“Os apoios já são tão poucos e a cultura ainda tem de os dividir com o setor tauromáquico”

“Os apoios já são tão poucos e a cultura ainda tem de os dividir com o setor tauromáquico”


“A tauromaquia não é identitária do povo português, nunca teve essa capacidade”, disse a deputada Cristina Rodrigues.


A deputada Cristina Rodrigues deu entrada de duas iniciativas, um Projeto de Lei que altera a Lei que estabelece o regime de constituição e funcionamento do Conselho Nacional de Cultura (CNC) e das suas secções especializadas; e um Projecto de Resolução que recomenda ao Governo que proceda à convocação do CNC no contexto da pandemia de covid-19.

Eleita por Setúbal nas últimas eleições legislativas, desvinculou-se do PAN em junho do ano passado. "Para fazermos o projeto, falámos com algumas pessoas do setor da cultura. Inclusivamente, foi através destes contactos que enriquecemos o projeto, que contempla uma parte sobre a tauromaquia e outra parte sobre a natureza do conselho cuja convocatória compete ao governo", começou por explicar em entrevista ao SOL, adicionando que "seria importante que o conselho tivesse a capacidade de reunir de três em três meses a pedido do governo ou a pedido do próprio conselho se 1/3 deste assim o entendesse, fazendo recomendações por sua iniciativa. Assim, não daria os pareceres apenas quando solicitado. Para o setor em si, esta é a parte mais importante", esclareceu.

É de salientar que o CNC é um órgão consultivo do Governo para a área da cultura que tem por missão emitir pareceres e recomendações sobre questões relativas à realização dos objectivos de política cultural e propor medidas que julgue necessárias ao seu desenvolvimento. Legalmente este Conselho apenas reúne quando solicitado pelo Governo.

Apelando à revogação da tauromaquia do CNC, não deixou de salientar que "os apoios já são tão poucos e a cultura ainda tem de os dividir com o setor tauromáquico", reconhecendo que "esta questão passa pela escolha pessoal de cada um porque uns consideram que é arte, outros não", mas "uma atividade que é tão controversa e que já foi tantas vezes proibida, nunca foi consensual, não é identitária do povo português, nunca teve essa capacidade", recorrendo ao exemplo do fado. "Nem toda a gente gosta deste estilo musical, mas reconhece que caracteriza o nosso povo", remata, realizando um paralelismo entre a entrada do fado para a Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade, em novembro de 2011, e o facto de municípios como Vila Franca de Xira, Sabugal ou Barrancos terem declarado a tauromaquia como Património Cultural e Imaterial de Interesse Municipal.

"É verdade que existem locais em que esta atividade é encarada como elemento integrante da cultura, mas praticamente só no Alentejo e em Santarém. Que outra atividade artística está representada no conselho e tem apenas carácter regional?", questionou, recordando que a mesma foi introduzida no CNC, em 2013, "devido aos partidos que estavam no poder e pelo facto do CDS ser assumidamente tauromáquico", pois "o conselho tinha sido criado antes e a tauromaquia não tinha sido incluída".

Na perspetiva de Cristina Rodrigues, "dada a violência associada a esta actividade, o Comité dos Direitos da Criança da ONU recomendou ao Governo português a proibição de participação de crianças em touradas. Trata-se de uma actividade que é violenta por si, tendo igualmente a capacidade de potenciar e normalizar a ideia de violência para com os animais", acrescentando que tem vindo a refletir acerca desta recomendação e tentou perceber se existiam outras atividades das quais as crianças tivessem de ser afastadas pelo risco que lhes está associado. "Poderíamos pensar em determinados filmes, mas até na indústria cinematográfica é possível apostar em conteúdos direcionados para as camadas mais jovens, enquanto a tauromaquia, em nenhuma das suas vertentes, poderia ser adequada a essas faixas etárias".

"Para além de não entender em que é que entidades como a Direcção Geral de Alimentação e Veterinária, Ordem dos Médicos Veterinários ou a Associação Portuguesa de Criadores de Touros de Lide podem contribuir para a definição da política cultural em Portugal quando nada na sua natureza está relacionado com o setor, também me choca que os aficionados não reconheçam que há sofrimento associado. Qualquer pessoa entende que o animal está em sofrimento, tal como os cavalos", finalizou.

É de salientar que esta proposta vai ao encontro da retirada da tourada da lista de património imaterial cultural de França em 2015, por decisão judicial, sendo que apenas países como Espanha, Portugal, México, Peru, Venezuela, Equador ou a Colômbia continuam a admitir esta atividade.