sobre o Estado de Direito na União Europeia. O capítulo relativo a Portugal revela profundas deficiências no funcionamento do nosso Estado de Direito, que deveriam preocupar o poder político e todos os cidadãos.

Antes de tudo a Comissão Europeia salienta que o grau de percepção da independência judicial em Portugal é médio-baixo, não tendo sido identificada uma tendência clara nos últimos cinco anos sobre a alteração desta percepção. Tal demonstra uma clara necessidade de reforçar as garantias de independência do poder judicial, designadamente evitando a constante saída de magistrados para desempenhar funções estranhas à magistratura, o que contribui para o défice significativo de magistrados nessas funções, que também é espelhado no relatório.

Até por esse motivo, o relatório mostra igualmente as deficiências de funcionamento dos tribunais, referindo que Portugal continua sob a supervisão reforçada do Comité de Ministros do Conselho da Europa devido à duração excessiva dos processos nos tribunais cíveis e administrativos. A situação é especialmente grave nos tribunais administrativos e fiscais, referindo o relatório que a taxa de resolução de processos que ultrapassa os 840 dias tanto em primeira como em segunda instância. Sabendo-se que os tribunais administrativos e fiscais são a principal garantia dos cidadãos contra os abusos dos poderes públicos, esta taxa de resolução representa uma grande deficiência no funcionamento do nosso Estado de Direito, privando os cidadãos do acesso à justiça em tempo útil.

Relativamente ao combate à corrupção, o relatório sustenta que os obstáculos mais graves à acção penal nos processos por crimes de corrupção “parecem resultar da permanente falta de recursos a nível dos serviços policiais e acção penal”, o que “produz atrasos significativos, nomeadamente nas fases de inquérito e de instrução, destacando-se alguns casos complexos e mediáticos de corrupção envolvendo altos funcionários que não puderam ser terminados antes de prescreverem”. Este relatório desmente assim cabalmente o pretexto habitual de que seria o excesso de garantias que prejudicaria a eficácia da acção penal, sendo antes manifesto que o problema reside na crónica falta de recursos.

O relatório espelha ainda a preocupação da Comissão Europeia em relação a ameaças e limitações sofridas por jornalistas na sua actividade profissional, salientando o facto de em Janeiro de 2021 quatro jornalistas portugueses terem sido, sem qualquer mandado de um juiz de instrução, colocados sob vigilância policial, a pedido de uma magistrada do Ministério Público que procurava identificar as suas fontes. Tal levou inclusivamente a Plataforma do Conselho da Europa para a promoção da protecção do jornalismo e da segurança dos jornalistas a emitir alertas relativa à situação em Portugal.

O relatório demonstra finalmente uma deficiente fiscalização da aplicação do estado de emergência no nosso país, salientando que o Governo tem que apresentar à Assembleia da República um relatório por cada período do estado de emergência para lhe permitir exercer um controlo a posteriori das medidas decretadas, mas que a Assembleia estaria ainda a examinar os relatórios relativos ao período entre Novembro de 2020 e Abril de 2021. Relativamente à Provedora de Justiça, embora tenha tido “um número significativo de queixas relativas às medidas relacionadas com a COVID-19”, apenas solicitou a fiscalização da constitucionalidade de “uma disposição relativa ao regime de apoio aos lojistas”. Quanto ao Supremo Tribunal Administrativos, este “dirimiu 12 recursos relativos a medidas relacionadas com a COVID-19, a maioria dos quais foram declarados improcedentes”.

Deste relatório resulta assim claramente a revelação de um muito deficiente  funcionamento do Estado de Direito em Portugal, o que é a todos os títulos preocupante. É por isso essencial o empenho de todos os portugueses na defesa do Estado de Direito e dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos no nosso país.

 

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990


O Estado de Direito em Portugal


Sabendo-se que os tribunais administrativos e fiscais são a principal garantia dos cidadãos contra os abusos dos poderes públicos, esta taxa de resolução representa uma grande deficiência no funcionamento do nosso Estado de Direito, privando os cidadãos do acesso à justiça em tempo útil.


Foi publicado no passado dia 20 de Julho pela Comissão Europeia o seu relatório de 2021 sobre o Estado de Direito na União Europeia. O capítulo relativo a Portugal revela profundas deficiências no funcionamento do nosso Estado de Direito, que deveriam preocupar o poder político e todos os cidadãos.

Antes de tudo a Comissão Europeia salienta que o grau de percepção da independência judicial em Portugal é médio-baixo, não tendo sido identificada uma tendência clara nos últimos cinco anos sobre a alteração desta percepção. Tal demonstra uma clara necessidade de reforçar as garantias de independência do poder judicial, designadamente evitando a constante saída de magistrados para desempenhar funções estranhas à magistratura, o que contribui para o défice significativo de magistrados nessas funções, que também é espelhado no relatório.

Até por esse motivo, o relatório mostra igualmente as deficiências de funcionamento dos tribunais, referindo que Portugal continua sob a supervisão reforçada do Comité de Ministros do Conselho da Europa devido à duração excessiva dos processos nos tribunais cíveis e administrativos. A situação é especialmente grave nos tribunais administrativos e fiscais, referindo o relatório que a taxa de resolução de processos que ultrapassa os 840 dias tanto em primeira como em segunda instância. Sabendo-se que os tribunais administrativos e fiscais são a principal garantia dos cidadãos contra os abusos dos poderes públicos, esta taxa de resolução representa uma grande deficiência no funcionamento do nosso Estado de Direito, privando os cidadãos do acesso à justiça em tempo útil.

Relativamente ao combate à corrupção, o relatório sustenta que os obstáculos mais graves à acção penal nos processos por crimes de corrupção “parecem resultar da permanente falta de recursos a nível dos serviços policiais e acção penal”, o que “produz atrasos significativos, nomeadamente nas fases de inquérito e de instrução, destacando-se alguns casos complexos e mediáticos de corrupção envolvendo altos funcionários que não puderam ser terminados antes de prescreverem”. Este relatório desmente assim cabalmente o pretexto habitual de que seria o excesso de garantias que prejudicaria a eficácia da acção penal, sendo antes manifesto que o problema reside na crónica falta de recursos.

O relatório espelha ainda a preocupação da Comissão Europeia em relação a ameaças e limitações sofridas por jornalistas na sua actividade profissional, salientando o facto de em Janeiro de 2021 quatro jornalistas portugueses terem sido, sem qualquer mandado de um juiz de instrução, colocados sob vigilância policial, a pedido de uma magistrada do Ministério Público que procurava identificar as suas fontes. Tal levou inclusivamente a Plataforma do Conselho da Europa para a promoção da protecção do jornalismo e da segurança dos jornalistas a emitir alertas relativa à situação em Portugal.

O relatório demonstra finalmente uma deficiente fiscalização da aplicação do estado de emergência no nosso país, salientando que o Governo tem que apresentar à Assembleia da República um relatório por cada período do estado de emergência para lhe permitir exercer um controlo a posteriori das medidas decretadas, mas que a Assembleia estaria ainda a examinar os relatórios relativos ao período entre Novembro de 2020 e Abril de 2021. Relativamente à Provedora de Justiça, embora tenha tido “um número significativo de queixas relativas às medidas relacionadas com a COVID-19”, apenas solicitou a fiscalização da constitucionalidade de “uma disposição relativa ao regime de apoio aos lojistas”. Quanto ao Supremo Tribunal Administrativos, este “dirimiu 12 recursos relativos a medidas relacionadas com a COVID-19, a maioria dos quais foram declarados improcedentes”.

Deste relatório resulta assim claramente a revelação de um muito deficiente  funcionamento do Estado de Direito em Portugal, o que é a todos os títulos preocupante. É por isso essencial o empenho de todos os portugueses na defesa do Estado de Direito e dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos no nosso país.

 

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990