Escola profissional. Venda em contrarrelógio à GPS faz estalar polémica

Escola profissional. Venda em contrarrelógio à GPS faz estalar polémica


Câmara da Mealhada justifica decisão com pandemia, mas mudança de estratégia causa indignação até dentro do partido.


A venda da Escola Profissional Vasconcellos Lebre (EPVL), na Mealhada (Aveiro), pelo município ao grupo GPS de António Calvete por 491 mil euros está a provocar polémica, e a levantar uma onda de protestos a que nem os partidários das cores do presidente socialista Rui Marqueiro ficaram indiferentes – Nuno Veiga, presidente da Junta de Freguesia de Casal Comba, pediu a demissão de membro da concelhia do PS.

A venda apanhou (quase) todos de surpresa, uma vez que em outubro de 2019 a Câmara da Mealhada – depois de receber o aval do Tribunal de Contas (TC) – confirmou a aquisição da quota que a Caixa de Crédito Agrícola detinha na instituição, por 176 mil euros, culminando um processo que teria como objetivo tornar a EPVL propriedade da autarquia a 100%. 

Na reunião que aprovou a compra ao privado, Rui Marqueiro chegou mesmo a dizer que “o que queremos é que a escola seja totalmente pública”; e meses depois, o município justificou no TC que o negócio permitiria gerir a escola “com ganhos de economia e eficiência imediatos em abono do reforço da sustentabilidade e viabilidade” e “impedir a sua dissolução”.

Passados apenas sete meses, porém, a Câmara da Mealhada inverteu a sua própria estratégia e vendeu a EPVL a outro privado: o grupo GPS.

Negócio ao ‘sprint’. A velocidade com que tudo decorreu causou espanto: Rui Marqueiro apresentou a decisão do Executivo de vender a EPVL na reunião da autarquia de 4 de maio e a hasta pública decorreu logo no dia 13, contando apenas com a proposta vencedora. Feitas as contas, a EPVL passou para a posse do grupo GPS em apenas oito dias úteis. A homologação do negócio deu-se na Assembleia Municipal a 23 de maio, mesmo com os votos contra de toda a oposição e do socialista Nuno Veiga. Daniela Salgado, presidente do órgão, eleita pelo PS, absteve-se.

Contactado pelo i, Rui Marqueiro rejeita que tenha alguma vez “afirmado que a EPVL seria para manter na esfera pública”, após a sua aquisição, admitindo que “sempre houve três ou quatro possibilidades em cima da mesa e a venda, tal como acabou por acontecer, era, de facto, uma delas”.

Quanto ao timing escolhido, o presidente da Câmara da Mealhada justifica a decisão com a pandemia de covid-19: “Se não houvesse pandemia, ou se soubesse que ela terminaria já amanhã, provavelmente a escola não seria vendida”. O autarca recorda que o município já gastou cerca de “meio milhão” a combater a doença, e admite que, se for necessário, pode gastar “todo o dinheiro deste negócio na compra de equipamentos de proteção individual (EPI), testes ou gel desinfetante”. “A Câmara da Mealhada tem mais ativos que, à medida das necessidades, podem ou não ser vendidos. Neste momento, o importante são as pessoas, portanto, que se vão os anéis e que fiquem os dedos”, sublinha.

Quanto ao futuro da EPVL, Marqueiro manifesta-se tranquilo: “Os privados podem gerir a instituição muito bem, até melhor do que nós. Aliás, só uma pessoa sem senso é que pode achar que uma empresa investe 491 mil euros em algo para depois a destruir”.

Estas justificações, porém, não convencem toda a gente, mesmo dentro do próprio PS. Ao i, Nuno Veiga afirma que “a continuidade da gestão municipal da EPVL merecia uma maior e aprofundada análise com a participação e audição” de toda a comunidade. 

O presidente da Junta de Casal Comba (e agora ex-membro da concelhia socialista) defende “a viabilidade financeira” da instituição e alerta para “uma privatização que pode significar o afastamento, ou mesmo o fim, da relação entre EPVL e os munícipes”, bem como “do seu papel nas atividades sociais, culturais e desportivas do concelho”. “Por tudo isto, considero que a EPVL merecia continuar como até aqui e ser gerida na esfera do município”, conclui.

Colegas de bancada. Figura central de toda esta história é António Calvete, o polémico presidente do grupo GPS (Gestão de Participações Sociais), que fez fortuna com a gestão de colégios privados, e tem vindo a ser investigado pelo Ministério Público por vários crimes de burla qualificada, falsificação de documentos, peculato e branqueamento de capitais – e que, mais recentemente, foi notícia depois de a PJ ter encontrado quase um milhão em barras de ouro e notas do Banco Central Europeu no interior de uma banheira de hidromassagens em sua casa.

Antes da concretização deste negócio, António Calvete e Rui Marqueiro já se haviam cruzado como colegas da bancada PS na Assembleia da República, durante a curta legislatura de António Guterres (1999-2002). Calvete e Marqueiro eram, por essa altura, deputados eleitos, respetivamente, por Leiria e Aveiro, mas segundo o atual presidente da Câmara da Mealhada nem sequer se chegaram a conhecer pessoalmente.

“Nunca o que conheci nessa fase e não tenho nenhuma ligação com esse senhor ou com qualquer outra pessoa ligada à GPS. Aliás, confesso, pela minha palavra de honra, que desconhecia completamente a existência desse grupo”, garante Marqueiro.

E nem sequer os problemas com a justiça do novo dono da escola profissional da Mealhada são motivo de preocupação para o autarca local: “Sou adepto da presunção de inocência. E se a GPS tem problemas com a justiça, isso é lá com eles”, conclui.