Seis portugueses contra 33 países. “As catástrofes naturais e as ondas de calor  vão matar cada vez mais pessoas”

Seis portugueses contra 33 países. “As catástrofes naturais e as ondas de calor vão matar cada vez mais pessoas”


O Tribunal dos Direitos Humanos aceitou a queixa que seis jovens portugueses apresentaram contra 33 países, exigindo que estes se responsabilizem pelas alterações climáticas. Agora, a luta é outra: angariar dinheiro suficiente para a defesa.


Uma decisão sem precedentes: é desta forma que a atitude do Tribunal dos Direitos Humanos tem sido encarada desde que, na segunda-feira, anunciou que havia dado luz verde a um caso inédito. A Global Legal Action Network – organização internacional sem fins lucrativos que trabalha com o objetivo primordial de interpor ações legais inovadoras além-fronteiras para enfrentar intervenientes poderosos que violam os direitos humanos – uniu o trabalho de advogados à revolta de seis jovens portugueses perante a inércia governamental em termos do combate às alterações climáticas. 
Desta forma, foi apresentado um processo contra 33 países, incluindo Portugal, sendo que na queixa apresentada os jovens alegaram que os governos visados não estão a decretar cortes profundos e urgentes nas emissões poluentes “necessários para salvaguardar o futuro” dos mesmos. O caso foi comunicado às nações processadas, o que implica que cada uma responda legalmente até ao fim de fevereiro de 2021. Sublinhe-se que a GLAN explicitou, em comunicado, que “como a grande maioria dos casos movidos pelo tribunal de Estrasburgo não chega a esse estágio, esta decisão representa um grande passo em direção a um possível julgamento histórico sobre as mudanças climáticas”.

Quem são estes jovens? A queixa foi interposta por Cláudia Agostinho, de 21 anos, Catarina Mota, de 20, Martim Agostinho, de 17, Sofia Oliveira, de 15, André Oliveira, de 12, e Mariana Agostinho, de 8. Sofia e André vivem em Lisboa – cidade onde, durante a onda de calor de 2018, foi estabelecida uma nova temperatura recorde de 44 graus –, enquanto os restantes são naturais de Leiria – região fortemente afetada pelos incêndios de 2017 que “mataram mais de 120 pessoas”, como os queixosos mencionaram no documento apresentado ao tribunal. 

Entre a magia da utopia e a ação perante a realidade “A Rita Mota, que é uma das advogadas da GLAN, é amiga do nosso pai e tinha decidido apresentar este caso em parceria com outros advogados. E decidiu acrescentar crianças, neste caso, quatro da família dela, de Leiria, e pensou em nós também. Achou boa ideia e quisemos logo agir”, disse Sofia Oliveira, de 15 anos, que vive com os pais – ambos biólogos de profissão – e o irmão André, de 12 anos, na capital. Os adolescentes valorizam a educação que lhes é dada assim como a influência do meio em que cresceram, pois estiveram sempre “rodeados de informação”, tendo “consciência” daquilo que se passa em seu redor. 
“E se as coisas estão mal, queremos fazer alguma coisa para que não estejam tão mal”, rematou o menino que vê filmes e documentários alusivos ao meio ambiente com a irmã. “Um dos meus filmes favoritos é o Lorax porque transmite uma grande mensagem ambiental”, declarou Sofia, adicionando que o trabalho do historiador David Attenborough cativa-os desde pequenos. 
“Os nossos pais dão-nos bastante cultura, levam-nos a sítios como o Douro ou Alentejo, fazemos grandes caminhadas, aprendemos sobre biodiversidade, percebemos a cultura de cada sítio e acho que temos sorte em tê-los”, avançou a jovem que espera estudar Química Verde na universidade. “É mais sustentável e amiga do ambiente porque as componentes que prejudicam mais o planeta são substituídas por aquelas de base natural. Como os plásticos. É giro e é um bom desafio”, revelou.
Quem não tem tantas certezas em relação ao futuro é André, mas está certo de que aprecia “coisas mais técnicas” e quer “usar isso para ajudar o planeta” até porque, “quando era mais pequeno, queria seguir Engenharia Aeroespacial”. Abordando os gostos profissionais com os quais se poderá debater durante muitos anos, foi imediatamente interrompido pela irmã que lembrou o momento em que Rita Mota lhes lançou um desafio. “Tínhamos de fazer um desenho e o meu irmão desenhou um chupa-furacões, para que a força dos furacões fosse usada nas cidades”, disse com orgulho, enquanto André desenvolveu a ideia:”Era uma espécie de drone que sugava os furacões e usava-os para produzir energia. São coisas dessas que quero ajudar a desenvolver”, concluiu.

A paixão pela causa ambiental “Esta é uma causa de todos nós, desde sempre que nos preocupamos com as alterações climáticas, no entanto, foi em 2017 com o incêndios florestais que tomámos consciência de que algo tinha de ser feito”, começou por explicar Cláudia Agostinho, de 21 anos, que conversou com a prima Rita Mota, à época, e percebeu que a organização “estava a explorar formas de agir contra as alterações climáticas”. Deste modo, iniciou um trabalho concertado com os restantes membros da equipa, sendo que o mesmo “resume-se a várias horas de reuniões via Skype”.
Estudando Enfermagem, admite que pretende seguir esta área profissionalmente, mas continuará a lutar contra as alterações climáticas, pois quando o fazemos, “estamos automaticamente a agir a favor da nossa saúde”. A jovem salientou igualmente que “o ser humano é vulnerável, a pandemia que vivemos comprova-o” e “as alterações climáticas vão pôr cada vez mais vidas em perigo”. A rapariga destacou que, em maio, mais de 200 organizações que representam pelo menos 40 milhões de trabalhadores de saúde em todo o mundo pediram aos governos que garantam uma recuperação ecológica da crise da covid-19.
Pelos motivos referidos, quando soube que o Tribunal dos Direitos Humanos havia aceitado o processo que interpôs com os restantes requerentes, sentiu “alegria e esperança: alegria, pois é muito raro obter uma resposta tão rápida por parte do tribunal, o que mostra que a urgência em agir é reconhecida” e, por outro lado, “esperança porque, agora a meta de reduzir as emissões de gás com efeitos de estufa para 65% até 2030 está cada vez mais perto”.
Porém, apesar do reconhecimento internacional, a jovem realçou que “toda a parte jurídica do caso é da competência dos advogados empenhados da GLAN”, que têm apoiado a equipa há três anos, sendo que “sem eles seria impossível chegar a este ponto, temos trabalhado de mãos dadas desde sempre”. E assim espera que continuem, pois este “foi um grande passo”, mas “resta aguardar a fase seguinte”. A necessidade da existência do trabalho em equipa também foi evocado pelos irmãos Oliveira: “Falamos virtualmente. Não queremos que apenas uma pessoa seja lembrada, mas sim toda a equipa, o caso todo”, disseram.

A angariação de fundos A lista de países processados pelos seis jovens não é curta: todos os estados-membros da União Europeia, a Noruega, a Rússia, a Suíça, o Reino Unido, a Turquia e a Ucrânia. Atualmente, os jovens ambientalistas e a equipa jurídica da GLAN preparam-se para responder à defesa dos 33 estados, estando a trabalhar com “especialistas em questões climáticas para mobilizar as evidências necessárias”, como é possível ler na campanha presente na plataforma CrowdJustice.
Na descrição da campanha, é percetível que “a equipa dedicada da GLAN tem trabalhado em estreita colaboração com os seis jovens, ajudando-os a traçar um caminho rumo ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos”, sendo que foram reunindo “os conhecimentos jurídicos e científicos necessários para apresentar o caso mais forte possível” com o auxílio de advogados da Garden Court Chambers, companhia de Direito especializada no combate às injustiças e à defesa dos direitos humanos. Consequentemente, na petição, a GLAN apela aos donativos para “investigação legal futura, recolha de provas e cobertura dos custos de tradução”.
Até à data de fecho desta edição, tinham sido angariadas 22,416 libras (aproximadamente 24.900 euros) das 100 mil delineadas (cerca de 111 mil euros). 

Esperança Ainda que os constrangimentos sejam muitos, os jovens não desistem de seguir os seus ideais. “Espero que a nossa ação inspire as pessoas. Principalmente as gerações mais novas, por serem as principais prejudicadas, a lutarem contra as alterações climáticas. A nossa saúde depende da saúde do meio ambiente onde vivemos e sabemos que as catástrofes naturais e ondas de calor vão matar cada vez mais pessoas, pelo que é urgente agir agora”, elucidou Cláudia, que nunca esquece que os incêndios de 2017 funcionaram como um “abre-olhos muito doloroso” e a fizeram despertar de forma intensa para as questões ambientais. Afinal, “as florestas estavam muito secas devido ao calor extremo da época e, como resultado, os incêndios espalharam-se a uma velocidade extraordinária, foi aterrador assistir a isto”, recordou. 
“Se o Tribunal nos der razão, vai finalmente haver uma base legal sólida para qualquer cidadão destes 33 países chamar o seu Estado à responsabilidade de forma concreta”, lembrou a jovem, aludindo à tomada de medidas para diminuir as emissões de gases com efeito de estufa e a extração de combustíveis fósseis. “Por isso, muito do que se pode passar depois da decisão vai bem além do que nós podemos fazer”, constatou, acrescentando que ambiciona que, “com a chamada de atenção deste caso, os governos comecem a fazer o que têm de fazer para combater as alterações climáticas”.
A seu lado, André e Sofia Oliveira realçaram que “os países são mesmo obrigados a responder, agora não há volta a dar”. Os irmãos lisboetas querem, acima de tudo, que os países em questão “tomem medidas para adaptação às alterações climáticas e oiçam os cientistas para fazerem mais e melhor”, afirmando com convicção que uma das medidas “mais importantes” trata-se da “transição energética, para que se pare de extrair recursos fósseis da Terra”.
“É muito importante perceber que os juízes do tribunal entenderam que isto é uma emergência climática porque, se não repararem nisto, eu não sei se este mundo vai poder prosperar”, afirmou André com a emoção notória na voz, mencionando, em conjunto com a irmã, que, embora “quem tenha de agir sejam os governantes”, os cidadãos comuns podem tomar medidas essenciais no quotidiano.
“Temos de mudar a nossa alimentação. Pelo menos, os adolescentes, não têm cuidado, comem fast food sem saber o impacto ambiental da mesma”, constatou Sofia, que jamais diria que cumpre todas as regras do ambientalismo. “Se disséssemos que fazemos tudo, seriamos hipócritas. Não tirámos o peixe nem a carne da nossa alimentação, mas tentamos diminuir o consumo, comer fruta da época, por exemplo”, confessou, não esquecendo que fazem refeições vegetarianas também. “Não precisamos de parar de comer carne ou peixe, temos é de resolver os problemas por partes”, explicou. “E podemos ter cuidado com a eletricidade, andar mais de transportes públicos, comer produtos locais”, assinalou André com preocupação.

O que está em causa? As atividades humanas, nomeadamente a queima de combustíveis fósseis, o abate da floresta tropical e a pecuária assumem um impacto negativo no clima e na temperatura terrestres cada vez maior. De acordo com informação veiculada pela Comissão Europeia, “o CO2, o principal gás com efeito de estufa produzido pela atividade humana, é responsável por 63 % do aquecimento mundial antropogénico” e “a sua concentração na atmosfera é atualmente 40 % mais elevada do que no início da era industrial”. É de lembrar que os gases com efeito de estufa – dióxido de carbono, metano, óxido nitroso e gases fluorados – juntam-se àqueles que estão naturalmente presentes na atmosfera, reforçando o efeito de estufa e o aquecimento global. Segundo a Comissão europeia, “o metano e o óxido nitroso são responsáveis, respetivamente, por 19 % e 6 % do aquecimento antropogénico”. Para o aumento das emissões destes gases, contribuem a queima de carvão, petróleo ou gás produz dióxido de carbono e óxido nitroso; o abate de florestas – também denominado de desflorestação, pois as árvores ajudam a regular o clima absorvendo o CO2 presente na atmosfera; o aumento da atividade pecuária – “as vacas e as ovelhas produzem grandes quantidades de metano durante a digestão dos alimentos”; os fertilizantes; e os gases fluorados que “têm um efeito de aquecimento muito forte, que chega a ser 23 000 vezes superior ao do CO2”, mas que “felizmente, são libertados em pequenas quantidades e estão a ser gradualmente eliminados ao abrigo da regulamentação da UE”.