Portugal esteve em situação de alerta nos dois primeiros dias desta semana, tendo sido proibidas todas as atividades rurais e em meio florestal – à exceção da alimentação de animais. O PSD e a Iniciativa Liberal (IL) questionaram o Governo sobre a desproporcionalidade de tal proibição, sobretudo num período como o que vivemos. A IL pede mesmo que seja comunicada “a base técnica para a imposição de restrições a direitos individuais”.
Do lado dos agricultores, a contestação também já se faz sentir, com relatos de que a medida está a colocar em risco várias colheitas – melão, uvas e tomate são produtos que podem mesmo apodrecer caso não sejam colhidos na altura certa.
Mas, afinal, esta determinação é proporcional ou não? Depende do ponto de vista.
O Ministério da Administração Interna tem defendido que esta proibição é importante para travar fogos “evitáveis”. “Temos verificado mais uma vez nos últimos dias que grande parte dos incêndios são evitáveis. Nesta semana, o incêndio de Vale de Cambra começou com um churrasco, o incêndio de Vila Flor, no sábado, começou com trabalhos agrícolas, outros incêndios também são fruto de atividades absolutamente evitáveis”, disse no domingo Eduardo Cabrita, ministro da Administração Interna, deixando o aviso: “Não é só serem desaconselhadas. Pirotecnia, trabalhos agrícolas com máquinas, uso do fogo na floresta são crime e serão tratados como tal pelas entidades com responsabilidade pela vigilância, a começar pela Guarda Nacional Republicana (GNR)”.
Porém, para o PSD, a medida não faz sequer muito sentido. “Na verdade, sem se conhecer qualquer relação entre certas atividades agrícolas como, por exemplo, a rega, os tratamentos das culturas ou a simples apanha hortofrutícola e o risco de incêndio, o Governo optou por decretar a paragem do setor agrícola”, lê-se nas questões enviadas ao Governo e através das quais se pretende também saber se o Ministério da Agricultura teve algum envolvimento.
Já para a IL, a medida anunciada pelo ministro é desproporcional e tem de ser justificada. “Urge clarificar atuações que possam ter implicações sociais e económicas na atividade diária de milhares de portugueses. A falta de retorno económico da gestão do território em vastas zonas do país conduz ao abandono do território, à consequente não gestão e à acumulação de matéria combustível”, começa por referir o partido na questão colocada ao Executivo. E sobe de tom ao acusar o atual Governo de ir mais longe, impondo a todos os agentes económicos a “proibição de realização de trabalhos nos espaços florestais e outros espaços rurais com recurso a qualquer tipo de maquinaria, com exceção dos associados à alimentação de animais e a situações de combate a incêndios rurais”.
Assim, questiona-se se será a incapacidade de fazer cumprir a lei – o fogo já é proibido nesta época – que leva o Governo a limitar ainda mais as atividades. E coloca-se ainda em causa se, em plena pandemia, parar a atividade rural durante dois dias é proporcional.
O i pediu ontem uma posição ao Executivo, através do Ministério da Administração Interna, que não chegou até à hora de fecho desta edição.
A desproporcionalidade depende do ponto de vista Uma fonte ligada à Proteção Civil, que pediu anonimato, explicou ao i que pode, de facto, existir alguma desproporcionalidade possivelmente causada pelo receio acrescido no atual momento de pandemia – sobretudo se se analisar o que está a acontecer do lado dos agricultores.
“A estrutura operacional tem um conjunto de estados de alerta especiais que vão desde a situação verde, que é a normal, à vermelha. A situação do estado de alerta vem no seguimento desta história da pandemia e, se calhar, usou-se e abusou-se deste instrumento. Recordo-me que houve dias em que as condições meteorológicas nem para aí apontavam”, disse, explicando o outro lado: “Agora, o que é verdade é que, do ponto de vista operacional, quanto mais instrumentos estiverem em vigor para evitar trabalhos nas florestas e que haja qualquer movimentação, nomeadamente com máquinas agrícolas, melhor. Tudo o que possa concorrer para que haja uma ignição deve ser evitado e, desse ponto de vista, o estado de alerta é mais um instrumento”.
Segundo a mesma fonte, a prevenção operacional é fundamental porque continua a haver um uso abusivo do fogo por parte das pessoas. “Por isso, na perspetiva do operacional, quanto mais instrumentos, melhor, mas percebo que a perspetiva do agricultor ou de quem precisa de fazer trabalhos na floresta seja certamente outra”.
E se se olhar desse ponto de vista, diz, “é desproporcional esta paragem”: “Há aqui alguma desproporcionalidade, não me custa aceitar isso. Mas também tenho de entender o fator medo por parte dos governantes”.
Defendendo que o incêndio de Oleiros acabou por empurrar o país para um estado de alerta que noutras circunstâncias poderia não ter sido declarado, este especialista afirma que ontem fez um trajeto com alguma extensão durante o qual até choveu: “Por isso, não me custa admitir que houve desproporcionalidade”.