1. Parecemos regressados ao gonçalvismo pós-11 de Março 75, um tumulto feito de reparação de perseguições e repressão do salazarismo, mas também de vinganças, desorganização e caos nas colónias. A diferença é que se vivia e fazia política em nome de ideais muitas vezes contraditórios e utópicos, mas racionalmente compreensíveis. Na altura nacionalizou-se a banca e muitas coisas por arrastamento, porque todo o mundo recorria ao crédito no marcelismo. Até uma florista sediada em instalações do que passou a ser a Rodoviária Nacional foi estatizada. Foi preciso esperar por Soares e Cavaco Silva para as coisas voltarem a uma normalidade mais ou menos europeia. Nos tempos que correm, e por motivos pandémicos, vivemos também casos estranhos, com o Estado a entrar no capital de empresas. O episódio atual da TAP terá um dia de ser explicado, por ser uma nebulosa gigantesca. Há mesmo o risco de se transformar num segundo Novo Banco. Mais curioso ainda é o caso Efacec. De surpresa, o Governo nacionalizou a empresa. A Efacec pertencia a Isabel dos Santos, que a comprou com dinheiro da banca. Mas, desde que a filha de Eduardo dos Santos caiu em desgraça e passou a ser objeto de perseguição da suposta justiça angolana, os banqueiros tornaram-se rigorosos e cortaram o crédito. Ora, se aquela unidade precisava de empréstimos e eles deixaram de ser concedidos, é obviamente porque não é saudável. Por isso, antes que a empresa vire mais um sorvedouro de dinheiro público, é preciso que se tornem claras certas coisas. Quem eram os clientes da Efacec? Qual é a efetiva capacidade tecnológica da empresa? Quem são os seus grandes clientes? O que lhe compravam? E quais são os tais trinta e tal interessados em ficar com o negócio? Ou bem que esses dados saltam para a mesa com transparência ou, então, é melhor fechar e pagar subsídios aos trabalhadores.
A forma como o Governo está a gerir os casos TAP e Efacec, com o beneplácito alternado do PSD e dos partidos da geringonça, num arco de governação inimaginável e altamente confortável para António Costa, mostra que reina uma enorme desorientação em Portugal que apanha a economia, mas cujo epicentro é mais profundo. Em tempo de pandemia, atinge o essencial: a sobrevivência de seres humanos. A desorganização está por todo o lado. Começa na gestão do combate ao coronavírus, onde se sentem as coisas descontroladas, com notícias alarmistas, outras ocultadas e uma completa insegurança quanto à evolução e à validade das medidas profiláticas a tomar em tudo o que toca à responsabilidade do Governo e das entidades sanitárias. Cada um toca para seu lado. O país está desafinado. Ainda por cima estamos na época dos fogos, em que sempre falhámos clamorosamente. Os tempos são difíceis, é verdade, mas existem mínimos de prevenção racional. Há que impor regras claras para cada cenário, de forma que em setembro estejamos preparados para o que vier, visto que o confinamento é irrepetível em todo o território. Não se perceberia, por exemplo, que o país público e político fosse pacatamente a banhos em fins de julho e agosto, como parece estar a acontecer. Keep calm e organização é o que os portugueses precisam. E isso prepara-se agora, com muito trabalho.
2. A lista A, composta por um grupo alargado de militantes, venceu as eleições para a concelhia de Lisboa do PSD, com a faraónica percentagem de 71%. Os ganhadores juntavam gente de todos os quadrantes do partido, num movimento dinâmico e de reunificação. Fez lembrar o ano de 2000, quando Manuela Ferreira Leite, então líder distrital de Lisboa, conseguiu construir uma solução tão sólida que projetou Santana Lopes para a conquista da Câmara de Lisboa, contando até com o improvável apoio de Durão Barroso. Este veio depois a beneficiar do movimento, ao ponto de vencer as legislativas. Tratou-se de um momento de viragem, tal como pode ter sido o deste sábado, se houver o bom senso de não se estragar na secretaria o que se está a construir. Nuno Morais Sarmento, vice-presidente do PSD, era o padrinho e inspirador da lista derrotada em Lisboa, a qual foi percecionada como excessivamente alinhada com estratégias de poder nacional e displicente quanto ao objetivo concreto de mudar as coisas em Lisboa, tanto na câmara como nas juntas. Como o próprio Rui Rio proclama, o passo fundamental são as autárquicas, para depois avançar para as legislativas. Uma nota: convém não esquecer as regionais dos Açores.
3. O Montepio mantém-se na ordem do dia. É oportuno lembrar, exatamente agora, que a instituição foi uma fonte de financiamento da Efacec e de Isabel dos Santos. É mais um caso que só Tomás Correia pode explicar. O grupo Montepio está gravemente doente. Mesmo a passagem de Carlos Tavares pela liderança do banco não trouxe nada de relevante, antes pelo contrário. Nos últimos dias apareceu, como eventual candidato a líder da associação mutualista que controla o universo Montepio, o nome de Campos e Cunha. Trata-se do ex-ministro das Finanças de Sócrates e que dele se afastou em poucos meses. Há que lhe render a homenagem de ter sido o primeiro a perceber a desgraça que aí vinha. Outro nome que é visto como um potencial salvador do Montepio é Bagão Félix, uma referência de seriedade em Portugal. Seja como for, qualquer nome de primeiro plano que avance só poderá fazê-lo se tiver a seu favor um compromisso com o Governo de salvar a instituição quase bicentenária. Outros que apareçam sem esse pressuposto ou são loucos ou oportunistas. Claro que, no mutualismo, são os associados que decidem. Daí que aqueles que desde sempre denunciaram sistematicamente a gestão de Tomás Correia tenham de ser ouvidos e envolvidos, nomeadamente através de António Godinho, que foi a cara de uma alternativa corajosa que granjeou apoios substanciais. Chegou a ameaçar o reinado de Correia, o que só não aconteceu porque os interesses políticos e corporativos afastaram os mutualistas da responsabilidade que cada um tem em relação à organização, através do seu voto. Para alguns, a abstenção é uma arma de conquista do poder.
Escreve à quarta-feira