A Procuradoria-Geral da República (PGR) recuou ontem de forma clara na intenção de reforçar os poderes da hierarquias sobre a autonomia dos procuradores. Logo durante a manhã foi anunciada a suspensão da publicação, em Diário da República, da diretiva que o determinava, depois das várias críticas de que foi alvo por parte dos magistrados. Além disso, pediu ainda “um parecer complementar ao Conselho Consultivo versando o regime de acesso ao registo escrito de decisões proferidas no interior da relação de subordinação hierárquica”, refere aquele organismo em comunicado oficial.
Estava previsto que a polémica diretiva que reforça os poderes da hierarquia – que, se avançasse, permitiria que os superiores hierárquicos dessem ordens a magistrados do Ministério Público em processos-crime, não sendo exigido o seu registo escrito – fosse discutida ontem, no início da reunião do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), mas tal acabou por não acontecer devido a esta suspensão.
A medida tem causado um grande mal-estar entre os magistrados desde que foi anunciada e, na semana passada, o Sindicato dos Magistrados do MP (SMMP) impugnou judicialmente a diretiva da PGR. O Sindicato lançou várias críticas a Lucília Gago, procuradora-geral da República, chegando mesmo a afirmar que esta era “a morte do Ministério Público democrático”.
António Ventinhas, presidente do SMMP, confirmou na altura ao i que iria avançar com um processo judicial. Tudo começou quando a própria PGR transformou um parecer do Conselho Consultivo da PGR numa diretiva, sem antes o colocar à discussão no próprio CSMP.
O caso teve eco internacional, com a associação de juízes polaca Iustitia Polska a afirmar que a diretiva seria um atropelo ao Estado de Direito Democrático.
“Uma situação dessas na Polónia não seria surpreendente, mas em Portugal sim. Não se podem fazer as coisas dessa maneira. Um cargo de nomeação política não pode decidir as coisas dessa maneira. Trata-se de uma violação de normas fundamentais”, disse na última semana à Lusa a juíza Monika Frakowiak, porta-voz da associação.
Também durante o dia de ontem o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, afirmou que esta suspensão era importante para esclarecer dúvidas e “combater a criminalidade, a ilegalidade e a corrupção”.
Uma justiça com menos meios
Na última semana ficou também a saber-se que foi decidido pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM) retirar a juíza que substituía o magistrado Ivo Rosa no Tribunal Central de Instrução Criminal enquanto este está em exclusividade na operação Marquês, passando todos os processos a ficar a cargo do juiz Carlos Alexandre. Uma decisão que apesar de legal pode ser vista como um sintoma do desinvestimento na Justiça. De facto, fontes do sector ouvidas pelo i consideram que esta decisão do CSM, mesmo que com todo o fundamento legal, traduz-se num claro empobrecimento dos meios de Instrução. “Deveria começar a apostar-se numa super justiça e não em dois super juízes”, diz uma das fontes ouvidas pelo i, referindo que até ao momento em que o magistrado Ivo Rosa está em exclusivo da Operação Marquês deveria haver o cuidado de não sobrecarregar o outro juiz do tribunal, neste caso Carlos Alexandre – colocando vários processos com centenas de testemunhas a ser acompanhados por apenas uma pessoa. Além disso, a situação pode passar internamente a imagem de que não há mais pessoas competentes para estar naquele tribunal.
Apesar da sobrecarga, sabe o i, até agora não existem quaisquer atrasos nos processos que foram distribuídos a Carlos Alexandre, estando a ser cumpridos todos os prazos.
Uma outra fonte judicial apresentou um argumento diferente para defender a necessidade de reforçar os meios atuais – diz que todas estas alterações e o facto de não se pensar numa estratégia para robustecer a Justiça com mais meios, incluindo o departamento que investiga a criminalidade mais complexa, o DCIAP, e Tribunal Central de Instrução Criminal é cada vez mais um caminho sem retorno, que mais tarde ou mais cedo acabará por esbarrar naquilo que é defendido pelo atual líder do PSD, ou seja, “uma intervenção política no quadro da Justiça”.
Recorde-se que Rui Rio considerou este fim de semana que Portugal tem de fazer reformas para devolver “transparência” ao sistema político, uma vez que este permanece sem alterações desde o período pós-revolucionário e apresenta sintomas de “enquistamento e de utilização perversa das normas em vigor”.
Questionado esta semana, o CSM não enviou qualquer resposta sobre este assunto. com C.D.S