No Society – La fin de la classe moyenne occidentale – é a obra mais recente de Christophe Guilluy, um geógrafo francês que se tem dedicado a analisar as consequências sociais e políticas da marginalização política e da deslocação para as periferias das classes populares (que ele, por vezes, designa também como classes médias), que antes se constituíam como o centro vital económico, social e cultural das grandes cidades e, assim, da sociedade em geral.
Esta obra, na sequência de outras que o autor foi escrevendo sobre temas relacionados, tem a virtualidade de, num modo claro e direto, nos aclarar muitas das evoluções políticas e opções eleitorais das classes populares europeias e norte-americanas, a partir de finais dos anos 80 do Século XX, e das políticas neoliberais então desenvolvidas por Thatcher e Reagan.
Fundada em números e estatísticas oficiais – e não em dissertações mais ou menos históricas, mais ou menos ficcionais, justificativas das impressões e preconceitos de certos académicos -, a análise desenvolvida nesta obra ajuda, de facto, a compreender melhor alguns dos paradoxos políticos atuais.
Através da sua leitura, podemos compreender um pouco mais a deslocação do voto de alguns sectores das classes populares, anteriormente suportes dos partidos de esquerda, para uma direita populista, ou mesmo fascista, ou a sua adesão a movimentos de revolta não politicamente catalogáveis como os dos «gilets jaunes».
A sua leitura ajuda, também, a alcançar a razão de ser da adesão popular ao Brexit e a políticos como Donald Trump.
Mas, acima de tudo, o que da sua leitura se retém de essencial é a necessidade de rever uma política que vem agravando política, social e culturalmente a rutura entre o que o autor qualifica como classes populares e as elites – as (ditas) de esquerda e as de direita – que povoam hoje os centros de poder urbanos, mediáticos e culturais da Europa e dos EUA.
É na rutura entre as mundividências e os agora já assumidamente objetivos elitistas das classes superiores, face ao que as mesmas consideram ser as expectativas retrógradas e os interesses pouco ilustrados das classes populares – uma rutura que se concretiza não só no plano material, como, não menos importante, no plano cultural – que o autor justifica, também, a perda de orientação das comunidades imigrantes acolhidas na Europa.
Estas tinham, precisamente, como paradigma o percurso política e socialmente optimista e ascendente das classes médias e populares, que, entretanto, se esboroou.
Daí, resultam, por exemplo, segundo o autor, muitas das razões que levam à erosão dos efeitos integrativos das políticas republicanas francesas, substituídas, cada vez mais, por opções identitárias de natureza étnica, religiosa e cultural por parte das comunidades imigrantes.
É que era, justamente, a capacidade de projeção de futuro das classes populares, e não os standards alcançados pelas classes altas e suas elites, que se constituíam como farol social dos imigrantes e lhes proporcionavam os instrumentos culturais para aspirarem a participar e integrar a sociedade de acolhimento.
O facto de passar a ser negado às classes populares a possibilidade de representarem política e, sobretudo, culturalmente, os seus problemas, interesses e expetativas – considerados deploráveis pelas elites, políticas, sociais, culturais e mediáticas que governam muitos países – retirou-lhes a apetência para continuarem a participar e a erguer um mesmo projeto de sociedade que, afinal, não lhes assegura o seu futuro e o dos seus filhos.
Assim se destruiu, radicalmente, o cimento social e cultural que sustenta qualquer sociedade, mesmo tendo em atenção as contradições sempre nela e por ela geradas.
A leitura e o debate desta obra deveriam, pois, interessar a todos os que, em Portugal, hoje se propõem encetar um novo ciclo político que, necessariamente, se vê já condicionado por muitos dos prolemas analisados por Christophe Guilluy.