Campanha EUA 2020. Confia-se em Deus ou no dinheiro?

Campanha EUA 2020. Confia-se em Deus ou no dinheiro?


Com quase todos os delegados ainda por distribuir, a corrida para a nomeação presidencial democrata já é a mais dispendiosa de sempre. Os valores são impressionantes: contando com todas as campanhas, os democratas já gastaram 1,2 mil milhões de dólares.


Foi em 1861, no meio da sangrenta Guerra Civil Norte-Americana, que o secretário do Tesouro da altura, Salmon P. Chase, introduziu a máxima “In God We Trust” (Confiamos em Deus) nas notas dos dólares – mal sabendo que o dinheiro se tornaria a verdadeira divindade da política nos Estados Unidos.

Com quase todos os delegados ainda por distribuir, a corrida para a nomeação presidencial democrata já é a mais dispendiosa de sempre: os candidatos já gastaram nas suas campanhas 1,2 mil milhões de dólares, segundo os dados reportados à Comissão Federal Eleitoral – um valor extraordinário se o compararmos com os montantes gastos durante as primárias democratas de 2008, em que muitos tentaram a sua sorte para ganhar a nomeação presidencial: 312 milhões de dólares (com o valor ajustado à inflação, hoje, esse montante equivale a 382 milhões de dólares).

Estes recordes estão a ser ultrapassados muito por culpa dos multimilionários Tom Steyer e Michael Bloomberg, ex-mayor de Nova Iorque. Se excluirmos o dinheiro desembolsado por estes dois candidatos (em cinco ainda na corrida), o valor desce para metade: cerca de 572 milhões de dólares, segundo o Center for Responsive Politics. No caso de Bloomberg, o dinheiro comprou-lhe a omnipresença: naquilo que é o maior instrumento tradicional de propaganda eleitoral, o ex-presidente da Câmara de Nova Iorque tem 410 milhões investidos em anúncios televisivos (ver gráfico). Resta a dúvida se isso se traduzirá em votos.

Sem dinheiro, nenhum candidato respira e, para isso, entram em cena os bilionários. Segundo a revista Forbes, um quinto dos multimilionários norte-americanos contribuíram para a campanha de, pelo menos, um candidato democrata até ao final de 2019. E o campeão de doações deste género é o ex-vice-presidente Joe Biden: tem o apoio de 60 bilionários. A seguir encontravam-se o ex-presidente da Câmara de South Bend Pete Buttigieg (52); a senadora do Minnesota Amy Klobuchar (29); e a senadora do Massachusetts Elizabeth Warren (6).

Segundo a publicação norte-americana, o senador do Vermont Bernie Sanders é a única exceção à regra: não tem o apoio de nenhum bilionário – não fosse um dos seus motes de campanha atacar a influência destes em Washington e desencadear uma revolução política. O autointitulado socialista democrático é, sim, o rei das pequenas doações: só em fevereiro, Sanders recebeu 2,2 milhões de donativos individuais, num total de 46 milhões de dólares (com uma média de 21 dólares por donativo), segundo a campanha do próprio. Um resultado muito à frente de qualquer outro candidato: por exemplo, Warren, que segue a mesma estratégia de Sanders (ou seja, a campanha é financiada com base em pequenas doações), recebeu 29 milhões de dólares, com uma média de 31 dólares por donativo.

Mas um bom exemplo do poder do dinheiro (e da dependência deste) nos processos eleitorais nos EUA é o de Warren. Embora tenha iniciado a corrida prometendo lutar contra a influência do dinheiro “corrupto” na capital, a candidata da ala progressista do partido está a dar tudo por tudo para se manter na corrida. Com os maus resultados nas primeiras quatro primárias, a senadora está com problemas de financiamento e no limiar de ser forçada a desistir. E por isso aceitou o “Super PAC” – quebrando uma promessa de campanha – mais alto até agora das primárias de 2020, no valor de 9 milhões de dólares, para disputar a “super terça-feira”: a noite crucial das primárias, onde se vão disputar um terço dos delegados.

 

“Super Pac” e o caso Citizens United

O dinheiro sempre teve uma influência brutal na política norte-americana. Mas foi em 2010, com o caso Citizens United versus Comissão Eleitoral Federal, que começaram a voar montantes sem precedentes nas campanhas eleitorais – e sem limites. No caso em questão, o Supremo Tribunal retirou as restrições que impunham limites aos donativos feitos por parte de empresas, sindicatos e outras organizações – seja para financiar campanhas eleitorais, legislação ou, por exemplo, para realizar campanhas contra determinados políticos ou determinadas campanhas políticas (como a legalização do aborto).

Com esta decisão, justificada com o argumento da liberdade de expressão da primeira adenda da Constituição, os valores dos conhecidos Super PAC – comités de ação política independente – dispararam: em 2002, o montante despendido nas midterm elections (para o Senado e para a Câmara dos Representantes), segundo o Center for Responsive Politics, foi de cerca de 28 milhões de dólares. Em 2018, ultrapassou o milhar de milhão de dólares.