A Procuradoria-Geral da República (PGR) confirmou esta terça-feira que já foram constituídos sete arguidos no âmbito do caso das golas distribuídas às populações que vivem em zonas de risco acrescido de incêndio. Desta lista fazem parte o ex-secretário de Estado da Proteção Civil José Artur Neves, o seu antigo adjunto Francisco Ferreira e o presidente da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, Mourato Nunes.
“No âmbito do inquérito, foram constituídos, por reporte aos factos integradores do crime de fraude na obtenção de subsídio, sete arguidos, duas pessoas coletivas e cinco pessoas singulares”.
As duas pessoas coletivas constituídas arguidas serão empresas a quem o Estado adjudicou a compra dos kits e das golas, neste caso, a Foxtrot e a Brain One.
O caso começou em julho, com uma notícia de que 70 mil golas distribuídas à população para uso em caso de incêndio eram inflamáveis; depois levantaram-se dúvidas sobre as ligações políticas dos donos das empresas fornecedoras e, hoje, o Ministério Público está já a investigar uma série de ajustes diretos feitos pela Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) no âmbito de programas de prevenção dos incêndios.
Apesar de a PGR dizer agora que está em causa o crime de fraude na obtenção de subsídio, o certo é que, quando no último mês a PJ desencadeou uma megaoperação de buscas, a PGR referira que neste caso estava ainda a ser investigada a prática de outros dois crimes: corrupção e participação económica em negócio.
Os ajustes de mais de 1,4 milhões investigados A Foxtrot Aventura, Unipessoal Lda. – de Ricardo Peixoto Fernandes, marido de Isilda Gomes da Silva, presidente da Junta de Freguesia de Longos, em Guimarães – arrecadou 102 200 euros (sem IVA) pelo fornecimento das 70 mil golas que, apesar de serem destinadas a pessoas envolvidas em situações de incêndio, são de material potencialmente inflamável. E ganhou 165 mil euros (sem IVA) com a venda de kits de autoproteção. A empresa foi fundada após o Governo ter decidido criar este programa.
Para a elaboração de panfletos foi escolhida a Brain One, por perto de 11 mil euros (valor sem IVA), empresa com histórico de contratação com o município de Arouca, de que fora presidente Artur Neves.
Os valores das golas e dos kits no geral são apenas uma parte do custo total do programa Aldeia Segura Pessoas Seguras. Segundo o jornal i revelou logo em julho, no total, tendo em conta uma análise feita no portal Base.Gov, foram gastos cerca de 1,4 milhões de euros com este projeto. Brindes, coletes e sinalética são alguns dos exemplos dos contratos celebrados. Vários destes contratos estão a ser analisados pelos investigadores do Departamento Central de Investigação e Ação Penal, que investiga a criminalidade mais complexa.
Segundo o i apurou, as autoridades estão ainda a investigar um contrato relativo ao novo sistema de envio de mensagens escritas para as populações em áreas com risco elevado de incêndio.
O Ministério da Administração Interna celebrou contratos com as operadoras Meo, Nos e Vodafone no valor de 735 mil euros (sem IVA) para as comunicações móveis e adjudicou o serviço de desenvolvimento do sistema nacional de alerta a uma empresa que, aparentemente, não presta este tipo de serviços. Trata-se da Fast Yubuy e o ajuste direto foi celebrado por 74 mil euros (sem IVA). A investigação, que não tem dúvidas sobre os contratos com as operadoras, terá no entanto estranhado este último contrato.
As baixas provocadas pelas golas Depois de Francisco Ferreira sair, o secretário de Estado da Proteção Civil ainda se aguentou até ao último mês, tendo pedido a sua exoneração quando foi constituído arguido. Artur Neves enfrentava ainda uma outra polémica: o seu filho tem uma participação de 20% numa empresa – a Zercac – que assinara contratos de 2,1 milhões de euros com entidades públicas – uma situação que, aparentemente, seria proibida pela lei em vigor das incompatibilidades de titulares de cargos políticos.
Mas no parecer que António Costa pediu ao conselho consultivo da PGR – e que foi entregue horas após a megaoperação – é referido que a lei não pode ser lida de forma cega. António Costa divulgou logo as conclusões do conselho consultivo da PGR, destacando: “As normas jurídicas não podem ser interpretadas de forma estritamente literal”.
O parecer vem, assim, dar razão ao primeiro-ministro e a outros membros do Governo, ao referir que uma interpretação literal desta lei seria inconstitucional e que o espírito do legislador era travar negócios com áreas tuteladas por familiares.