Ao longo de décadas de treinos, estudos e missões, a NASA concluiu que há três aspetos decisivos para manter intactas as faculdades físicas e mentais que asseguram o bom desempenho de um astronauta: a quantidade de luz – nem de mais, nem de menos; o movimento – é fundamental fazer algum exercício físico; e o sono – um sono regrado, sem variações drásticas de horário. Estas são as regras de ouro que um astronauta deve respeitar para cumprir uma missão no espaço bem-sucedida.
A agência aerospacial norte-americana também encoraja os seus homens a manterem um diário. Quando se passa meses fechado num espaço fechado e exíguo, passar para o papel os acontecimentos do dia, as sensações e os sentimentos é uma boa forma de não acumular frustrações e ansiedade.
E os próprios astronautas, que conselhos têm para dar? A sua experiência pode ensinar-nos alguma coisa nesta época de isolamento?
Com três missões no espaço, o coronel Chris Hadfield, do Canadá, possui uma longa experiência de confinamento. No seu livro Guia de Um Astronauta Para Viver Bem na Terra, uma fotografia sua aos cinco anos, em que aparece dentro de uma pequena caixa de cartão, é acompanhada pela seguinte legenda: “Mal sabia eu que este treino inicial estava, na verdade, a preparar-me para voar no espaço acanhado da nave Soyuz”.
Há dias, Hadfield explicou no seu canal do YouTube os quatro passos que os astronautas cumprem religiosamente para se manterem lúcidos e produtivos durante o isolamento:
1. “Compreender o risco real”.
2. “Quais são os teus objetivos, onde queres chegar, qual é a tua missão? Define isso com clareza. Para esta tarde, para esta semana, para o próximo mês”.
3. “Depois olha para os constrangimentos. Quem te diz o que tens de fazer? De que recursos dispões? Quais são as tuas obrigações?”
4. “Quando tiveres compreendido o risco, a missão e as obrigações, age. Começa a fazer coisas”.
Em seguida, Hadfield dá exemplos do que se pode fazer: “Não têm de ser as mesmas coisas de sempre. Aprende a tocar guitarra. Aprende uma língua nova. Lê um livro. Escreve”. E conclui: “Cuida de ti, cuida da tua família e amigos, cuida da tua nave espacial”.
“Saiam” Outro astronauta reformado, o norte-americano Scott Kelly, escreveu há poucos dias um artigo para o New York Times com algumas dicas para ter mais qualidade de vida durante este período. Kelly sabe o que está em causa: viveu quase um ano na Estação Espacial Internacional e reconhece que “não foi fácil”.
O primeiro conselho que dá é delinear um horário. “Manter um plano vai ajudar-te a ti e à tua família a adaptarem-se à vida em casa e a um novo ambiente de trabalho”. Nisto, os astronautas são unânimes: manter-se ativo e ocupado é vital. Mas o planeamento diário não tem de ser demasiado rígido. Há que reservar tempos livres para atividades de lazer, como ler, ver séries ou tocar um instrumento musical.
Tal como a NASA, Kelly também insiste na importância de hábitos de sono “consistentes” e nos benefícios de manter um diário, que permitirá “mais tarde olhar para o significado deste tempo único na História”.
Os astronautas têm certamente privilégios especiais: podem divertir-se a fazer cabriolas com a ausência de gravidade e, espreitando através da escotilha, desfrutam da melhor vista que um homem pode ambicionar: o planeta azul a pairar no vazio. Até beber água pode ser uma aventura. Porém, mesmo durante o estado de emergência, quem se encontra em terra tem sobre eles uma vantagem preciosa: poder sair para um pequeno passeio higiénico.
“Uma das coisas de que senti mais falta enquanto vivi no espaço foi poder sair e contactar com a natureza”, revela Scott Kelly no artigo. “Depois de estar confinado num pequeno espaço ao longo de meses, comecei a implorar pela natureza – a cor verde, o cheiro da terra fresca e a sensação do calor do sol na minha cara”. Para iludir as saudades, o astronauta pediu a amigos que lhe gravassem sons de pássaros, do restolhar de árvores e até… de mosquitos.
Para os inquilinos da Estação Espacial Internacional, o vento a soprar nas árvores ou o canto das aves não passam de miragens fora do seu alcance. Para a maioria de nós, mesmo para quem vive na cidade, basta carregar no botão de um elevador (de preferência usando um lápis com ponta de borracha, para evitar o contacto com a pele) ou descer alguns lanços de escadas e caminhar alguns minutos para encontrar um pequeno jardim ou, pelo menos, algumas árvores. “E nem é preciso um fato espacial”, comenta Kelly.
Na realidade, o complexo fato é um acessório essencial para sobreviver quando se sai para o espaço sideral. “Se chegássemos lá fora e houvesse alguma fuga no fato, os nossos pulmões romper-se-iam, os nossos tímpanos rebentariam, a nossa saliva, suor e lágrimas ferveriam e sofreríamos uma embolia”, escreve Chris Hadfield em Guia de Um Astronauta Para Viver Bem na Terra. “A única boa notícia é que em dez a quinze segundos perderíamos a consciência”.
Já dentro da cápsula da estação espacial, pelo contrário, os astronautas não precisam de ter grandes preocupações com a indumentária. Dada a temperatura ambiente, pode-se andar tranquilamente de T-shirt. A grande diferença relativamente à vida na Terra é a regularidade com que a roupa tem de ser trocada. “Um par de meias durava uma semana, uma camisa dava para duas semanas e os calções e calças podiam ser usados durante um mês, sem consequências sociais desagradáveis”, explica o coronel Hadfield no seu livro.
Se há aspetos em que o quotidiano dos astronautas pode ajudar-nos a lidar com a nossa experiência de confinamento, este não é certamente um deles. Usar o mesmo par de meias durante uma semana? Com ou sem contacto social, o conselho é o mesmo. Como se costuma dizer no circo: “Não experimentem fazer isto em casa”.