“Drivers, start your engines”, é a frase mais célebre das corridas de automóveis. Ao ouvi-la, os pilotos preparam-se para uma prova de velocidade pura e alta precisão, onde a mínima falha acaba com um violento acidente, é que os muros de betão estão mesmo ali ao lado. Este domingo, realizou-se a 105.ª edição com “apenas” 135 mil pessoas nas bancadas, sem pandemia seriam mais de 350 mil espetadores no santuário do desporto automóvel.
Todos os anos 33 pilotos partem, furiosamente, atrás do sonho de chegar à victory lane. Após 200 voltas (804,6 quilómetros) disputadas a ritmo vertiginoso – foi a edição mais rápida de sempre – Helio Castroneves salvou a honra dos veteranos, “os mais velhos deram um pontapé no rabo dos novatos”, disse no final, com a autoridade própria dos seus 46 anos. O piloto brasileiro venceu pela quarta vez em Indianapolis, e voltou a subir a vedação da pista para comemorar com os fãs que o tratam por “Homem-Aranha”.
O vencedor vai receber uma réplica do Borg-Warner, um vistoso troféu feito em prata esterlina, avaliado em um milhão de dólares (820 mil euros), que tem esculpido o rosto de todos os vencedores. Como acontece desde 1936, a vitória foi celebrada com leite, o champanhe não entra na festa.
Pista única Impressionado com o conceito inovador de Brooklands (Inglaterra) – a primeira pista oval do mundo – o empresário americano Carl Fisher decidiu construir o Indianapolis Motor Speedway, um circuito oval, com quatro curvas inclinadas (o banking tem nove graus de inclinação) para aumentar a velocidade.
A primeira corrida realizou-se em 1909, e teve vários acidentes mortais provocados pela reduzida aderência do piso em pedra. O revestimento foi mudado e foram colocados 3,2 milhões de tijolos ao logo das 2,5 milhas (4.023 m), daí nasceu o nome brickyard. Ainda hoje se mantém uma faixa original na linha de meta, que, como manda a tradição, é beijada pelos vencedores.
A primeira edição das 500 Milhas realizou-se há precisamente 110 anos (30 de maio de 1911). Ray Harroun (Marmon Wasp) ganhou a corrida com uma média de 119,3 km/h e recebeu um prémio de 14.250 dólares (11.700 euros). Como fez a prova sozinho – os outros pilotos levavam um mecânico a bordo – decidiu colocar um espelho de 7×20 cm para ver onde andavam os rivais. Resultado: não só ganhou, como inventou o espelho retrovisor.
Nos primeiros anos, os carros eram basicamente todos de motor dianteiro e tração traseira, a que os americanos chamavam de roadsters. Em 1930, foi criada a categoria Indycars, com base em modelos de série, para atrair grandes construtores como a Ford, Buick e Studebaker. Em 1939, os Indycars converteram-se em monolugares, foi a época de ouro dos pilotos e marcas americanas.
A Europa invadiu Indianapolis na década de 60 A supremacia americana foi quebrada pelo génio de Colin Champan e mestria de Jim Clark, que impuseram o Lotus 38/Ford na edição de 1965. No ano seguinte, assistiu-se a um feito único. O rookie Graham Hill venceu as 500 Milhas de Indianapolis, e conseguiu a mítica Triple Crown, atribuída a quem vence a clássica americana, as 24 Horas de Le Mans e o Grande Prémio do Mónaco de Fórmula 1. Até hoje, foi o único a levar para casa essa distinção.
A guerra entre famílias americanas faz parte da história deste grandioso evento, e nomes como Foyt, Unser e Andretti travaram duelos fantásticos. A.J. Foyt é um símbolo vivo das 500 Milhas. Participou em 35 edições consecutivas (de 1958 a 1992), e venceu quatro vezes.
Vários campeões do mundo de Fórmula 1 atravessaram o Atlântico para desafiar a lei de Indianapolis. Jim Clark, Graham Hill, Emerson Fittipladi, Mário Andretti e Jacques Villeneuve, arriscaram e ganharam. O vencedor de 1969, Mario Andretti, fez um comentário que continua bem atual: “É uma pista que devemos respeitar. Exige a máxima concentração devido à alta velocidade, acontece tudo muito depressa”, já o piloto brasileiro ficou célebre ao dizer: “aquilo é coisa de malucos”, é, portanto, um bom maluco, pois ganhou duas vezes.
Os acidentes são a parte negra desta corrida selvagem. Até 1974 havia, em média, uma morte por edição. Atualmente, embora a velocidade seja muito superior, os acidentes mortais são raros.
A participação de mulheres esteve proibida durante várias décadas. Essa regra caiu em 1977 com a participação de Janet Guthrie. Danica Patrick foi a melhor representante feminina, com o 3.º lugar em 2009. Este ano, Simona de Silvestro desistiu no final da corrida.
Entre muros a 382 km/h. Todas as equipas utilizam o mesmo chassis em fibra de carbono e kevlar fabricado pela Dallara. A Chevrolet e Honda fornecem os motores V6 2.2 biturbo, com 750 cv, que permitem atingir 386 km/h. As corridas em ovais são sinónimo de alta velocidade, como ficou demonstrado na qualificação deste ano, onde o pole seater fez a bonita média de 372 km/h! Continua por bater o recorde da volta mais rápida em corrida feita à incrível média de 379,9 km/h, e da pole position com 382,2 km/h de média!
Para rodar numa pista oval, os carros têm uma afinação específica e são assimétricos. A dimensão e pressão dos pneus, a geometria da suspensão e as molas do lado esquerdo são diferentes das do lado direito, tudo isto para manter o equilíbrio nas curvas.