A Direita, a Esquerda e a censura


Se na maioria das questões importantes da vida nacional Esquerda e Direita não se entendem, noutras o entendimento foi possível, como é exemplo a aprovação da Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital.


“Não é informar bem o público deitar mão a todos os mexericos, a todas as intrigas, a todas as fantasias ouvidas nas mesas dos cafés, ou a algum intrujão imaginativo, para as deitar cá para fora como grandes e sensacionais revelações’’. 
Marcelo Caetano, Conversas em Família, 28/3/1974

Enquanto a Direita se reúne em convenção, com a presença dos líderes dos quatro partidos representados na Assembleia da República, algo raro na nossa democracia, a Esquerda caricaturiza o encontro cuja sigla, MEL (Movimento Europa e Liberdade), dá azo a brincadeiras várias.

O que deve ser encarado como um acontecimento normal em política é visto pelos opositores quase como uma infâmia, uma vez que ali estão presentes partidos que vão do PSD ao Chega, todos com representação parlamentar, como se sabe. A questão é, mais uma vez, o Chega, ou melhor, o seu líder, uma vez que o partido se resume, por enquanto a André Ventura. E cada vez mais se discute a ilegalização do partido, em vez de se debaterem as suas ideias.

Assim, enquanto a Direita se enfrenta a ela própria e expõe mais divisões do que pontos de entendimento, ao mesmo tempo que, pelo meio, falam de Salazar e do Estado Novo, num exercício cujo objetivo não se vislumbra, a Esquerda aguarda pelos resultados e terá ficado mais descansada por saber, pela boca de Rui Rio, que o PSD não é um partido de direita. 

Como é lógico, o que a Esquerda observa com atenção são as movimentações, por enquanto discretas, de Passos Coelho. Mas, se na maioria das questões importantes da vida nacional Esquerda e Direita não se entendem, noutras, o entendimento foi possível, como é exemplo a recente aprovação da Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital, um documento cujo título parece consensual, mas que esconde uma realidade bem diferente.

Um dos pontos que deve merecer toda a nossa atenção prende-se com “a proteção contra a desinformação”. E como se define? “Considera-se desinformação toda a narrativa comprovadamente falsa ou enganadora criada, apresentada e divulgada para obter vantagens económicas ou para enganar deliberadamente o público, e que seja suscetível de causar um prejuízo público, nomeadamente ameaça aos processos políticos democráticos, aos processos de elaboração de políticas públicas e a bens públicos”.

Ora aí está: “Ameaça aos processos de elaboração de políticas públicas e a bens públicos”. Importam-se de esclarecer? 

Mas o diploma vai mais longe. “O Estado apoia a criação de estruturas de verificação de factos por órgãos de comunicação social devidamente registados e incentiva a atribuição de selos de qualidade por entidades fidedignas dotadas do estatuto de utilidade pública”.

Mais uma vez. Importam-se de esclarecer?

Para que conste, esta legislação foi aprovada com os votos do PS, PSD, BE, CDS, PAN, das deputadas não inscritas Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues e a abstenção do PCP, PEV, Chega e Iniciativa Liberal. Temos, portanto, o Estado a zelar pela “tranquilidade ou a ordem públicas” para evitar certamente “danos irreparáveis na opinião pública”. 
Foi isto também que justificou, no longo período do Estado Novo, a Censura.

O redator da lei de imprensa de 1926, Manuel Rodrigues, defendeu anos mais tarde que “os portugueses tinham o vício da informação e da calúnia” e uma “curiosidade e um desejo doentios de ser informados e informar, em especial sobre a vida do Estado, a ordem política interna e internacional”. 

Uma maçada que, pelos vistos, permanece, mas que esta nova legislação promete resolver. Tenhamos a esperança de que, como muitas outras, vá ficando apenas no papel. 

A Direita, a Esquerda e a censura


Se na maioria das questões importantes da vida nacional Esquerda e Direita não se entendem, noutras o entendimento foi possível, como é exemplo a aprovação da Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital.


“Não é informar bem o público deitar mão a todos os mexericos, a todas as intrigas, a todas as fantasias ouvidas nas mesas dos cafés, ou a algum intrujão imaginativo, para as deitar cá para fora como grandes e sensacionais revelações’’. 
Marcelo Caetano, Conversas em Família, 28/3/1974

Enquanto a Direita se reúne em convenção, com a presença dos líderes dos quatro partidos representados na Assembleia da República, algo raro na nossa democracia, a Esquerda caricaturiza o encontro cuja sigla, MEL (Movimento Europa e Liberdade), dá azo a brincadeiras várias.

O que deve ser encarado como um acontecimento normal em política é visto pelos opositores quase como uma infâmia, uma vez que ali estão presentes partidos que vão do PSD ao Chega, todos com representação parlamentar, como se sabe. A questão é, mais uma vez, o Chega, ou melhor, o seu líder, uma vez que o partido se resume, por enquanto a André Ventura. E cada vez mais se discute a ilegalização do partido, em vez de se debaterem as suas ideias.

Assim, enquanto a Direita se enfrenta a ela própria e expõe mais divisões do que pontos de entendimento, ao mesmo tempo que, pelo meio, falam de Salazar e do Estado Novo, num exercício cujo objetivo não se vislumbra, a Esquerda aguarda pelos resultados e terá ficado mais descansada por saber, pela boca de Rui Rio, que o PSD não é um partido de direita. 

Como é lógico, o que a Esquerda observa com atenção são as movimentações, por enquanto discretas, de Passos Coelho. Mas, se na maioria das questões importantes da vida nacional Esquerda e Direita não se entendem, noutras, o entendimento foi possível, como é exemplo a recente aprovação da Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital, um documento cujo título parece consensual, mas que esconde uma realidade bem diferente.

Um dos pontos que deve merecer toda a nossa atenção prende-se com “a proteção contra a desinformação”. E como se define? “Considera-se desinformação toda a narrativa comprovadamente falsa ou enganadora criada, apresentada e divulgada para obter vantagens económicas ou para enganar deliberadamente o público, e que seja suscetível de causar um prejuízo público, nomeadamente ameaça aos processos políticos democráticos, aos processos de elaboração de políticas públicas e a bens públicos”.

Ora aí está: “Ameaça aos processos de elaboração de políticas públicas e a bens públicos”. Importam-se de esclarecer? 

Mas o diploma vai mais longe. “O Estado apoia a criação de estruturas de verificação de factos por órgãos de comunicação social devidamente registados e incentiva a atribuição de selos de qualidade por entidades fidedignas dotadas do estatuto de utilidade pública”.

Mais uma vez. Importam-se de esclarecer?

Para que conste, esta legislação foi aprovada com os votos do PS, PSD, BE, CDS, PAN, das deputadas não inscritas Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues e a abstenção do PCP, PEV, Chega e Iniciativa Liberal. Temos, portanto, o Estado a zelar pela “tranquilidade ou a ordem públicas” para evitar certamente “danos irreparáveis na opinião pública”. 
Foi isto também que justificou, no longo período do Estado Novo, a Censura.

O redator da lei de imprensa de 1926, Manuel Rodrigues, defendeu anos mais tarde que “os portugueses tinham o vício da informação e da calúnia” e uma “curiosidade e um desejo doentios de ser informados e informar, em especial sobre a vida do Estado, a ordem política interna e internacional”. 

Uma maçada que, pelos vistos, permanece, mas que esta nova legislação promete resolver. Tenhamos a esperança de que, como muitas outras, vá ficando apenas no papel.