A Ordem dos Médicos defende que a vacinação de pessoas que pertencem a grupos prioritários e tiveram covid-19 há mais de seis meses deve avançar “já” e não apenas no final de maio. “É uma questão de bom senso. Um mês em pandemia é muito tempo e pode ter consequências”, disse ao i Miguel Guimarães, alertando que há profissionais de saúde que trabalham em serviços de urgência de hospitais públicos que não foram vacinados mesmo tendo tido covid-19 nos primeiros meses da pandemia e também para a situação de idosos com mais de 80 anos que tiveram covid-19 no ano passado, pessoas que podem não ter desenvolvido ou manter anticorpos. “Uma pessoa com 60 anos é mais prioritária do que alguém com 80 anos que teve covid-19 há um ano?”, questiona o bastonário dos Médicos.
Numa altura em que a vacinação vai entrar em velocidade de cruzeiro, o calendário para a imunização dos recuperados foi anunciado ontem pela diretora-geral da Saúde, depois de nas últimas semanas os médicos terem vindo a apelar à vacinação de quem teve covid-19, no imediato quem pertence a grupos prioritários e teve a doença há mais tempo, como médicos mas também pessoas com especial risco, como idosos com mais de 80 anos ou doentes com mais de 50 anos que pertenciam ao grupo prioritário de vacinação devido a doenças cardíacas, renais e respiratórias graves e que possam não ter sido vacinados por ter tido covid-19.
No fim de março, a Ordem alertou que, na Europa, apenas Portugal e Islândia não estavam a vacinar recuperados e já esta semana houve um novo repto, desta vez uma posição conjunta da Ordem, da Federação Nacional dos Médicos e o Sindicato Independente dos Médicos, contestando o facto de a norma da DGS indicar que na atual fase da vacinação não deveria ser dada prioridade a quem teve covid-19, não diferenciando quem se contagiou nas primeiras vagas ou mais recentemente.
Numa conferência de imprensa sobre o plano de vacinação esta quarta-feira, em que foi anunciado que a campanha entra numa nova fase em que a expectativa é “em breve” e ao longo de quatro meses vacinar mais de 100 mil pessoas por dia, a diretora-geral da Saúde, questionada sobre esta posição da Ordem, sublinhou que os recuperados da doença “nunca estiveram esquecidos” e explicou que se tratou de uma opção de, perante escassez da vacinas, vacinar primeiro quem nunca tinha tido exposição ao vírus. Graça Freitas apresentou o critério que será aplicado daqui para a frente. Com mais vacinas nesta etapa, até ao final de maio o Governo mantém a expectativa de que todos os maiores de 60 anos tenham feito pelo menos a primeira dose da vacina, mas isto não vai incluir ainda quem já teve covid-19. Concluído esse processo, começarão a ser chamadas pessoas que tenham tido covid-19 há mais de seis meses, que farão apenas uma dose. A Ordem tinha defendido nas últimas semanas que a evidência aponta que pessoas com maior risco de exposição e doença grave que tenham tido covid-19 há mais de 90 dias devem fazer a vacina. Miguel Guimarães não contesta o critério de seis meses agora anunciado pela DGS, mas considera que não faz sentido que não se comece a aplicá-lo de imediato nos grupos prioritários, o que implicaria começar agora a chamar pessoas que tenham tido covid-19 até outubro.
Quantos por vacinar?
Nos lares inicialmente não se distinguiu entre utentes que tiveram ou não tiveram covid-19 – o critério foi adiar a vacina apenas nos lares que tivessem surtos ativos, reagendando-a para mais tarde. Já na comunidade, segundo o i apurou, há casos em que pessoas com mais de 80 anos e diagnóstico prévio de covid-19 foram vacinadas e outros em que não. E também entre os profissionais de saúde houve locais onde a vacina foi dada. Miguel Guimarães diz que no plano implementado pela Ordem, o critério foi cumprido e que 600 médicos que tinham tido covid-19 não foram vacinados.
Segundo o último ponto de situação da task-force, na última reunião do Infarmed, 87% dos lares – que foram a primeira prioridade na operação de vacinação – já tinham no início de abril cobertura vacinal. Na saúde a cobertura era de 96% dos profissionais. Já em relação à população com mais de 80 anos, no final da última semana as estimativas eram de que 91% dos idosos nesta faixa etária tenham já a primeira dose e 58% a vacinação completa, o que significa que haveria cerca de 61 mil idosos com mais de 80 anos por vacinar. São projeções que têm por base estimativas de população, que a task-force já admitiu que podem estar sobrestimadas.
O i tentou perceber junto das entidades responsáveis quantos idosos com mais de 80 anos e pessoas de mais grupos essenciais não foram vacinadas por terem tido covid-19, não tendo havido resposta. Segundo a informação ontem transmitida pela DGS, serão contados seis não após o diagnóstico mas após a cura/alta, o que não permite usar os dados públicos para calcula o universo de pessoas que pode estar em causa. Miguel Guimarães considera também que, na prática, poderá ser um critério “difícil” de aplicar. Arrancando no fim de maio este processo, deverão ser chamadas pessoas diagnosticadas até novembro do ano passado.
No final desse mês, tinham sido diagnosticados no país 298 061 casos de infeção por SARS-Cov-2, dos quais 68 678 em pessoas com mais de 60 anos, que só começam a assim a ser chamadas depois das outras. Até ao fim de novembro tinha havido 22 mil idosos com mais de 80 anos infetados com covid-19 e mais de 3 mil mortes neste grupo etário. O universo de recuperados a chamar a partir de maio, só nos grupos etários abrangidos pela vacinação, poderá assim ser superior a 60 mil pessoas, ficando ainda por vacinar todas as pessoas que tiveram covid-19 nestes grupos etários que tiveram covid-19 a partir desse mês e que serão chamadas ao longo de 2021. Ao todo, já houve 832 255 casos de covid-19 no país, dos quais 208 mil pessoas com mais de 60 anos de idade. Nestes grupos etários registaram-se 97% das mortes, sendo que quase 290 mil pessoas sobreviveram à infeção. No caso dos profissionais de saúde, em 2020 foram notificados quase 20 mil casos de infeção nos diferentes grupos profissionais e em março, no final da terceira vaga, registavam-se 28 mil casos de infeção e 19 mortes.