Uma das mais ilustres cidadãs portuenses está em guerra com a sua cidade – ou, mais propriamente, com a câmara municipal da mesma. Rosa Mota, que durante anos deu o nome ao Palácio de Cristal, no Porto, decidiu não marcar presença na reabertura do pavilhão, agendada para ontem, como forma de protesto pelo facto de o seu nome ter sido de alguma forma subalternizado em relação à marca patrocinadora das obras no espaço: a Super Bock.
Em carta enviada à câmara municipal, e divulgada pela TSF, a antiga campeã olímpica revelou sentir-se “definitiva e claramente enganada” quando recebeu o convite do edil do Porto, Rui Moreira, para a reabertura do Super Bock Arena Pavilhão Rosa Mota. De acordo com a atleta, esta não era a designação que tinha sido inicialmente acordada: Rosa Mota estava convencida de que o nome oficial do espaço passaria a ser Pavilhão Rosa Mota – Super Bock Arena.
“Comunico a todos os vereadores, em primeira mão, que não dou a minha anuência a algo que parece estar definitivamente estabelecido e que não foi o que foi acordado”, escreveu Rosa Mota na carta enviada ao município. A antiga maratonista, recorde-se, está associada ao pavilhão desde 1988, depois de o executivo liderado pelo então autarca Fernando Cabral ter decidido homenageá-la pela conquista da medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Seul, na Coreia do Sul, atribuindo o seu nome ao pavilhão.
Câmara não cumpriu o prometido Na referida carta, Rosa Mota conta que, no início de março de 2018, teve uma reunião com o Círculo de Cristal — o consórcio responsável pelo projeto — e um administrador do Super Bock Group, onde foi informada de que o seu nome iria sair da designação do pavilhão e que “o mesmo se iria chamar simplesmente Super Bock”. “Ainda nesse mês, o presidente Rui Moreira convidou-me para reunir com ele na câmara e aí, começou por afirmar exatamente o contrário dos senhores do Círculo de Cristal: ‘A toponímia não se muda’. E acrescentou, sabendo do meu enorme constrangimento em que o meu nome esteja ligado a uma bebida alcoólica e até da legalidade discutível desta situação: ‘Mas se a Rosa pudesse aceitar a bebida alcoólica, a cidade beneficiaria muito’”, escreveu a atleta, contando ainda que, em reunião com a vereadora do Desporto, Catarina Araújo, prometeu aceitar “o ‘suplemento’ Super Bock” à designação Pavilhão Rosa Mota. O nome ficaria, assim, Pavilhão Rosa Mota – Super Bock Arena, e não Super Bock Arena Pavilhão Rosa Mota – designação que Rosa Mota considera “uma inaceitável subalternização da toponímia da cidade”.
Entretanto, e à medida que as obras foram avançando, Rosa Mota acabou por perceber que essa espécie de acordo não estava a ser cumprido. A atleta questionou então o edil do Porto, Rui Moreira, que assumiu “não ser possível impor ao Consórcio” o que tinha sido acordado anteriormente com a vereadora. Desse modo, Rosa Mota decidiu não comparecer à reabertura do espaço.
Autarquia defende-se O tema, como seria de esperar, acabou por ter papel de destaque na reunião matinal do executivo. Antes, porém, já a autarquia havia emitido um comunicado onde garantia que o nome de Rosa Mota terá maior destaque do que alguma vez aconteceu até aqui em relação ao pavilhão.
“O executivo de Rui Moreira, quando há seis anos tomou posse, encontrou um pavilhão em pré-ruína e praticamente inutilizado pela degradação e falta de manutenção. Embora batizado com o nome da atleta, não tinha qualquer inscrição do seu nome nem na fachada, nem em nenhum local visível. Nunca teve, aliás. Foi então lançado um concurso público internacional que permitiu concessioná-lo e devolvê-lo ao uso da cidade, como centro de congresso e pavilhão multiusos. O investimento foi totalmente suportado por privados que encontraram a forma de financiamento adequada. Pediram, esses mesmos privados, para mudar o nome ao equipamento. Nesse processo, ficou assegurado que ninguém poderia retirar o nome da atleta da designação formal, mas que também no uso comercial o seu nome teria sempre de estar presente. Estes dados foram fornecidos à atleta, que com eles concordou e se congratulou há mais de um ano”, refere o comunicado da Câmara Municipal do Porto, onde se pode ler ainda que “o nome de Rosa Mota está mais do que nunca protegido”: “Vai ficar não apenas na designação formal e comercial como ficará, pela primeira vez, inscrito sobre a entrada principal do pavilhão e também em vários locais do seu interior. Não se compreende que alguém se possa considerar mais respeitado dando nome a um edifício em pré-ruína e sem uso do que num moderno centro de congressos onde a sua designação está claramente inscrita”.
A autarquia, de resto, acaba por deixar no ar a ideia de que Rosa Mota terá ficado desagradada com algum fator subjacente às “negociações entre as partes”. É preciso referir, ainda assim, que na carta dirigida aos vereadores a atleta se disponibilizou para pedir a retirada do seu nome do pavilhão “caso a sua permanência seja um grande prejuízo para a Câmara/cidade”. “Nunca quis obter qualquer tipo de vantagem que não o interesse da cidade e o respeito pelas suas instituições”, escreveu.
Marcelo também não gostou Não foi só Rosa Mota, todavia, a falhar a presença no evento. Vários vereadores da oposição anunciaram, logo na reunião, que não iriam marcar presença na cerimónia, considerando que o nome da atleta ficaria “menorizado” – Álvaro Almeida, do PSD, lembrou mesmo que o executivo aprovou “um acrescento à designação e não a alteração completa do nome” –, mas também Marcelo Rebelo de Sousa, que teve a sua presença prevista até sexta-feira, acabou por não comparecer. Oficialmente, a ausência do Presidente da República foi justificada com a necessidade de realizar exames médicos, mas a TSF afirma que a mesma se deveu à polémica que entretanto se gerou devido à mudança do nome do recinto.