“As enfermarias abrem e enchem em pouco tempo”

“As enfermarias abrem e enchem em pouco tempo”


Taxas de esforço dos hospitais não são públicas, mas INEM deixou de direcionar doentes de umas unidades para as outras quando há saturação. “Estamos a fazer medicina de catástrofe, a adiar o caos”, diz ao i Filipe Froes.


Onde se poderá colocar os doentes? A pergunta repetiu-se ontem em contactos com diferentes hospitais da zona de Lisboa, agora com uma ocupação de doentes covid-19 acima do que estava previsto nos planos de contingência. No Amadora-Sintra ultrapassaram-se este domingo os 300 doentes internados. Apenas em Coimbra há mais doentes com covid-19 no centro hospitalar, mas em Lisboa são vários os hospitais a servir a área metropolitana e o cenário tem estado a tornar-se mais complexo em todas – como acontece no resto do país. Lisboa é no entanto a região com mais novos casos, mais óbitos e mais doentes a serem a hospitalizados. No Amadora-Sintra eram 326 doentes com covid-19 no domingo à noite, dos quais 22 em cuidados intensivos. Começaram o ano com 74 doentes internados, com o número de camas ocupadas com doentes com covid-19 a mais de triplicar em três semanas. Durante o fim de semana o hospital abriu mais duas enfermarias dedicadas à covid-19 com 60 vagas e previa-se a abertura de uma terceira. “Abrem e enchem” é o relato. É a 11.ª enfermaria dedicada à covid-19 no hospital, onde os tempos de espera para doentes urgentes, que pela triagem de Manchester devem ser observados em 60 minutos, voltaram ontem em alguns momentos do dia a exceder as dez horas. Em Loures, o Hospital Beatriz Ângelo começou o dia com 277 doentes internados, 47 na urgência sem vaga nas enfermarias. A ocupação já está acima do que previa o nível 7 do plano de contingência e mais de metade das 418 camas do hospital estão agora ocupadas com doentes com covid-19, com mais doentes internados no hospital e áreas que se mantêm abertas, como a maternidade – o internamento de pediatria já foi reduzido e convertido em enfermaria covid. Ontem pelas 19h, o Portal do Ministério da Saúde mostrava cinco horas de espera para doentes urgentes na urgência. No Santa Maria, havia no final do fim de semana quase 280 internados, 55 em Unidades de Cuidados Intensivos. Tempos menos elevados de espera na urgência tanto no domingo como ontem mas a maior ocupação de UCI na região.

Às dúvidas sobre como se poderá continuar a expandir a resposta nas próximas semanas, continuando os internamentos a subir nos próximos dias ao ritmo atual, vão-se somando outras nas estruturas hospitalares: se todos os hospitais estão a ter a mesma taxa de esforço e como isso poderá ser comparável ou ultrapassável. O CODU passou a recusar a suspensão de encaminhamento de doentes urgentes mesmo nos hospitais mais pressionados, como aconteceu no domingo no Amadora-Sintra, quando havia já 70 pessoas à espera na urgência. Questionado pelo i sobre esta situação em particular, o INEM esclareceu que “este mecanismo, transitório, apenas pode ser implementado pelos CODU quando existe capacidade dos hospitais vizinhos para absorverem esses doentes. No entanto, quando todos os serviços de urgência de uma determinada região se encontram sobrecarregados, o desvio de ambulâncias para outros hospitais vizinhos não é possível ou apenas é exequível em situações muito concretas e pontuais”. Este ano o INEM está a receber diariamente mais 200 chamas de emergência do que no ano passado por esta altura, numa média diária de 4300 chamadas de emergência.

Já a ARS de Lisboa e Vale do Tejo, onde se têm registado o maior número de novos casos de covid-19 e de internamentos, não esclareceu ontem quantos doentes estão internados ao todo na região e a diferente taxa de esforço por hospital, face às camas disponíveis salvaguardando o que não pode ser cancelado, qual a projeção de internamentos para esta semana e se estão a ser equacionadas mais estruturas de retaguarda.

Na última semana abriu o primeiro hospital de campanha na cidade do atleta em Oeiras e durante o fim de semana no estádio universitário, mas destinam-se a doentes estabilizados sem critério para alta, enquanto nos hospitais as enfermarias continuam a aumentar a ocupação. “As transferências são a conta-gotas”, disse ao i fonte hospitalar.

Ao i, Filipe Froes, coordenador do gabinete de crise da Ordem dos Médicos, admite que os relatos que chegam dos diferentes hospitais são preocupantes. “Estamos a fazer medicina de catástrofe, a adiar o caos. E fazer medicina de catástrofe significa que se tratam os feridos com os recursos disponíveis”, sublinha. O médico adverte que, com maior pressão, mesmo os consumíveis não estão projetados para o escalar repentino das necessidades. “Começamos a ver rutura de alguns medicamentos, por aumento da procura. No meu serviço estamos agora a usar o propofol (um sedativo utilizado em situações de coma induzido) numa formulação que não é utilizada em cuidados intensivos, porque a habitual não está disponível.”

O Infarmed confirma o aumento da procura por medicamentos mas garante estar a monitorizar a situação e que a reserva estratégia nacional contém esta substância.

A ministra da Saúde sublinhou ontem que a “situação de sobre-esforço dos hospitais do SNS é real”, disse, confirmando que os hospitais já ultrapassaram em muito a capacidade prevista. “Neste momento, precisamos de um esforço de todos durante mais uma semana, durante mais dez dias para conseguirmos vencer este momento ainda crítico”. O momento de pico de epidemia, em que os casos começam a baixar, tem sido no entanto apontado por vários especialistas para daqui a mais de duas semanas.