O uso de transporte motorizado está enraizado na nossa cultura. Muitos de nós usamos regularmente veículos motorizados, mesmo quando as distâncias permitiriam outras formas de organização da mobilidade. Muitos de nós, senão uma maioria dos residentes nas cidades europeias, fazemos percursos com menos de 15 quilómetros por dia, na maioria do ano, e viagens longas duas a três vezes por ano. Estes hábitos foram consolidados pela enorme disponibilidade de combustíveis fosseis e pela não menor ignorância do muito mal que dessa prática decorre.
Hoje, o uso de combustíveis fósseis nos transportes é responsável por quase um quarto dos gases com efeito de estufa (GHG na sigla inglesa) emitidos na União Europeia e, portanto, é um contribuinte direto para o aquecimento global. Perante esta grave situação, em 2015, sob a égide das Nações Unidas, todos os países adotaram a agenda UN 2030 com 17 objetivos de desenvolvimento sustentável.
A descarbonização dos transportes é relevante para vários destes objetivos, principalmente no que respeita à disponibilidade de energia (SDG 7) e ao combate aos impactos das mudanças climáticas (SDG 13), mas também, indiretamente, para vários outros
Algumas cidades europeias, e não só, têm vindo a tomar decisões de restringir o acesso de veículos poluentes aos centros das cidades. Mas a realidade é que as medidas adotadas são ainda insuficientes para o que necessitamos. É indispensável uma mudança profunda nos nossos hábitos económicos e sociais, e para isso necessitamos de políticas determinadas ao nível europeu, nacional e local.
É necessário reduzir a procura de transporte, mas também alterar o uso de transportes para veículos mais eficientes, e desenvolver soluções de menor emissão carbónica, tanto no transporte de passageiros como no de mercadorias, especialmente em meio urbano. Note-se que se conseguirmos reduzir estas emissões teremos também um impacte positivo na saúde e na qualidade de vida do cidadão.
A mobilidade elétrica é uma das soluções que são recorrentemente apontadas, ainda que nem sempre se possa considerar de baixa poluição, dadas as fontes e processos de produção da eletricidade, mas, ainda assim, há poucas dúvidas sobre o mérito desta solução. Os desafios ainda são muitos, desde a geração até à distribuição e armazenagem, e se esses desafios não forem objeto de programas e investimentos específicos, dificilmente se fará uma transição de sucesso em tempo útil.
Há dias, o prémio Nobel da Química foi atribuído a três cientistas pela invenção e desenvolvimento das baterias de lítio, aplicadas em telemóveis, tablets e também no carro elétrico, cuja autonomia atinge já níveis comparáveis com os carros de energia convencional. Mas veja-se as limitações que hoje temos no uso genérico do carro elétrico, devido à ausência de infraestrutura de carregamento das baterias, só ultrapassada pelos investimentos da marca Tesla para assegurar a venda dos seus veículos, a preços incompatíveis para a esmagadora maioria da população. De 2015 para 2019, muito se avançou no negócio da produção de veículos elétricos, mas muito pouco nas infraestruturas de carregamento.
De acordo com os dados recentemente publicados (maio de 2019) pela Agência Internacional de Energia, e de acordo com os objetivos fixados pela União Europeia e pela China, até 2030, os países devem assumir um rácio de oferta de um ponto público de carregamento por cada dez veículos ligeiros, e a quota de carregadores rápidos deverá ser no valor de 10% da distância média percorrida pelos veículos elétricos numa dada zona.
Estamos muito longe destes objetivos, e não há sinais claros de uma política de longo prazo que ofereça a estabilidade necessária para despertar a motivação da iniciativa privada para este setor. Enquanto não se reverter esta situação, a mobilidade elétrica será apenas para um reduzido número de cidadãos com elevado poder de compra.
Professora e investigadora em transportes
Departamento de Engenharia Civil, Arquitetura e Georrecursos do Instituto Superior Técnico